Transmissão da Covid-19 por fômites: estamos exagerando nos cuidados?

Não podemos afirmar que não haja o risco de transmissão via fômites, mas podemos assumir que ele é inferior à transmissão por via aérea.

As dúvidas e suposições sobre as possíveis formas de transmissão do novo coronavírus (SARS-CoV-2), associado à doença respiratória Covid-19, têm gerado medidas preventivas importantes para a contenção da disseminação da doença, mas muitas das hipóteses ainda carecem de embasamento científico.

A Covid-19 tem sido diagnosticada em milhões de pessoas em todo o mundo, com taxa elevada de mortalidade, e atingido especialmente contactantes diretos, incluindo diversos profissionais de saúde. A maioria dos estudos publicados até o momento confirma o alto potencial de transmissibilidade aérea do vírus, o que tem dificultado significativamente o controle da disseminação da doença. Mas os fômites seriam outro tipo de risco para a transmissão das partículas virais?

Transmissão da Covid-19 por fômites

Estudos x fômites

Os objetos (incluímos aqui os alimentos sólidos, embalagens, garrafas e outros) e superfícies inanimadas são denominados fômites. Estes têm sido alvo de lavagens e desinfecção repetidamente e extensivamente pela população em geral, devido às hipóteses de que as partículas virais de SARS-CoV-2 podem permanecer viáveis por horas sobre essas estruturas.

Grande parte dos estudos verificaram, até o momento, que a viabilidade desse vírus é baseada em estudos em laboratórios, sem representatividade ou mimetização de cenários da vida real. Alguns pesquisadores têm criticado as conclusões baseadas nos estudos simplificados como base científica para que as instituições governamentais sugiram medidas preventivas.

Goldman (2020), professor de Microbiologia, Bioquímica e Genética Molecular na New Jersey Medical School – Rutgers University, Newark, NJ, EUA, é um dos críticos. Ele chama atenção de que um dos estudos (Rabenau et al., 2005) que verificou a longa viabilidade (por seis dias) do SARS-CoV em superfícies utilizou alta carga viral no inóculo (107 partículas infecciosas). Outro estudo (Duan et al., 2003), que também verificou a manutenção de partículas virais viáveis em superfícies por períodos de até quatro dias, realizou os experimentos com 106 partículas infecciosas.

Um estudo recente, realizado por van Doremalen et al. (2020), descreveu viabilidade de SARS-CoV e SARS-CoV-2 em superfícies por até dois dias e em aerossol por até três, mas com inóculos com alta carga viral como 105 em superfícies, e 104 a 107/mL em aerossol. Goldamn indica que são necessários estudos que quantifiquem SARS-CoV-2 em aerossóis produzidos por pacientes infectados. Estudos realizados com influenza indicam que a concentração de RNA viral varia em média de 10 a 100 partículas virais em uma gota, com poucos vírions infectantes.

Por outro lado, Sizun et al. (2000) observou que os coronavírus 229E sobrevivem somente por três horas e os coronavírus OC43 mantêm viabilidade por apenas uma hora após secagem em diversas superfícies, como alumínio, luvas cirúrgicas de látex e esponjas estéreis. Dowell et al. (2004) não detectou SARS-CoV viáveis em superfícies em estudo com condições similares ao cenário real.

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Conclusão

Apesar das interferências que as altas cargas virais podem ter nos experimentos em laboratório, são raros os estudos que conseguem ser realizados em cenários reais ou que mimetizem com maior fidelidade os riscos de transmissão por fômites, especialmente devido ao desconhecimento das propriedades biológicas do SARS-CoV-2, aos riscos elevados na manipulação viral e às questões éticas.

A rápida progressão da pandemia de Covid-19 e a urgência de medidas de controle, mesmo diante do desconhecimento sobre as formas de transmissão, nos levou a adotar medidas de cuidado possivelmente exageradas quanto à limpeza e desinfecção de fômites.

Não podemos ainda afirmar que não haja o risco dessa forma de transmissão, mas podemos assumir que o risco é inferior em comparação com a transmissão por via aérea, a qual é minimizada se devidamente adotada a proteção através do uso de máscaras e de outros equipamentos de proteção individual, especialmente por profissionais de saúde.

Os aspectos adicionais dos estudos citados podem ser obtidos nas referências abaixo.

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Referências bibliográficas:

  • Dowell SF, Simmerman JM, Erdman DD, et al. Severe acute respiratory syndrome coronavirus on hospital surfaces. Clin Infect Dis 2004; 39: 652–57.
  • Duan SM, Zhao XS, Wen RF, Huang JJ, Pi GH, Zhang SX. Stability of SARS coronavirus in human specimens and environment and its sensitivity to heating and UV irradiation. Biomed Environ Sci 2003; 16: 246–55.
  • Goldman E. Exaggerated risk of transmission of COVID-19 by fomites. Lancet Infect Dis 2020; 20(8): 892-893.
  • Kampf G, Todt D, Pfaender S, Steinmann E. Persistence of coronaviruses on inanimate surfaces and their inactivation with biocidal agents. J Hosp Infect 2020; 104: 246–51.
  • Lindsley WG, Blachere FM, Thewlis RE, et al. Measurements of airborne influenza virus in aerosol particles from human coughs. PLoS One 2010; 5: e15100.
  • Rabenau HF, Cinatl J, Morgenstern B, Bauer G, Preiser W, Doerr HW. Stability and inactivation of SARS coronavirus. Med Microbiol Immunol 2005; 194: 1–6.
  • Sizun J, Yu MW, Talbot PJ. Survival of human coronaviruses 229E and OC43 in suspension and after drying on surfaces: a possible source of hospital-acquired infections. J Hosp Infect 2000; 46: 55–60.
  • van Doremalen N, Bushmaker T, Morris DH, et al. Aerosol and surface stability of SARS-CoV-2 as compared with SARS-CoV-1. N Engl J Med 2020; 382: 1564–67.
  • Warnes SL, Little ZR, Keevil CW. Human coronavirus 229E remains infectious on common touch surface materials. mBio 2015; 6: e01697–15.

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