Qual a segurança e eficácia das bombas de insulina open source para controle do diabetes mellitus?

Indivíduos vêm desenvolvendo aplicativos de smartphones capazes de conectar sistemas de CGM a diferentes modelos de bombas de insulina.

Não é segredo que o tratamento do diabetes mellitus vem passando por uma revolução. No DM2, diversas novas medicações vêm surgindo com crescente interesse em aliar o controle glicêmico à proteção cardiovascular e renal. No DM1, no entanto, o caminho construído vem sendo diferente, uma vez que, pela sua distinta fisiopatologia, o objetivo maior seja o controle glicêmico. Desde os estudos DCCT e EDIC (coorte de seguimento a longo prazo dos participantes do DCCT), os benefícios do controle glicêmico intensivo são bem estabelecidos quando pensamos tanto em redução de eventos microvasculares como macrovasculares.

Contudo, uma limitação prática muito importante é a dificuldade no tratamento envolvendo múltiplas aplicações diárias de insulina e monitorização capilar. Ainda, apesar do DM1 ser uma doença, existem subgrupos que se comportam de maneiras diferentes entre si, sendo que especialmente pacientes com histórico recorrente de hipoglicemias, fenômeno do alvorecer (incremento da glicemia de jejum pela maior secreção de contrarreguladores pela madrugada), variabilidade glicêmica importante, necessidade de doses muito baixas de insulina, crianças menores de 5 anos e gestantes com DM1 se beneficiam do uso da bomba de insulina.

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Qual a segurança e eficácia das bombas de insulina open source para controle do diabetes mellitus?

Bombas de insulina open source

Devido à demora na regulamentação de dispositivos, pacientes e indivíduos não pertencentes à indústria farmacêutica vêm desenvolvendo aplicativos de smartphones capazes de conectar sistemas de CGM a diferentes modelos de bombas de insulina, com objetivo de controlar sua velocidade de infusão e seus bolus alimentares de acordo com a glicemia capilar daquele instante. Esses modelos são chamados de “do it yourself”, ou ainda, “open source” — bombas de insulina de código aberto. Existem pouquíssimos estudos avaliando a eficácia e segurança desses métodos, sendo que um sistema chamado OpenAPS foi criado e compartilhado de graça por pacientes com DM1 em 2015.

Dada a importância do assunto, comentamos aqui um ensaio clínico randomizado (RCT), o CREATE trial, publicado em setembro de 2022 no New England Journal of Medicine que comparou uma bomba de insulina open source com uma bomba de insulina comum associada ao uso de um CGM.

Métodos

Para a análise, realizada em 4 centros na Nova Zelândia, foram incluídos no estudo 97 participantes, de 7 a 70 anos (48 crianças e 49 adultos) com diagnóstico de DM1 há mais de um ano e glicada < 10,5%, que tivessem pelo menos seis meses de experiência prévia com o uso de uma bomba de insulina. Durante quatro semanas os participantes foram educados sobre o uso dos dispositivos e após o período, randomizados 1:1 entre grupo “código aberto” e grupo controle (bomba de insulina + CMG convencionais). O período de seguimento foi de 24 semanas e os endpoints foram analisados nas últimas 2 semanas do trial, entre 2020 e 2021.

Todos participantes recebiam um grupo de apoio para tirar dúvidas, mas as visitas médicas aconteceram três vezes no período. Os dispositivos usados no grupo “código aberto” foram a bomba inglesa DANA-i; o método de CGM utilizado foi o DEXCOM G6 (indisponíveis no Brasil), pareados pelo aplicativo AndroidAPS 2.8 (que utiliza o algoritmo do OpenAPS 0.7.0). A interface do usuário era um aplicativo (AnyDANA-Loop), tanto para os bólus das refeições como para o delivery de insulina de acordo com a glicemia. No grupo controle, os participantes podiam manter o uso de sua bomba original e iniciar uso do CGM DEXCOM G6 ou também trocar para a bomba DANAi (sendo que após 90 dias, por não acostumar com a DANA ou por problemas, 52 dos 53 participantes deste grupo terminaram utilizando suas bombas de insulina originais).

