Os transtornos funcionais gastrointestinais (TFGI) são caracterizadas por sinais e sintomas crônicos, recorrentes e que não são explicados por uma anormalidade bioquímica e/ou anatômica. Com o objetivo de auxiliar no diagnóstico, utiliza-se os critérios de Roma IV, um sistema de classificação que reúne os sinais e sintomas e que estabelece orientações para o diagnóstico dos TFGI na infância como constipação intestinal funcional, dor abdominal funcional e cólica do lactante.
Apesar do crescente entendimento fisiopatológico dessas condições, o seu tratamento continua sendo um grande desafio. Nesse contexto, a associação potencial entre alterações da microbiota intestinal e TFGI permitiu avaliar possibilidades terapêuticas e preventivas com probióticos.
Durante o XXIV Congresso Latinoamericano de Gastroenterologia, Hepatologia e Nutrição Pediátrica (LASPGHAN) que aconteceu no Rio de Janeiro, entre os dias 25 e 28 de outubro de 2023, a Dra. Flavia Indrio, assistente do serviço de Gastroenterologia Pediátrica no Departamento de Pediatria da Universidade de Bari, na Itália, trouxe as principais evidências sobre o uso de probióticos em TFGI na infância.
A Dra. Flavia mostrou aspectos de como a influência da microbiota intestinal em diversas condições, em especial as relacionadas ao trato gastrointestinal, tem sido foco de intensa pesquisa nas últimas décadas. Além disso, apresentou evidências de potenciais componentes fisiopatológicos relacionados com os transtornos funcionais gastrointestinais (TFGI), como a hipersensibilidade visceral, motilidade intestinal anormal, inflamação da mucosa intestinal, interação entre o cérebro e o intestino, fatores psicológicos e claro, a microbiota intestinal; todos interligados e, de alguma forma, resultando na manifestação clínica dos distúrbios funcionais. Evidências sobre a modulação da função da barreira intestinal através de uma ação direta sobre as células epiteliais e mucosa por meio da microbiota foram apresentadas, o que fomenta o uso dos probióticos para tais fins.
Nos lactentes, a cólica tem sido um dos TFGI mais prevalentes, com grande impacto na qualidade de vida da família, resultando em ansiedade dos pais, faltas ao trabalho, uso recorrente de medicamentos, diversas consultas pediátricas e até hospitalização. A regurgitação do lactente também faz parte dos TFGI, sendo uma condição benigna e sem sinais e sintomas graves, mas com alta demanda e preocupação dos familiares. Nas crianças mais velhas, a dor abdominal funcional assume um papel importante dentro dos TFGI para essa faixa etária.
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Afinal, em quais TFGI estão indicados o uso dos probióticos?
Seguem as orientações baseadas em evidências apresentadas no LASPGHAN sobre o uso de priobióticos nos principais TFGI na infância:
- Cólica do lactente:
- Pode-se recomendar reuteri DSM 17938 (108 UFC/dia por pelo menos 21 dias) para o tratamento de cólicas infantis em bebês amamentados.
- Nenhuma recomendação pode ser feita a favor ou contra o uso de L. reuteri DSM 17938 em bebês alimentados com fórmula devido a evidências insuficientes.
- Regurgitação do lactente:
- Sem recomendação para uso de probióticos para esse fim, por falta de evidências.
- Constipação funcional:
- Até o momento, não há evidências que suportem o uso como terapia única ou adjuvante para o tratamento da constipação funcional em crianças devido à falta de eficácia.
- Dor abdominal funcional:
- L. reuteri DSM 17938 (em uma dose de 108 UFC a 2×108 UFC/dia) pode ser recomendado para redução da intensidade da dor em crianças com dor abdominal funcional.
- Pode-se recomendar o L. rhamnosus GG (LGG) (em uma dose de 109 UFC a 3×109 UFC duas vezes ao dia) para a redução da frequência e intensidade da dor em crianças com dor abdominal funcional, especialmente em crianças com Síndrome do intestino irritável (SII).
As discussões sobre o uso dos probióticos em outras condições gastrointestinais também foram levantadas, como na plenária apresentada por Dr. Ener Cagri Dinleyici, infectologista pediátrico e membro da Associação Mundial de Probióticos, Prebióticos, Pós-bióticos em Pediatria, trazendo as evidências sobre o impacto do uso de antibióticos para a microbiota e as possibilidades de intervenção para minimizar esse agravo. Segundo os dados apresentados pelo palestrante, os probióticos recomendados para prevenção de diarreia associada ao uso de antibióticos em crianças são o L. rhamnosus GG (LGG) e S. boulardii.
Apesar de trazer as recomendações, Dr. Ener faz uma crítica ao uso crescente dos probióticos, por muitas vezes com indicações frágeis e sem evidências científicas e ainda ressalta a importância da indicação racional e do concomitante incentivo a hábitos alimentares saudáveis, prática de atividade física, cuidado com o sono e saúde mental como também adjuvantes para saúde gastrointestinal.
Mensagem final
- Transtornos funcionais gastrointestinais (TFGI) são comuns na infância, sendo uma causa importante de procura ao pediatra geral e gastroenterologista pediátrico;
- É crescente a discussão sobre o uso de probióticos para tratamento e prevenção de TFGI;
- Não há evidências para suportar o uso de probióticos para tratamento e prevenção de regurgitação do lactente e/ou constipação intestinal funcional;
- L. reuteri pode ser recomendado para cólica do lactente e alguns casos de dor abdominal funcional;
- L. rhamnosus GG (LGG) possui evidência para ser utilizado em pacientes com SII;
- L. rhamnosus GG (LGG) ou S. boulardii são recomendados na prevenção da diarreia associada ao uso de antibióticos.