Hidrocortisona no choque séptico

Em 2018, o estudo multicêntrico ADRENAL com 3800 pacientes, mostrou benefício em relação ao uso de hidrocortisona.

Hidrocortisona no choque séptico: 50 mg de 6/6h ou 100 mg de 8/8h? Durante a evolução de um quadro de choque séptico ocorre uma insuficiência adrenal absoluta (de ocorrência mais rara) ou relativa que acaba por perpetuar essa condição. Desse modo, é razoável a utilização de corticosteroides para pacientes com sepse com o objetivo de restaurar o equilíbrio do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal e melhorar o desfecho de nossos pacientes.

Veja também: Pancreatite aguda: qual o papel da abordagem intervencionista?

O CORTICUS, de 2008, foi um estudo multicêntrico, randomizado, duplo-cego e placebo-controlado com participação de 499 pacientes com choque séptico que comparou o uso de placebo com hidrocortisona 50 mg de 6/6g por 5dias (e desmame gradual com retirada completa depois de 11 dias). A mortalidade em 28 dias [34,3 versus 31,5% no grupo placebo, p = 0,51] foi semelhante nos dois grupos, porém a duração do choque foi menor no grupo hidrocortisona [3,3 versus 5,8 dias]. 

Em 2018, o estudo multicêntrico ADRENAL com 3800 pacientes, mostrou benefício em relação ao uso de hidrocortisona (200 mg/dia por 7 dias) na resolução mais rápida do choque [3 versus 4 dias no grupo placebo, OR 1,32 (IC95% 1,23-1,41; p < 0,001], redução no tempo de ventilação mecânica [6 versus 7 dias no grupo placebo, OR 1,13 (IC95% 1,05-1,22; p < 0,001] e da necessidade de hemotransfusão [37,0 versus 41,7% no grupo placebo, OR 0,82 (IC95% 0,72-0,94; p = 0,004]. Não houve diferença em relação à mortalidade aos 28 dias nos dois grupos [27,9 versus 28,8% no grupo placebo, OR 0,95 (IC95% 0,82-1,1; p = 0,5]. 

Uma metanálise de 2018, utilizando os principais estudos sobre o tema, inclusive os citados até o momento (42 ensaios clínicos randomizados, incluindo 10.194 pacientes) concluiu que em pacientes gravemente enfermos com sepse, o uso de corticosteroides pode resultar em uma pequena redução da mortalidade ao mesmo tempo em que aumenta o risco de fraqueza neuromuscular. 

Os dados disponíveis hoje e inclusive as recomendações sugerem a favor do uso de corticoterapia no choque séptico, mas podemos definir alguns parâmetros para esse uso com o objetivo de facilitar o nosso raciocínio e prescrição. 

hidrocortisona

Indicação 

A Surviving sepsis campaign de 2021 (SSC 2021) traz a seguinte recomendação: 

“Para adultos com choque séptico e necessidade contínua de vasopressor, sugerimos o uso de corticosteroides intravenosos (Recomendação fraca; qualidade moderada de evidência). Observação: O corticosteroide típico usado em adultos com choque séptico é a hidrocortisona IV na dose de 200 mg/dia administrada como 50 mg por via intravenosa a cada 6 horas ou como uma infusão contínua. Sugere-se que seja iniciada após o uso de uma dose de norepinefrina ou epinefrina ≥ 0,25 mcg/kg/min por ao menos 4 horas”.

Dose 

A dose normalmente administrada para o tratamento da sepse varia entre 200 e 300 mg/dia de hidrocortisona por via intravenosa dividida em 50 mg de 6/6h ou 100 mg de 8/8h, o que é compatível com as diretrizes estabelecidas pela Society of Critical Care Medicine (SCCM) e pela European Society of Critical Care Medicine (EISCM), que sugerem uso de doses menores do que 400 mg/dia de hidrocortisona para o manejo do choque séptico. 

Uma coorte retrospectiva de 2021, multicêntrica, comparou 319 pacientes internados em UTIs com diagnóstico de choque séptico recebendo vasopressores e hidrocortisona entre 2013 e 2018 divididos em dois grupos: hidrocortisona em dose baixa (50 mg de 6/6h) e em dose alta (100 mg de 8/8h), tendo como desfecho primário a reversão do choque. A conclusão do estudo foi que a taxa de reversão do choque é semelhante em ambos os grupos, porém o uso de hidrocortisona em dose alta pode reduzir as taxas de recorrência do choque e a necessidade de vasopressores adicionais.  

Duração 

As diretrizes da SCCM e EISCM recomendam uma duração da corticoterapia maior ou igual a três dias, sendo que na maioria dos serviços o uso ocorre entre cinco e sete dias, com retirada gradual (desmame) ou interrupção abrupta. Não há consenso sobre qual deve ser a duração e retirada da corticoterapia e nem estudos robustos o suficiente para enfatizar tais recomendações. 

Saiba mais: Os principais sinais clínicos de choque

Mensagem prática 

Em função da ausência de recomendações específicas na literatura e com base nos achados apresentados anteriormente, podemos sugerir um esquema de uso de corticoterapia para os pacientes em choque séptico visando reduzir o trabalho da equipe multidisciplinar (com menos doses por intervalo de tempo e ausência de necessidade de diluição da hidrocortisona, já que uma ampola tem 100 mg), por uma duração de acordo com o preconizado, porém reduzida, e sem a necessidade de desmame. Lembrando que essa recomendação se baseia em um racional teórico disponível até o momento e que toda conduta deverá ser individualizada em relação ao paciente a que ela se aplica. 

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo

Selecione o motivo:
Errado
Incompleto
Desatualizado
Confuso
Outros

Sucesso!

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo.

Você avaliou esse artigo

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Baixe o Whitebook Tenha o melhor suporte
na sua tomada de decisão.
Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Annane D, Pastores SM, Rochwerg B, Arlt W, Balk RA, Beishuizen A, et al. Guidelines for the diagnosis and management of critical illness-related corticosteroid insufficiency (CIRCI) in critically ill patients (Part I): Society of Critical Care Medicine (SCCM) and European Society of Intensive Care Medicine (ESICM) 2017. Intensive Care Med. 2017;43(12):1751. 
  • Bonnin S, Radosevich JJ, Lee YG, Feldman JP, Barletta JF. Comparison of shock reversal with high or low dose hydrocortisone in intensive care unit patients with septic shock: A retrospective cohort study. J Crit Care. 2021 Apr;62:111-116. 
  • Evans, L., Rhodes, A., Alhazzani, W. et al. Surviving sepsis campaign: international guidelines for management of sepsis and septic shock 2021. Intensive Care Med 2021; 47, 1181–1247. 
  • Rochwerg B, Oczkowski SJ, Siemieniuk RAC, Agoritsas T, Belley-Cote E, D'Aragon F, et al. Corticosteroids in Sepsis: An Updated Systematic Review and Meta-Analysis. Crit Care Med. 2018;46(9):1411.
  • Sprung CL, Annane D, Keh D, Moreno R, Singer M, Freivogel K, et al. CORTICUS Study Group. Hydrocortisone therapy for patients with septic shock. N Engl J Med. 2008;358(2):111.  
  • Venkatesh B, Finfer S, Cohen J, Rajbhandari D, Arabi Y, Bellomo R, ADRENAL Trial Investigators and the Australian–New Zealand Intensive Care Society Clinical Trials Group, et al. Adjunctive Glucocorticoid Therapy in Patients with Septic Shock. N Engl J Med. 2018;378(9):797.