Resultados

Ao final do estudo, o desfecho primário analisado foi o tempo no alvo (ou time in range – TIR) de glicemia, entre 70 e 180 mg/dL. Os desfechos secundários avaliados foram as métricas do CGM nas 24 horas, durante o dia (06h às 00h), durante a noite (00h às 06h) e hemoglobina glicada. Ainda, os resultados foram divididos entre crianças e adultos:

CRIANÇAS

  • Tempo no alvo: No grupo código aberto (CA), houve aumento de 57% (+/- 10,6%) para 67,5 (+/- 11,5%) enquanto no grupo controle, caiu de 55% (+/-12,6%) para 52,5% (+/-17,5%) — Diferença média ajustada de 12,6% (5,7 – 19,5; IC 95%);
  • Isso significa uma diferença de aproximadamente 3 horas a mais dentro do alvo para o grupo código aberto;
  • 40% no grupo CA permaneceram mais de 70% do tempo no alvo com menos de 4% de hipoglicemias enquanto no grupo controle apenas 10% tiveram tal resultado;
  • A incidência de hipoglicemias foi menor no grupo CA (2,1 vs 2,7%);
  • Os resultados foram ainda melhores no período noturno: 76,8% de tempo no alvo (+/- 15,8%) comparado a 57,2% (+/- 21,4%) no grupo controle;
  • A hemoglobina glicada ao final foi de 7,0% no grupo CA vs. 7,6% no grupo controle (a inicial era de 7,5% em ambos os grupos).

ADULTOS 

  • Tempo no alvo: No grupo código aberto (CA), houve aumento de 64% (+/- 12,9%) para 74,5 (+/- 11,9%) enquanto no grupo controle, caiu de 60,3% (+/-15,6%) para 56,5% (+/- 14,2%) — Diferença média ajustada de 15,4% (8,6 – 22,1; IC 95%);
  • Isso significa uma diferença de aproximadamente 3h41 a mais dentro do alvo para o grupo código aberto;
  • 64% no grupo CA permaneceram mais de 70% do tempo no alvo com menos de 4% de hipoglicemias enquanto no grupo controle apenas 15% tiveram tal resultado (diferença ajustada: 41,6%; 27 – 57,5; IC 95%);
  • A incidência de hipoglicemias foi discretamente menor no grupo CA (1,6 vs 1,8%);
  • Os resultados também foram melhores no período noturno no grupo CA em adultos: 85,2% de tempo no alvo (+/- 12,7%) comparado a 53,5% (+/- 20,1%) no grupo controle;
  • A hemoglobina glicada ao final foi de 6,8% no grupo CA vs. 7,5% no grupo controle (a inicial era de 7,6% no grupo CA e 7,8% no grupo controle).

Eventos adversos

Não ocorreu nenhuma hipoglicemia grave nem cetoacidose diabética em nenhum dos grupos. Dez eventos relacionados aos dispositivos ocorreram no grupo CA e oito no grupo controle, sendo principalmente eventos de hiperglicemia por problemas na infusão de insulina, portanto sem diferenças significativas entre os grupos.

Considerações

Recentemente, temos visto um avanço significativo nas tecnologias em diabetes e o uso de sensores de glicemia intersticial (CGMs) conectados à bomba de insulina em sistemas de código aberto pode ser uma alternativa mais acessível e mais próxima de um pâncreas artificial para diversos pacientes.

Saiba mais: ADA 2021: tirzepatida – a nova droga potencial para controle glicêmico no diabetes

Mensagem prática sobre bombas de insulina

Este estudo, positivo tanto do ponto de vista de segurança como também de desfechos, é muito animador. Contudo, devemos levar em conta as limitações como o grupo controle com diversas bombas de insulina diferentes, o fato do estudo ter sido feito em apenas uma população e principalmente que os dispositivos analisados ainda não estão disponíveis no Brasil. Esperamos que em breve tenhamos informações de segurança e eficácia da mesma qualidade deste RCT com dispositivos acessíveis para a prática em nosso país.

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Burnside MJ, Lewis DM, Crocket HR, Meier RA, Williman JA, Sanders OJ, Jefferies CA, Faherty AM, Paul RG, Lever CS, Price SKJ, Frewen CM, Jones SD, Gunn TC, Lampey C, Wheeler BJ, de Bock MI. Open-Source Automated Insulin Delivery in Type 1 Diabetes. N Engl J Med. 2022 Sep 8;387(10):869-881. doi: 10.1056/NEJMoa2203913.