Tuberculose resistente: qual a eficácia e segurança de bedaquilina, linezolida e pretomanida?

A OMS estabeleceu como meta o fim da tuberculose até o ano de 2035. Nesse contexto, o grande desafio é o tratamento da tuberculose multirresistente.

A tuberculose é uma das doenças infecciosas que mais afeta pessoas no mundo, sendo inclusive responsável por um número considerável de mortes. A Organização Mundial da Saúde estabeleceu como meta o fim da tuberculose até o ano de 2035 por meio da END TB STRATEGY, uma resolução lançada em 2014.

médico segurando cápsulas de medicamentos para tuberculose resistente

Tuberculose resistente

Dentro desse contexto, um dos grandes desafios é o tratamento de casos de tuberculose multirresistente (TB-MDR) complicada. Isto é, tuberculose resistente a isoniazida e rifampicina que não responde ao tratamento ou cujo tratamento tem que ser interrompido por eventos adversos. E tuberculose extensivamente resistente (TB-XDR) — tuberculose resistente a isoniazida, rifampicina, uma fluoroquinolona e pelo menos um medicamento injetável. A falta de opções terapêuticas compromete o controle e cura dos casos de pacientes infectados, ao mesmo tempo que dificulta a interrupção da cadeia de transmissão.

Nos últimos anos, novos fármacos vêm sendo estudados como opções nos casos de TB-MDR e TB-XDR com o objetivo de melhorar o perfil de eventos adversos e diminuir o tempo de tratamento, procurando assim aumentar as taxas de cura. Bedaquilina, linezolida e pretomanida são exemplos de medicamentos orais que mostraram efetividade na terapia de casos de TB-MDR e TB-XDR.

Um estudo recentemente publicado na The New England Journal of Medicine avaliou o perfil de segurança, eficácia e farmacocinética de um esquema contendo essas três drogas.

Métodos

O Nix-TB foi um estudo aberto, conduzido na África do Sul com pacientes com diagnóstico de TB-XDR ou TB-MDR complicada. Os critérios de inclusão eram ter 14 anos ou mais e ter diagnóstico, com comprovação microbiológica, de TB-XDR ou de TB-MDR não responsiva ao tratamento de primeira linha e cujo tratamento de segunda linha precisou ser interrompido devido a eventos adversos.

Os participantes receberam um esquema oral de bedaquilina, 400 mg, 1x/dia, por 2 semanas seguido por 200 mg, 3x/semana, por mais 24 semanas, associada a pretomanida 200 mg, 1x/dia e linezolida 1.200 mg/dia por 26 semanas. Durante o estudo, a posologia da linezolida foi alterada de 600 mg, 12/12h para 1.200 mg, 1x/dia para avaliação de diferenças no potencial de toxicidade. O tempo de tratamento podia ser estendido para 39 semanas se os participantes permanecessem cultura-positivos na semana 16.

Amostras de escarro foram coletadas na triagem, na inclusão e nas semanas 1, 2, 4, 6 e 8. E depois mensalmente até a semana 26 e durante o seguimento nos meses 1, 2, 3 e cada três meses até o mês 24. A identificação de Mycobacterium tuberculosis foi feita por métodos moleculares.

O desfecho primário foi a incidência de desfechos desfavoráveis, definidos como falha terapêutica (clínica ou bacteriológica) ou recaída da doença. Falha clínica foi definida como mudança no tratamento do protocolo por falta de eficácia clínica, retratamento de tuberculose ou morte por tuberculose em até 6 meses após o término do tratamento. Doença clínica resolvida, cultura negativa seis meses após o término do tratamento e não classificação como desfecho desfavorável foram considerados como desfechos favoráveis.

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Desfechos secundários incluíram tempo até um desfecho desfavorável e tempo para conversão de escarro. Isto é, tempo até obtenção de duas amostras consecutivas de escarro com cultura negativa, coletadas com pelo menos 7 dias de diferença. Em relação ao perfil de segurança e eventos adversos, foram avaliados mortalidade por todas as causas e a incidência de eventos adversos que ocorreram ou pioraram do início até 14 dias após o fim do tratamento.

Características dos participantes

O estudo incluiu 109 participantes, dos quais 44 receberam linezolida 600 mg, 12/12h, e 65 receberam a dose de 1.200 mg, 1x/dia. Dois pacientes tiveram o tratamento estendido por mais três meses por apresentaram amostras de escarro cultura-positiva nos meses 4 e 5 de tratamento. A média de idade da amostra foi de 35 anos, sendo 52% homens, 51% HIV-positivos e 84% apresentavam cavidades na radiografia de tórax.

Todos, com exceção de nove pacientes, haviam recebido drogas tuberculostáticas no mês anterior ao início do estudo, com uma média de sete medicamentos compondo o esquema. No total, 65% dos casos foram classificados como XDR, 17%, como MDR com falha ao tratamento e 17%, como MDR cujo tratamento precisou ser interrompido por eventos adversos.

Resultados

Aos 6 meses após o término do tratamento, 11 participantes (10%) tiveram um desfecho desfavorável, sendo 7 mortes, 1 retirada de consentimento, 2 recaídas e 1 perda de seguimento. Houve desfecho favorável em 98 pacientes (90%; IC 95% = 83 – 95). O valor inferior do intervalo de confiança foi maior do que 50%, que era a margem definida estatisticamente pelo protocolo para considerar o tratamento eficaz. Os resultados foram semelhantes quando estratificados por tipo de tuberculose (89% nos com TB-XDR e 92% nos com TB-MDR), sorologia para HIV e posologia de linezolida.

Todos os pacientes apresentaram pelo menos um evento adverso que começou ou piorou durante o período de tratamento do estudo, com 17% desenvolvendo eventos adversos graves. A frequência foi semelhante entre pacientes HIV positivos e negativos. Entretanto, todos os pacientes sobreviventes completaram as 26 semanas de tratamento.

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Um total de 62 participantes (57%) experimentou eventos adversos grau 3 ou maior. Os eventos mais frequentes foram neuropatia (81%) e desordens hematológicas ou do sistema linfático (48% dos participantes desenvolveram mielossupressão). Aumento de transaminases também foi frequente. A maioria dos participantes tiveram redução da dose ou interrupção temporária da linezolida.

Duas limitações do estudo são a falta de grupo controle e o fato de que duas das drogas usadas no estudo (bedaquilina e linezolida) foram introduzidas no esquema de tratamento preconizado para casos de TB-MDR ou XDR enquanto o mesmo estava em andamento. Isso compromete a comparação de eficácia entre o esquema estudado e os atuais. Outras limitações da publicação incluem o fato de o estudo ter sido conduzido em um único país e que seu seguimento ainda está em andamento.

Mensagens práticas

  • Um regime de bedaquilina, pretomanida e linezolida por 26 semanas parece ser eficaz no tratamento de TB-MDR e XDR. Os resultados são promissores, já que é um esquema composto somente por medicamentos orais e com tempo reduzido em relação aos esquemas atuais preconizados.
  • A frequência de eventos adversos foi alta, principalmente associados à linezolida. Neuropatias e mielotoxicidade foram as alterações mais comuns e devem ser monitoradas quando linezolida estiver em uso.

Referências bibliográficas:

  • Conradie F, et al. Treatment of Highly Drug-Resistant Pulmonary Tuberculosis. N Engl J Med. 2020 Mar 5;382(10).

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