Uso de oxigênio em pacientes com doença cardiovascular

A principal função do sistema cardiovascular é entregar oxigênio e nutrientes para os órgãos e tecidos do corpo.

A suplementação de oxigênio (O2) tem sido utilizada em pacientes com doenças cardiovasculares desde 1900 e o racional para isso é que o aumento do aporte de O2 melhoraria a entrega desta substância ao coração em situações onde a oferta estaria reduzida, como nas obstruções coronárias.

Leia também: ESC 2022: Estudo randomizado compara estratégias restritiva e liberal em oxigenioterapia e pressão arterial no contexto pós PCR

Recentemente surgiram evidências de que a hiperóxia, ou seja, O2 em níveis suprafisiológicos, poderia causar dano. Foi publicada então uma revisão sobre o assunto, com enfoque na fisiopatologia do O2 no sistema cardiovascular e sua utilização em grupos específicos de pacientes. Abaixo, seguem os principais pontos da revisão:

Uso de oxigênio em pacientes com doença cardiovascular

Alterações relacionadas a hipóxia e hiperóxia

O oxigênio é transportado principalmente na forma ligada a hemoglobina e uma pequena parte é dissolvida no plasma. Quando a hemoglobina está saturada, a suplementação de O2 aumenta o oxigênio dissolvido no plasma e o seu excesso pode atuar na formação de espécies reativas de oxigênio, com certo grau de toxicidade.

A tentativa de aumentar a hemoglobina no intuito de aumentar a oferta de O2 não mostrou benefício em pacientes cardiopatas. Diversos estudos compararam estratégias liberal e restritiva de transfusão de hemácias e, no geral, não mostraram diferença em relação a desfechos cardiovasculares nos pacientes mantidos com hemoglobina mais alta. Por outro lado, anemia tem relação com mortalidade; logo, seu manejo deve ser individualizado, com transfusão em casos específicos.

Em relação a alterações hemodinâmicas, hipóxia leva a aumento da frequência cardíaca, vasodilatação sistêmica e vasoconstrição pulmonar, que pode resultar em aumento da pós carga do ventrículo direito e consequente insuficiência ventricular direita. Ainda, a hipóxia crônica pode levar a hipertensão pulmonar pré capilar fixa, por meio do remodelamento vascular pulmonar resultante.

A hiperóxia também gera repercussões: vasoconstrição em diversos leitos arteriais, com aumento da resistência vascular sistêmica e redução de fluxo nos sistemas coronário, cerebral e vascular. Essa vasoconstrição parece decorrer da redução da produção e disponibilidade do óxido nítrico, pelo excesso de produção de espécies reativas de oxigênio.

Pode ocorrer também redução da frequência cardíaca com consequente redução do débito cardíaco. Essas alterações já foram observadas em pacientes com insuficiência cardíaca e com doença coronária.

A seguir, seguem algumas recomendações de utilização de oxigênio em doenças cardiovasculares específicas:

– Infarto agudo do miocárdio (IAM)

Atualmente a recomendação é utilizar oxigênio apenas nos pacientes com hipóxia. Estudos mais recentes que utilizaram O2 em pacientes infartados que tinham oxigenação adequada mostraram que não há benefício e pode haver malefício. Nos últimos anos alguns estudos não encontraram diferença entre os grupos que usaram oxigênio ou que não usaram e alguns encontraram infartos maiores por exames de imagem e injuria miocárdica mais importante nos grupos que usaram oxigênio.

Baseado nisso, ausência de benefício e potencial malefício, a recomendação atual é a não utilização de rotina e sim, apenas em quem precisa, ou seja, nos que apresentam saturação de oxigênio abaixo de 90%.

– Insuficiência cardíaca aguda e choque cardiogênico

Em pacientes com IC aguda, a suplementação de O2 não mostrou benefício e um estudo mostrou aumento do tempo de internação. Há poucos estudos que avaliaram oxigenação no paciente em choque cardiogênico, porém já foi evidenciado que pacientes em uso de dispositivos de circulação extracorpórea (ECMO) ou submetidos a ressuscitação cardiopulmonar extracorpórea que tinham hiperóxia tiveram maior mortalidade, assim como pior desfecho neurológico. Baseado nisso, a recomendação nesses grupos de pacientes é evitar hiperóxia.

– Parada cardiorrespiratória (PCR)

Após o retorno da circulação espontânea (RCE), a reperfusão leva a diversas alterações que podem precipitar ou desencadear injúria anóxica por mecanismo de desbalanço entre oferta e consumo de O2 cerebral. Tanto hipóxia como hiperóxia são comuns após uma PCR e a PaO2 ideal não é conhecida, porém a mortalidade parece ser maior nos seus extremos.

Um estudo de 2010 mostrou que a mortalidade era maior com hiperóxia do que com hipóxia ou saturação normal, assim como a maior chance de tornar-se funcionalmente dependente. Estudos subsequentes tiveram resultados controversos. Porém, há muita variação nas populações dos estudos e nas definições utilizadas. Em 2018, um outro estudo mostrou desfecho neurológico pior quando havia hiperóxia com PaO2 > 300 mmHg nas primeiras 6 horas após RCE e quanto maior a sua duração, pior o desfecho.

Por outro lado, um estudo pequeno mostrou que hiperóxia durante a ressuscitação cardiopulmonar levou a maior sucesso no RCE e menor mortalidade, sendo a recomendação atual de utilizarmos altas taxas de FiO2 no atendimento da PCR e, quando há RCE, hiperóxia deve ser evitada.

– Hipertensão pulmonar (HP)

O papel da hipóxia na HP já é bem conhecido, porém há poucos dados sobre hiperóxia. Parece haver um benefício da exposição a hiperóxia por tempo limitado em pacientes com HP pré-capilar como hipertensão arterial pulmonar e doença tromboembólica crônica.

A meta de saturação alvo recomendada de forma geral é maior que 90% para pacientes com HP e IC direita. Saturações maiores (> 95%) podem ser preferíveis em casos específicos.

Balanço de CO2

A hipercapnia aguda é associada a aumento da vasoconstrição pulmonar, do fluxo sanguíneo cerebral e coronário. Hipocapnia aguda leva ao oposto: hipoperfusão cerebral, redução do fluxo coronário e vasodilatação arterial sistêmica. Existem poucos estudos sobre desfechos decorrentes de alterações do CO2, sendo a maioria análises retrospectivas.

A recomendação atual é evitar hipocapnia, principalmente na população com PCR. A hipercapnia leve parece segura na maior parte dos pacientes graves, desde que não associada a acidose significativa.

Saiba mais: Oxigênio na UTI: quais alvos utilizar?

Mensagem final sobre o uso de oxigênio em doença cardiovascular

Ainda são necessários diversos esclarecimentos em relação a este assunto, com novos ensaios clínicos tendo muito a acrescentar na definição dos alvos de oxigenação a serem alcançados na população de pacientes com doenças cardiovasculares. Atualmente, a recomendação geral é evitar hiperóxia e não utilizar suplementação de oxigênio de forma rotineira, mas sim nos pacientes que tem saturação mais baixa, geralmente < 90%.

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Thomas A, et al. Oxygen Supplementation and Hyperoxia in Critically Ill Cardiac Patients: From Pathophysiology to Clinical Practice. JACC: Advances. 2022,1(3):100065. DOI: 10.1016/j.jacadv.2022.100065

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