Uso precoce de bombas de insulina closed loop pode ajudar a preservar células beta pancreáticas?

Estudo avaliou o uso precoce de bombas de circuito fechado em pacientes recém diagnosticados com DM1 e função das células beta pancreáticas.

O diabetes mellitus tipo 1 (DM1) é uma doença autoimune que culmina na deficiência de secreção de insulina e um marcador laboratorial da reserva de células beta é o peptídeo C, co-secretado com a insulina. Um peptídeo C indetectável (de acordo com a glicemia de jejum concomitante) pode indicar a ausência de secreção de insulina, por exemplo. Logo após o diagnóstico do DM1 é possível observar uma recuperação parcial e temporária da função das células beta pancreáticas remanescentes após a compensação da glicemia. Mas, ao longo do tempo, tendem a seguir o mesmo curso de destruição. 

É sabido que a persistência de células beta pancreáticas funcionantes está diretamente relacionada com um melhor controle glicêmico, menor variabilidade glicêmica, além de menor risco de hipoglicemias e de complicações microvasculares. Por esse motivo, diversas terapias já foram estudadas com o intuito de tentar preservar pelo maior tempo possível a função dessas células beta remanescentes. O postulado atual é de que existem fatores autoimunes, inflamatórios mas também que a própria hiperglicemia pode impactar na perda mais acentuada dessas células. 

O avanço constante da tecnologia em diabetes trouxe nos últimos anos o advento de bombas de insulina closed loop – sistemas em alça fechada – onde o ajuste das taxas de infusão são realizados automaticamente com base na glicemia intersticial avaliada por um monitor contínuo (CGM), como o Libre ou o Dexcom, restando ao paciente apenas aplicar as doses de bolus, um passo para o “pâncreas artificial”. Tais dispositivos tem demonstrado segurança e eficácia, resultando em melhor controle e sobretudo reduzindo hipoglicemias e variabilidade glicêmica, aumentando o tempo no alvo (70 a 180 mg/dL), que vem cada vez mais sendo utilizado como uma meta importante no tratamento do diabetes. 

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closed loop

O estudo 

Considerando a disponibilidade cada vez mais frequente dessas tecnologias (em países desenvolvidos, sobretudo), foi realizado no Reino Unido um ensaio clínico randomizado (RCT) que buscou esclarecer se o uso precoce de bombas de circuito fechado em pacientes recém diagnosticados com DM1 seria capaz de preservar a função das células beta pancreáticas. O estudo foi publicado em setembro no The New England Journal of Medicine. 

Métodos 

O RCT inglês, multicêntrico, que recebeu o nome de “CLOuD trial”, foi um estudo open-label. Ao final, 97 participantes, com idades de 10 a 16,9 anos (média de 12 anos), 44% do sexo feminino, foram randomizados para o grupo bomba de insulina “closed loop” versus grupo controle – tratamento intensivo com múltiplas doses de insulina (MDI). O objetivo era que ambos os grupos tivessem um controle glicêmico adequado e a diferença fosse de fato a própria intervenção – no caso, a bomba de insulina.  

Os participantes eram randomizados até o 21º dia de diagnóstico e iniciavam a partir daí suas respectivas intervenções. Eles foram seguidos por 24 meses. Dentre os critérios de exclusão mais relevantes, estavam o tempo de diagnóstico e sobretudo alguma condição clínica que pudesse impactar o controle metabólico ou a interpretação da hemoglobina glicada. Os participantes foram randomizados de forma estratificada de acordo com local do estudo e idade (10 a 13 e 14 a 16 anos), 1:1 em cada estrato. O sistema closed loop foi fornecido pela Medtronic, que também forneceu CGMs (assim como a Abbott e a Dexcom). Caso um participante do grupo controle desenvolvesse indicação clínica de uso de bomba de insulina, este poderia iniciar. 

O objetivo primário do estudo foi avaliar de forma comparativa entre os grupos a média da área sob a curva do peptídeo C após um teste de refeição mista, realizado 12 meses após o início do seguimento – um surrogate laboratorial para reserva pancreática. Dentre os desfechos secundários estavam o percentual de tempo no alvo (70 a 180 mg/dL), hemoglobina glicada (HbA1c) e percentual de tempo em hipoglicemia (< 70 mg/dL). Para tanto, os participantes recebiam um CGM 14 dias antes das consultas. Os dados foram analisados em intention to treat e também foi realizada uma análise per protocol dos dados comparando os participantes do grupo “closed loop” que usaram o sistema por mais de 60% do tempo com os participantes do grupo controle que não iniciaram uso de bomba de insulina. 

