ACP 2023: Abordagem da obesidade para o clínico

A palestra do ACP 2023 abordou aspectos diferentes e igualmente importantes no tratamento para a perda de peso na obesidade.

No segundo dia do congresso do American College of Physicians (ACP 2023), um dos temas de destaque foi a abordagem da obesidade. A obesidade vem crescendo em prevalência e incidência sendo que o sobrepeso já chega a atingir metade da população norte americana. Com o intuito de se trazer uma revisão bem estruturada sobre o assunto, esta palestra, moderada pela Dra Elizabeth Selden, foi dividida entre três participantes que abordaram aspectos diferentes e igualmente importantes no tratamento para a perda de peso. 

paciente em cima de uma balança com fita métrica na frente para medir IMC de obesidade

Parte 1: Mudanças no estilo de vida

As mudanças no estilo de vida foram abordadas pela dra Richele Corrado.

1) Dieta

Quando falamos em dieta não queremos dizer algo que tem data para iniciar e data para acabar, ou mesmo que esse termo sugira uma mudança para um padrão alimentar de outro mundo. Dieta é simplesmente o que consumimos ao longo de 24h.  

O primeiro dado relevante trazido foi sobre a composição ideal da dieta. Um estudo publicado no JAMA em 2014 (referência 1) comparou formas diferentes de composição dietética (mais ou menos carboidratos, mais ou menos proteínas ou gorduras), sempre mantendo um déficit calórico de – 750 kcal/d e não houve diferenças entre os grupos na perda de peso. Outros estudos fizeram comparações parecidas e mesmo comparando dietas como ATKINS, DASH, o que sempre se vê é que o que importa de fato é conseguir manter a restrição calórica e aderência: quem tem sucesso são aqueles que conseguem manter o padrão a longo prazo, independentemente de qual ele for. Logo, a melhor dieta é aquela que o paciente melhor se adapta, desde que com restrição da quantidade de calorias diárias.  

A única questão é que de fato reduzir ultraprocessados pode contribuir, uma vez que pessoas que consomem mais ultraprocessados tendem a consumir mais calorias do que as que não consomem 

Sobre o timing: Comer a maioria das calorias durante o dia talvez 

Na prática, algumas recomendações: 

  • Déficit de calorias de  – 500-750 kcal/d
  • Criar padrões sustentáveis a longo prazo
  • Foco na qualidade dos alimentos e limitar consumos fora de casa uma vez na semana 

Dicas de preparo de refeições:

  • Preparar e levar o almoço e lanches para o trabalho
  • > 30 g/fibras por dia 
  • Proteínas reduzem fome 
  • Aumentar ingesta de água 
  • Adoçantes são OK 

2) Sono 

O sono é um dos fatores que pode pesar na balança. Literalmente. Estudos observacionais (um recente, publicado no JAMA em 2022 – referência 2), mostrou que aumentar o sono em cerca de uma a duas horas reduziu o consumo calórico em cerca de 270 kcal/d, o que pode impactar em uma perda de cerca de 12 quilos em três anos!  

A grande questão aqui é que a privação de sono aumenta a grelina e portanto o estímulo orexigênico e também realça a busca por alimentos altamente palatáveis. Portanto, a ideia é evitar grandes períodos de privação de sono ou privações crônicas. 

3) Atividade física

Como já é muito sabido (mas não custa mencionar), atividade física é essencial para melhora da saúde de forma geral, redução de risco cardiovascular, composição corporal, porém ela por si só não tem grandes consequências no peso. A importância recai na combinação com uma alimentação restrita em calorias com atividade física resistida objetivando manutenção de massa muscular e sobretudo durante a fase de manutenção da perda de peso, onde de fato 225-300 minutos por semana de atividade física se associa com maiores taxas de sucesso na manutenção. 

Parte 2: Medicações

Na segunda parte da palestra, o Dr. Daniel Bessesen (Endocrinologia, University of Colorado). Para falar sobre as medicações, o Dr Bessesen dividiu em três tópicos: que medicações evitar? medicações menos novas e talvez mais acessíveis financeiramente 

a) Evitar medicações que podem se associar a ganho de peso 

É sempre importante pensarmos em medicações que podem estar causando ganho de peso e que podem ser substituídas por outras com um perfil metabólico mais favorável/neutro do ponto de vista de ganho de peso. Algumas medicações para atentarmos:

  • Anticonvulsivantes: Carbamazepina, valproato, fenitoína
  • Antipsicóticos: Clozapina, risperidona, olanzapina, quetiapina, haloperidol
  • Antidepressivos: Amitriptilina, imipramina, nortriptilina, mirtazapina
  • Antidiabéticos: Insulina, sulfonilureias, glitazonas, glinidas 

 b) Medicações mais “acessíveis” antiobesidade

As respostas às medicações são muito variáveis entre indivíduos e é impossível prevermos o sucesso. A média de perda de peso que essas medicações podem trazer é de cerca de 5 a 15% em três a seis meses, sempre acompanhadas por mudanças de estilo de vida uma vez que elas facilitam o processo de restrição calórica, mas não mudam o peso do indivíduo por si só. 

Também é importante lembrar duas questões: primeiro, o custo. Infelizmente esse aspecto é um problema global, já que nos EUA as companhias de seguro não cobrem as medicações antiobesidade e no Brasil não dispomos de qualquer opção no SUS. Portanto, discutir o custo do tratamento passa a ser um ponto importante. O segundo é que as medicações desempenham exatamente como no tratamento de qualquer outra doença crônica, como diabetes ou HAS: elas funcionam enquanto estivermos em uso. Logo, devemos considerar o tratamento medicamentoso a longo prazo e o paciente deve estar disposto a essa abordagem.  

