Prescrição racional de corticoides na terapia intensiva

A plausibilidade biológica dos corticoides reside na necessidade de adequação de uma resposta inflamatória desregulada.

A prescrição de corticoides nos centros de terapia intensiva (CTIs) é heterogênea no que se refere às indicações, moléculas utilizadas e posologias. Cientes dessa realidade, trazemos aqui as principais recomendações e sugestões elencadas pela atualização de 2024 da Society of Critical Care Medicine, que auxiliam na tomada de decisão à beira do leito.   

Veja também: Epidemiologia de TEP de alto risco no CTI

Atualmente, entre os pacientes críticos adultos, as principais indicações de corticoterapia incluem o choque séptico, a síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA) e a pneumonia adquirida na comunidade (PAC) grave.  

A plausibilidade biológica dos corticoides reside na necessidade de adequação de uma resposta inflamatória desregulada. Além disso, os corticoides podem contornar um desequilíbrio do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal frequente em CTIs, sobreposto à resistência tecidual ao corticoide, em uma entidade definida por “insuficiência de corticosteroides relacionada à doença crítica”.    

corticoides na terapia intensiva

Manejo do choque séptico 

No choque séptico, sugere-se o emprego de corticoides, tendo sido mais estudada a hidrocortisona endovenosa (200 mg/dia), administrada de forma contínua de seis em seis horas e associada ou não à fludrocortisona 50 mcg pela via enteral. A duração do tratamento deve ser de sete dias ou até a alta do CTI, podendo a suspensão ser abrupta ou gradual.

Os corticoides podem reduzir a mortalidade hospitalar de longo prazo (RR 0,94 – IC 95%: 0,89 a 1) e a mortalidade em CTI de curto prazo (RR 0,93 – IC 95%: 0,88 a 0,98), além de se associar a maiores taxas de reversão do choque (RR 1,24 – IC 95%: 1,11 a 1,38) e redução de disfunções orgânicas (SOFA em 7 dias: – 0,96 a – 1,87 pontos).   

SDRA 

Na SDRA, por sua vez, sugere-se a administração de corticoides, não mais se limitando à relação paO2/FIO2 inferior a 200. As moléculas e regimes empregados são variáveis, a exemplo da dexametasona endovenosa, 20 mg/dia por 5 dias, seguida por 10 mg/dia por 5 dias até a extubação ou metilprednisolona 1 mg/kg em bolus, seguida por 1 mg/kg/dia (D1-14), 0,5 mg/kg/dia (D15-21), 0,25 mg/kg/dia (D22-25) e 0,125 mg/kg/dia (D26-28).

Os corticoides provavelmente reduzem a mortalidade em 28 dias na SDRA (RR 0,82 – IC 95%: 0,72 a 0,95), especialmente com o uso superior a 7 dias, podendo contribuir para a menor duração da ventilação mecânica (VM) e da internação hospitalar.   

PAC grave 

Por fim, na PAC grave, recomenda-se a administração de corticoides, como a metilprednisolona, na dose de 40 a 80 mg/dia por 5 a 7 dias. A definição de gravidade da PAC na literatura é variável, mas destacamos aqui os critérios de inclusão do estudo CAPE COD (NEJM, 2023), que demonstrou um forte benefício de mortalidade com a utilização de corticoides na presença de ao menos 1 entre os 3 elementos:   

  • Necessidade de VM, invasiva ou não, com PEEP ≥ 5 cm H2O; 
  • Demanda por oferta de O2 por cânula nasal de alto fluxo com paO2/FIO2 < 300 e FIO2 ≥ 50% ou máscara não-reinalante com reservatório e paO2/FIO2 < 300; 
  • Escore do índice de gravidade pulmonar (PSI) > 130 (grupo V).  

Outros critérios de PAC grave incluem o CURB-65 ≥ 3 pontos e PSI grupo IV ou V. Nessas condições, o uso de corticoides provavelmente reduz a necessidade de VM invasiva, a duração da estadia em CTI e o tempo de permanência hospitalar.   

Em geral, a utilização de corticoides em doses baixas tem demonstrado uma boa relação risco vs. benefício nas indicações supracitadas. Entretanto, há necessidade de mais estudos, com o intuito de trazer mais clareza sobre a incidência e repercussão clínica dos eventos adversos, especialmente a fraqueza neuromuscular, hipernatremia, hiperglicemia, superinfecção e sangramento gastrointestinal.   

As novas pesquisas deverão se pautar na definição do real benefício da corticoterapia na população pediátrica, cirúrgica e neurocrítica, bem como em formas não graves de PAC. Em virtude da heterogeneidade das moléculas, posologias e duração de tratamento, tais elementos também devem ser melhor elucidados em estudos subsequentes com objetivo de padronização das condutas.    

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Conclusão e mensagens práticas  

  • As indicações mais robustas de corticoterapia na medicina intensiva incluem o choque séptico, a síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA) e a pneumonia adquirida na comunidade grave.  
  • As moléculas empregadas (hidrocortisona, metilprednisolona ou dexametasona) são variáveis, bem como as posologias e o tempo total de tratamento.  
  • A relação risco vs. benefício nos respectivos cenários é considerada favorável, devendo-se manter vigilância quanto aos potenciais eventos adversos: fraqueza neuromuscular, hipernatremia, hiperglicemia, superinfecção e sangramento gastrointestinal.  

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
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