Segundo o último censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2020, mais de 10 milhões de pessoas têm algum problema relacionado à surdez, ou seja, 5% da população. Entre elas, 2,7 milhões não ouvem nada.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a estimativa é de que 900 milhões de indivíduos no mundo todo podem desenvolver surdez até 2050, um número significativo de usuários dos serviços de saúde.
Neste contexto, a Atenção Primária é considerada a porta de entrada para o Sistema Único de Saúde (SUS) e deve levar em consideração os princípios da universalidade, transversalidade, autonomia, acessibilidade, continuidade do cuidado, vínculo, participação social, equidade, integralidade e humanização.
Porém, ainda existem lacunas que interferem na garantia da integralidade de ações propostas pelo SUS. Segundo uma pesquisa realizada por Santos e Portes, 78% dos surdos entrevistados relataram ter dificuldade na comunicação com os profissionais de saúde, levando à descontinuidade dos atendimentos.
Em virtude dessas dificuldades enfrentadas pelos grupos minoritários, o governo federal criou a Política Nacional de Humanização (PNH) em 2013, que apontou a comunicação entre profissionais, usuários e gestores como o “motor” principal para as mudanças necessárias na saúde.
Saiba mais: Qual é a importância do conhecimento de Libras por enfermeiros?
Dificuldades na comunicação
O entrave na comunicação entre surdos e profissionais de saúde pode gerar muitos transtornos, como o não entendimento do problema do paciente, não estabelecimento de relação e confiança por parte do surdo e até mesmo o entendimento de um tratamento de saúde ineficaz.
Mas, como contornar um problema que atinge 5% da população do país, mas que ainda não é tratado como uma prioridade?
Há alguns anos foram criadas leis para garantir esse acesso da população surda à saúde no Brasil. Dentre elas, o decreto nº 5.626 de 22/12/2005, Capítulo VII, Art.25, que dispõe sobre a garantia e direito da pessoa surda em ter acesso a Língua Brasileira de Sinais (Libras) nos serviços de saúde. Para isso, 5% dos profissionais das unidades do serviço público, devem ser capacitados para uso e interpretação da linguagem de sinais.
Infelizmente, essa lei não possui efeito dentro dos hospitais e clínicas particulares do país, como podemos observar pelo relato de Paulo Sugai, um bancário que tem surdez neurossensorial de grau profundo em ambos os ouvidos. Sua mãe contraiu rubéola durante a gravidez.
“Não sou usuário frequente do SUS, mas nas vezes que usei o serviço público de saúde fui bem atendido. No entanto, boa parte das clínicas particulares não oferece uma comunicação acessível. Para agendar consultas, só por telefone, sem e-mail e WhatsApp. Muitas vezes, o próprio profissional de saúde não está preparado para atender um paciente surdo. Quando rompi o ligamento cruzado anterior do joelho, por exemplo, fui na emergência do hospital acompanhado de um amigo. O atendimento foi péssimo, pois as enfermeiras e a médica somente falavam com esse meu amigo, como se eu não estivesse presente ali ou não pudesse compreender a conversa”, disse Paulo Sugai, que também é formado em Direito, em entrevista ao Portal PEBMED.
Na opinião dele, o principal aspecto que precisa ser melhorado nos sistemas de saúde brasileiros é justamente o de oferecer alternativas acessíveis por escrito e/ou pelo menos que os profissionais de saúde possam aprender o básico de Libras.
Pandemia ampliou vulnerabilidades de surdos
Durante a pandemia de Covid-19, essa falta de acessibilidade está sendo percebida em diversos cenários sociais pelas pessoas com deficiência auditiva, oralizadas ou sinalizadoras, que tiveram que lidar com mais um obstáculo: o uso das máscaras de proteção facial, que as impede de fazer a leitura labial para facilitar a compreensão.
Em entrevista à Agência Brasil, no ano passado, a secretária nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, Priscilla Gaspar, disse que a pandemia de Covid-19 elevou e expôs as vulnerabilidades que os surdos enfrentam.
Para a secretária, a principal questão era o acesso às informações de primeira necessidade, nas áreas de saúde e educação. “Como as pessoas acometidas pelo vírus serão recebidas nos hospitais? Como o surdo vai se comunicar com o médico? A maior preocupação para essas pessoas é a falta de informação. A pior barreira para os surdos é a acessibilidade comunicacional. Com isso, a secretaria fez cartilhas acessíveis para pessoas cegas em html e também para pessoas surdas com tradução e interpretação em Língua Brasileira de Sinais”, ressaltou Priscilla Gaspar, a primeira surda a chegar a um cargo de alto escalão no executivo.
Leia também: Nursebook e acessibilidade da pessoa com Surdez
A secretária nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência terminou a entrevista contando que seu maior sonho é que o Brasil seja um país bilíngue, de Língua Portuguesa e de Libras. “Um lugar em que as pessoas sempre possam encontrar alguém que saiba se comunicar comigo. Que o surdo tenha acesso efetivo à educação e que as crianças surdas consigam se desenvolver de maneira bilíngue”.
*Esse artigo foi revisado pela equipe de enfermagem da PEBMED
Referências bibliográficas:
- Enferm Brasil. 2021;20(2);206-21. doi: 10.33233/eb.v20i2.4542
- Santos AS, Portes AJF. Percepções de sujeitos surdos sobre a comunicação na Atenção Básica à Saúde. Rev Latino-Am Enfermagem 2019;27:e3127. doi: 10.1590/1518-8345.2612.3127
- Ministério da Saúde. Política Nacional de Humanização. Humaniza SUS [Internet]. Brasília, 1ª ed. 2013. 16p. [cited 2020 Apr 16]. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nacional_humanizacao_pnh_folheto.pdf
- Pandemia amplia vulnerabilidades de surdos, diz secretária. Agência Brasil. Disponível em:
https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2020-09/pandemia-dia-surdos-priscilla-gaspar