ACEP 2022: Atualização no atendimento da crise convulsiva

A prioridade é a realização de monitorização e suporte de disfunções orgânicas, apesar da abordagem inicial ser semelhante a outros pacientes.

As crises convulsivas são muito comuns no departamento de emergência. O problema é que elas existem em um espectro, desde crises autolimitadas que nunca mais irão recorrer, até pacientes em status epilepticus super-refratário, com elevada morbimortalidade. A chave para o atendimento adequado dessa condição é ser proativo em buscar os fatores precipitantes, ao mesmo tempo em que realizamos uma sequência de medidas para tentar abortar a crise o mais rápido possível. Na palestra do médico Roderick W. Fontenette durante o ACEP 2022, ele trouxe uma atualização sobre a abordagem desta condição. 

O que preciso saber sobre fisiopatologia?

No início de uma crise convulsiva ocorre aumento do estímulo aos receptores NMDA e redução do estímulo aos receptores GABA (figura 1). Com o passar do tempo ocorre também redução da expressão de receptores GABA na membrana celular neuronal, o que reduz ainda mais o tônus GABAérgico. A consequência é que quanto maior a duração de uma crise convulsiva, mais ela fica refratária ao tratamento medicamentoso, com pior prognóstico para o paciente.

Figura 1: Fisiopatologia das crises convulsivas e sua evolução temporal (retirada da referência 1). 

Definições

A ocorrência de Status Epilepticus (SE) ocorre quando a crise possui duração acima de 5 minutos, ou quando é recorrente sem recuperação do nível de consciência entre os episódios. O Status Epilepticus pode ser convulsivo ou não-convulsivo. O SE ainda pode ser chamado de SE refratário (quando não responde a medicações de primeira linha) e SE super-refratário (quando não responde a sedativos endovenosos ou recorre durante o seu desmame), conforme a figura 2. 

Figura 2: Definição de Status Epilepticus (SE) refratário e super-refratário.

Atendimento inicial

A abordagem inicial do paciente é semelhante a outros pacientes graves que chegam ao pronto socorro. A prioridade é a realização de monitorização e suporte de disfunções orgânicas, conforme o mnemônico MOVEDI (leia o esse texto aqui no portal para detalhes dessa adaptação do mnemônico MOVE). A seguir, se o paciente estiver em crise, iniciamos benzodiazepínicos (ex: diazepam EV ou midazolam IM), conforme as doses na figura 3. Não parece haver diferença da eficácia entre o uso de diazepam EV ou Midazolam IM 4,5

Ao mesmo tempo em que tratamos os episódios convulsivos, devemos realizar uma avaliação aprofundada buscando sua etiologia, principalmente no paciente com a primeira crise convulsiva da vida. A discussão da investigação inicial nesse cenário é extensa, de forma que não iremos nos aprofundar neste tópico. Resumidamente, ela inclui a coleta de uma história médica completa acerca do episódio, buscando precipitantes, medicações ou drogas ilícitas em uso ou interrompidas recentemente. O exame físico é fundamental, buscando sinais de infecção sistêmica ou de sistema nervoso central (ex: meningite), ou hemorragia intracraniana.

Solicitação de laboratório

Solicitamos também exames hemograma, função renal e hepática, sódio, potássio, cálcio, magnésio, urina tipo 1, beta-HCG (se mulher em idade fértil), e screening toxicológico (se suspeita de intoxicação). A realização de ECG não pode ser esquecida, pois episódios de síncope cardiogênica podem se manifestar com crises convulsivas por baixo débito. Um exame de neuroimagem também é fundamental após o primeiro episódio de convulsão, idealmente ressonância magnética por maior sensibilidade para algumas patologias (ex: infecção ou tumor de SNC). No entanto, na sua indisponibilidade, realizamos uma TC sem contraste, com contraste, e angiotomografia arterial cervical/intracraniana, com fase venosa intracraniana. A realização de punção lombar depende da suspeita de meningite. Na minha prática, eu tenho baixo limiar para realizar esse exame no contexto da primeira crise convulsiva.

Nos pacientes que mantêm crise convulsiva apesar da medicação inicial, recorremos às medicações de segunda linha para controle das crises. A maioria desses pacientes já se enquadra na definição de Status Epilepticus nesse momento. Um trabalho recente demonstrou ausência de diferença com uso de fosfenitoína, valproato ou levetiracetam nesse cenário, de forma que qualquer uma dessas medicações pode ser usada (no Brasil utilizamos fenitoína ao invés da fosfenitoína). 

Quando o quadro persiste mesmo após as medicações de 2a linha, é necessário realizar intubação orotraqueal (IOT), instalação de eletroencefalograma contínuo (EEG) e início de sedativos endovenosos. Esse paciente possui formalmente Status Epilepticus refratário e deve ser manejado em UTI especializada no manejo desta condição. A realização de EEG contínuo (ou intermitente por períodos de pelo menos de 24 horas) é fundamental para guiar a terapia a partir desse momento e o paciente deve ser transferido, se o hospital onde se encontra não dispor desse recurso (figura 3). A discussão do alvo terapêutico na análise do EEG (surto supressão ou apenas supressão das crises) foge do escopo deste texto, mas mantemos os sedativos EV (ex: Propofol ou Midazolam) por 24 horas até 48 horas após controle das crises, antes de tentar o desmame das medicações. 

Figura 3: Fluxograma de tratamento inicial da crise convulsiva, SE, e SE refratário (adaptado pelo autor a partir da referência 2).

Alguns pacientes apresentam crise refratária ao uso de sedativos EV, observada na análise do EEG contínuo, ou recidiva da crise durante a tentativa de desmame das drogas. Esses pacientes possuem Status Epilepticus super-refratário, uma condição de elevada morbimortalidade. Em função de sua menor prevalência, essa condição é difícil de ser estudada de forma específica em ensaios clínicos. Nesse cenário, mantemos todas as medicações iniciadas previamente e associamos outros agentes (figura 4), ainda que não exista forte evidência científica para sua utilização. A cetamina é um bloqueador de receptor NMDA comumente associado aos sedativos (propofol e/ou midazolam) nessa situação. Para entender os agentes usados no SE super-refratário é importante saber que boa parte desses pacientes tem NORSE (New-Onset Refractory Status Epilepticus), cujas principais causas são encefalite auto-imune (ex: encefalite anti-NMDA) ou encefalite paraneoplásica. O problema é que a confirmação desse diagnóstico pode demorar semanas, de forma que, se houver essa suspeita, recomenda-se iniciar de forma empírica corticosteróides em alta dose, associados a imunoglobulina ou plasmaférese.

Figura 4: Opções terapêuticas no tratamento do SE super-refratário (adaptado pelo autor a partir da referência 2). 

Conclusão

O conhecimento da abordagem inicial do paciente com crise convulsiva é fundamental devido a sua alta prevalência em pronto-socorro e unidades de terapia intensiva. Precisamos tratar agressivamente as crises convulsivas, para prevenir que ela se torne refratária. Ao mesmo tempo, é necessário investigar a causa das crises, pois algumas possuem tratamento específico (ex: antibióticos na meningite bacteriana).

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
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