E mais importante, lembrar das indicações: IMC > 30 kg/m² ou > 27 + comorbidades. 

Opções: 

  • Fentermina – não disponível e não utilizada no Brasil
  • Orlistate (120 mg 3x/d) – opção mais segura, porém de baixa efetividade
  • Fentermina + topiramato – No Brasil não dispomos, porém temos o topiramato que apresenta uma eficácia razoável e comparável à sibutramina em termos de perda de peso de forma isolada. Portanto, é uma boa opção (mais acessível) quando utilizada de forma isolada em nosso país. Devemos atentar no entanto a efeitos colaterais como parestesias, sonolência, dificuldade para raciocínio e não utilizar na vigência de litíase renal ou glaucoma de ângulo agudo.
  • Bupropiona /Naltrexona 360/32 mg/d –  liberação prolongada – Essa medicação chegará em breve no Brasil. É uma opção intermediária do ponto de vista de perda de peso e efeitos colaterais, onde os mais comuns são: redução do limiar convulsivo, aumento de pressão arterial e frequência cardíaca, aumento de ideação suicida. É comum causar náuseas, constipação, cefaleia e diarreia.

É curioso que essa medicação pode fazer cerca de 30% dos pacientes perderem até 15% do peso corporal, porém parte dos pacientes em uso por outro lado não perderam peso. 

c) Medicações “novas” (porém mais onerosas) 

As terapias injetáveis com agonistas de GLP-1 vem revolucionando o tratamento da obesidade ao longo da última década. A primeira das medicações utilizadas e estudada foi a Liraglutida, na dose até 3,0 mg/d, seguida pela Semaglutida e atualmente pela Tirzepatida (ainda não liberada com esse fim). 

  • Liraglutida 3,0 mg/d – Estudos em pacientes com DM
  • Semaglutida 2,4 mg/d – Os estudos STEP mostraram uma perda média de diferença para o placebo de – 12,5% no peso, cerca de 15% do peso, algo revolucionário para um tratamento medicamentoso anti obesidade. A grande questão aqui é custo, mesmo nos EUA.
  • Tirzepatida 5, 10 ou 15 mg: o agonista dual GIP e GLP-1 já está aprovado nos EUA para tratamento de diabetes mas ainda não para obesidade. O estudo SURMOUNT-1 foi apresentado no congresso da ADA ano passado e demonstrou o maior potencial já visto para perda de peso, com média de perda de peso -20%! (confira o artigo sobre a tirzepatida aqui no Portal PEBMED!) 

Cada vez mais é importante trazer o tratamento da obesidade ao clínico, uma vez considerando-se a prevalência dessa condição e a morbimortalidade associada, além dos benefícios que se estendem ao controle de diversas condições crônicas como diabetes, dislipidemia, hipertensão, asma, etc. Portanto, entender como funciona o tratamento e conhecer algumas opções medicamentosas é mister também ao clínico. Ou seja, nas palavras do Dr Daniel: “envolva o paciente na decisão clínica”. 

Parte 3: Cirurgia bariátrica 

Fatima Stanford (Harvard University) trouxe um panorama geral sobre a cirurgia bariátrica e a sua importância atual. 

Em primeiro lugar: quem devemos encaminhar para cirurgia? 

*No Brasil, ainda não houve alterações na recomendação. Portanto, ainda indicamos cirurgia bariátrica sobretudo em: 

  • IMC > 40 kg/m²
  • IMC > 35 kg/m² + comorbidades associadas ou agravadas pela obesidade 

No entanto, a Dra Stanford trouxe dados publicados no último ano atualizando a recomendação das sociedades norte americanas (American Society for Metabolic and Bariatric Surgery (ASMBS) e International Federation for the Surgery of Obesity and Metabolic Disorders (IFSO) para cirurgia bariátrica, onde foi alterada a indicação de cirurgia para um IMC > 35 independentemente da presença de comorbidades, considerar a possibilidade de cirurgia metabólica em pacientes com IMC de 30 a 35 kg/m² com diabetes e que para asiáticos, o cutoff poderia ser reduzido até para 27,5! 

As técnicas mais comumente utilizadas no momento são o Sleeve (gastrectomia vertical) e o Bypass (Y de roux). Dessa forma, é importante como clínicos também nos atentarmos ao cuidado dos pacientes já submetidos a cirurgia e as complicações mais comuns: 

Bypass 

  • Fístulas de anastomose (em geral precoces), TEP, hérnias internas  
  • Estenose da anastomose gastrojejunal 
  • Deficiências nutricionais 
  • Dumping (precoce ou tardia) 
  • Reganho de peso pós cirurgia: fístula gastro-gástrica 

Sleeve

  • Hemorragias agudas 
  • Fístula de alta pressão 
  • Estenose da anastomose 
  • Deficiências nutricionais 
  • DRGE 

É fundamental lembrar que todos os pacientes submetidos a cirurgia bariátrica precisam de reposição de nutrientes para evitar complicações crônicas. O mínimo que os pacientes necessitam: 

  • Complexos vitamínicos específicos para pacientes pós bariátrica (polivitamínicos para pós bariátrica) 
  • Vit D (mínimo 3.000u/dia), objetivo de manutenção de vitamina D > 30 
  • Citrato de cálcio 1000-1500 mg/d 
  • Ferro conforme necessidade (manter ferritina e hematócrito normais) 
  • B12 de acordo com necessidade. 

Por fim, é fundamental estruturarmos o tratamento da obesidade num passo a passo e o cuidado do paciente deve sempre iniciar na atenção primária, aos cuidados do clínico responsável por aquele paciente.

Confira aqui a cobertura completa do ACP 2023!

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
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