A microbiota afeta a dopamina do seu cérebro?

Na última década, diversos autores mostraram o potencial dos probióticos como ferramenta terapêutica, beneficiando o sistema imunológico e até o SNC.

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Neurotransmissores (NTs) são mensageiros químicos que transferem uma mensagem de um neurônio para o próximo, sendo essenciais para funções neurológicas e controle do comportamento humano. Os neurotransmissores são produzidos não só pelos neurônios, mas também pela flora intestinal. Dessa forma, a microbiota intestinal afeta o sistema nervoso central (SNC), estabelecendo um eixo denominado de microbiota-intestino-cérebro.1

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A importância da sinalização do trato gastrointestinal para o cérebro é destacada pela presença de um número significativamente maior de fibras aferentes, em relação as fibras eferentes, em uma proporção próxima a 9:1.2 O nervo vago é o principal responsável pela comunicação bilateral cérebro-intestino.3 Mas como a microbiota influencia nesse processo? Embora esse nervo esteja em contato com todas as camadas da parede intestinal, as fibras não atravessam a parede do intestino e, portanto, não estão em contato direto com a microbiota intestinal. Os sinais alcançam a microbiota intestinal por meio de 100 a 500 milhões de neurônios no sistema nervoso entérico. As bactérias intestinais utilizam principalmente ácido gama-aminobutírico (GABA), dopamina, norepinefrina, serotonina e histamina para se comunicar com o SNC, mas também compostos intermediários, especialmente ácidos graxos de cadeia curta, triptofano e ácidos biliares secundários. Em resposta, o cérebro envia sinais para as células enterocromafins na parede intestinal por meio das fibras eferentes do nervo vago. A ativação do nervo vago melhora a integridade da parede intestinal, reduz a inflamação periférica e inibe a liberação de citocinas pró-inflamatórias. Os sinais gerados pelo hipotálamo alcançam a hipófise e as glândulas adrenais e se comunicam com as células enterocromafins por meio do eixo hipotálamo-pituitária-adrenal.2

A microbiota afeta a dopamina do seu cérebro

Análises atuais sobre microbiota intestinal e dopamina

Estudos recentes demonstram de maneira irrefutável que modificações na composição da microbiota intestinal afetam várias áreas do cérebro, incluindo o circuito mesocorticolímbico.4 A dopamina é um dos principais NT envolvidos nesse processo. Geralmente, é referida como o neurotransmissor de recompensa, mas também desempenha um papel na modulação do comportamento e cognição, movimento voluntário, motivação, inibição da produção de prolactina, sono, sonhos, humor, atenção, memória de trabalho e aprendizado. A desregulação do sistema dopaminérgico está associada à ansiedade, depressão e ao desequilíbrio da microbiota intestinal.2

Uma das melhores formas de se entender o impacto da microbiota intestinal no SNC é estudar o que acontece na ausência dela. Portanto, camundongos isentos de germes (animais nascidos, criados e mantidos sem micro-organismos), oferecem uma ótima ferramenta para se avaliar a importância da colonização microbiana desde a infância até a vida adulta.4 Nesse sentido, foi demonstrado que os níveis de dopamina, norepinefrina, serotonina e seus respectivos metabólitos têm variações significativas em diferentes regiões do cérebro em camundongos isentos de germes quando comparados a controles criados convencionalmente.3,4 Alguns estudos relatam que camundongos isentos de germes e camundongos livres de patógenos específicos apresentam comportamento de ansiedade quando submetidos a diferentes estresses, sem alteração significativa nos níveis de dopamina no hipocampo.4 Alterações no sistema dopaminérgico também foram encontradas em pacientes com síndrome do intestino irritável (SII), em comparação com uma coorte saudável.1 Outros estudos demonstraram ainda que a microbiota intestinal pode alterar a função do neurotransmissor, como observado em indivíduos com a doença de Parkinson. A levodopa, um precursor natural da dopamina, atravessa a barreira hematoencefálica quando administrada perifericamente e aumenta os níveis de dopamina no cérebro. No entanto, a levodopa metabolizada pela microbiota intestinal reduz sua disponibilidade e a dopamina produzida perifericamente causa efeitos colaterais indesejados.5

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Na última década, diversos autores mostraram o potencial do uso de probióticos como ferramenta terapêutica, beneficiando o sistema imunológico e até o SNC. Em relação aos probióticos que afetam o SNC, foi demonstrado que a administração de Lactobacillus rhamnosus JB-1, Bifidobacterium longum NCC3001 a camundongos e Lactobacillus helveticus R0052 e B. longum R0175 a ratos reduz o comportamento semelhante à ansiedade.4 Além disso, em relação à resposta fisiológica ao estresse, foi demonstrado que a intervenção com probióticos, como Bifidobacterium infantis e Lactobacillus rhamnosus JB-1, afeta o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, reduzindo os níveis de corticosterona.4 Recentemente, um estudo randomizado, controlado por placebo, demonstrou que a suplementação de Lactobacillus rhamnosus HN001, quando administrado em mulheres gestantes durante a gravidez e pós-parto, é capaz de reduzir significativamente os escores de depressão e ansiedade no período pós-parto, em comparação ao placebo.6

Conclusão

De acordo com relatórios do Projeto Microbioma Humano (HMP) e do consórcio METAgenômica do Trato Intestinal Humano (MetaHIT), o intestino humano abriga ao menos 2.766 espécies microbianas, incluindo bactérias, vírus e fungos.7,8 Evidências recentes mostram que a neurotransmissão cerebral é afetada por mudanças na microbiota intestinal. Dessa forma, probióticos surgem com potencial ferramenta terapêutica no tratamento das patologias mentais e transtornos alimentares relacionados aos mecanismos de recompensa. Ensaios clínicos randomizados controlados são aguardados nesse sentido.

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
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