Resultados 

Dos 97 participantes incluídos no período entre fevereiro de 2017 e julho de 2019, 51 compuseram o grupo “closed loop”. A média inicial de hemoglobina glicada era de 10,6% (+/- 1,7%), sendo que 28 participantes (29%) tiveram cetoacidose (CAD) no diagnóstico. Uma das críticas dos próprios autores foi que, por motivos não explicados no corpo do artigo, não houve balanceamento entre os grupos para essa variável, havendo maior número de participantes com CAD no grupo “closed loop”. Isso pode ter influenciado no resultado, uma vez que é sabido que a perda de células beta é mais acelerada naqueles que abrem o quadro com tal apresentação. A quantidade total de insulina basal utilizada em cada grupo foi equiparável.

Não houve diferença no desfecho primário – ou seja – não houve diferença nos níveis de peptídeo C após 12 meses comparando o uso de bomba “closed loop” versus múltiplas doses de insulina (MDI): 

  • Média geométrica (grupo “closed loop”): 0,35 pmol/ml – interquartis: 0,16 a 0,49 (ou 0,1057 ng/dL; interquartis: 0,0483 a 0,148);
  • Média geométrica (grupo “MDI”): 0,46 pmol/ml – interquartis: 0,22 a 0,69 (ou 0,1389ng/dL; interquartis: 0,0664 a 0,2084). 

Além disso, comparando o peptídeo C basal com o peptídeo C após 12 e 24 meses, houve declínio nos seus níveis em ambos os grupos, ou seja, nenhuma medida foi capaz de evitar a progressão de perda de células beta.            

Com relação aos desfechos secundários, o principal desfecho analisado foi o tempo no alvo (glicemia entre 70 e 180 mg/dL) na monitorização com CGMs aos 12 meses após o início da terapia. 

A média de tempo no alvo no grupo “closed loop” foi de 64% (+/-14%), 10% maior que no grupo MDI (54%; +/-23%), com menor variabilidade glicêmica. Os autores explicaram que, como este desfecho secundário foi testado por análise hierárquica com objetivo de manter um erro tipo 1 acima de 5% e o P não atingiu o corte de < 0,01, nenhum dos demais desfechos foram testados para significância estatística. A média de HbA1c foi menor no grupo “closed loop” aos 12 meses e sobretudo aos 24 meses: 

  • Closed loop: A1c aos 12 meses: 6,9%; aos 24 meses: 6,9%
  • MDI: A1c aos 12 meses: 7,3%; aos 24 meses: 8,0%

Quanto às hipoglicemias, houve uma tendência a haver menor tempo com glicemias < 70 mg/dL no grupo em uso de bomba de insulina (diferença média de 2,8%; -0,6 – 6,2%; IC 95%). Mesmo a análise per protocol não demonstrou diferença estatisticamente significativa quanto ao desfecho primário.  

Considerações

Este estudo é importante por se tratar de um RCT com um N considerável e demonstrou que o simples controle glicêmico, mesmo que mais intensivo (no caso do grupo “closed loop”), não foi capaz de prevenir adequadamente a perda de células beta. Provavelmente outros fatores como inflamação e destruição autoimune preponderam no processo e agem de forma sinérgica à hiperglicemia. No entanto, é interessante perceber que o uso da bomba desde o início parece melhorar o controle glicêmico (apesar de não ter sido estabelecido diferenças estatísticas pelo modelo empregado no estudo), o que por si só pode implicar em menores complicações micro e macrovascular a médio e longo prazo – vale lembrar que o grande benefício no controle do diabetes está logo nos primeiros anos após o diagnóstico, o famoso efeito legado.

Leia também: Qual a segurança e eficácia das bombas de insulina open source para controle do diabetes mellitus?

Mensagem prática

Portanto, aguardamos outras possíveis abordagens que possam trazer benefícios do ponto de vista de redução da perda de células beta e também de estudos que avaliem de forma específica o impacto do uso precoce de terapias como bombas “closed loop” no controle glicêmico a longo prazo e consequências do diabetes. 

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Julia Ware, M.D., et al. Randomized Trial of Closed-Loop Control in Very Young Children with Type 1 Diabetes. January 20, 2022. N Engl J Med 2022; 386:209-219. doi: 10.1056/NEJMoa2111673

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