ACR 2020: lúpus eritematoso sistêmico e síndrome antifosfolípide

Traremos alguns trabalhos apresentados no ACR 2020, iniciando com textos sobre lúpus eritematoso sistêmico e síndrome antifosfolípide.

O congresso americano de reumatologia (ACR Convergence 2020) aconteceu de maneira online, nos dias 05 a 09 de novembro de 2020. Nessa série de textos para o Portal PEBMED, vou trazer alguns trabalhos que merecem destaque pela sua qualidade e importância clínica.

Os textos serão distribuídos conforme doenças afins, iniciando pelo lúpus eritematoso sistêmico (LES) e síndrome antifosfolípide (SAF).

Leia também: Como identificar e abordar o lúpus eritematoso neonatal?

Médicos verificam as novidades sobre lúpus eritematoso sistêmico e síndrome antifosfolípide, no ACR 2020

Lúpus eritematoso sistêmico

Os principais trabalhos apresentados sobre o LES foram a respeito das diferentes medicações que estão sendo testadas para o tratamento da doença. Dentre elas, podemos destacar o anifrolumabe, o iberdomide, o obinutuzumabe e o BIIB059. Além disso, foram apresentados novamente os resultados do BLISS-LN e alguns dados sobre a voclosporina.

Anifrolumabe

É uma medicação que inibe a via do interferon do tipo I, através da ligação à subunidade 1 dos seus receptores. Foi apresentado um estudo que avaliou a resposta cutânea (medida através do CLASI) em pacientes em uso de anifrolumabe vs. placebo, utilizando dados combinados dos ensaios clínicos randomizados TULIP (Treatment of Uncontrolled Lupus via the Interferon Pathway)-1 e 2. O desfecho primário foi uma resposta CLASI-A ≥ 50% na semana 12. O uso de anifrolumabe 300 mg se associou com melhores desfechos cutâneos (p < 0,001), com um NNT de aproximadamente 5 para o desfecho escolhido. Os pesquisadores também identificaram uma maior rapidez para se atingir uma resposta CLASI-A, independente da doença cutânea de base.

Iberdomide

Trata-se de uma medicação que age sobre a via de dois fatores de transcrição, conhecidos como Ikaros (IKZF1) e Aiolos (IKZF3), que estão relacionados ao desenvolvimento e homeostase de células imunes. O iberdomide promove a ubiquitinação e a degração protessômica desses fatores de transcrição. No estudo de fase 2 apresentado, diferentes doses de iberdomide (0,15, 0,3 e 0,45 mg) foram comparadas ao placebo. O desfecho primário analisado foi a resposta SRI-4 na semana 24. Foram excluídos pacientes em uso de ciclofosfamida, melfalana e biológicos (o que talvez possa sugerir um perfil mais grave de pacientes, especialmente para ciclofosfamida), assim como pacientes com doença neuropsiquiátrica grave e doença renal significativa (TFG estimada < 45 mL/min/1,73 m² ou proteinúria > 2.000 mg/dia). Os autores encontraram que o iberdomide na dose de 0,45 mg/dia foi mais eficaz que o placebo em atingir a resposta SRI-4, com um NNT também próximo de 5. Na análise de subgrupo, foi encontrado que a resposta foi maior naqueles com alta assinatura Aiolos e alta assinatura interferon. Com relação aos desfechos de segurança, houve uma incidência > 5% de eventos infecciosos no grupo do iberdomide. Vamos ficar atentos para os estudos de fase 3 que serão conduzidos.

Obinutuzumabe

É um anti-CD20 do tipo 2, com uma potência maior que o rituximabe para depletar células B. Em estudos head-to-head, foi superior ao rituximabe no tratamento de malignidades de células B. Foram apresentados os resultados de 2 anos do estudo de fase 2 NOBILITY, que comparou o uso de obinutuzumabe 1.000 mg vs. placebo no tratamento da nefrite lúpica proliferativa. Todos pacientes utilizaram micofenolato mofetil, pulso de metilprednisolona 1-3 g e desmame de prednisona. Os principais critérios de exclusão foram glomerulonefrite rapidamente progressiva, TFG estimada < 30 mL/min/1,73 m² e/ou > 50% de glomérulos com esclerose. Para resposta renal completa, não houve diferença entre os grupos na semana 52. Porém, nas semanas 76 e 104, os pesquisadores detectaram uma diferença estatisticamente significativa (p = 0,011 e p = 0,026), com uma variação próxima de 20% entre grupos, favorecendo o obinutuzumabe. Quando avaliada a resposta renal geral (parcial ou completa), o obinutuzumabe foi superior ao placebo desde a semana 52. Dentre os desfechos secundários, o obinutuzumabe foi superior ao placebo na melhora de parâmetros laboratoriais (positividade para anti-dsDNA, consumo de complemento, relação proteína/creatinina urinária e TFG). O estudo de fase 3 REGENCY já está sendo conduzido para definir melhor o papel do obinutuzumabe no tratamento da nefrite lúpica proliferativa.

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BIIB059

É um anticorpo monoclonal contra o BDCA2 de células dendríticas plasmocitoides. O estudo de fase 2 LILAC avaliou o uso do BIIB059 no tratamento do lúpus eritematoso cutâneo, em suas diferentes apresentações (agudo, subagudo e discoide). As diferentes doses usadas no grupo tratamento foram 50, 150 e 450 mg subcutâneo (vs. placebo). Foram randomizados 132 pacientes nos 4 grupos. A resposta CLASI-50 foi maior com BIIB059 450 mg do que no grupo placebo, na semana 16 (diferença entre grupos de 47,9%, p < 0,001). O percentual de pacientes que apresentaram uma redução de 7 pontos ou mais no CLASI-A foi maior no grupo BIIB059 vs. placebo na semana 16. O percentual de infecções foi um pouco maior no grupo do BIIB059 (34,3 vs. 30,3%); um paciente apresentou meningite por herpes zoster vírus.

Por fim, foi apresentado um trabalho sobre a retirada de micofenolato mofetil (MMF) em pacientes com LES renal e não-renal em remissão. Esse ensaio clínico randomizado fase 2 incluiu 120 pacientes, que foram divididos em dois grupos: um de desmame e retirada de MMF por 12 semanas e outro de manutenção do MMF (1-3 g/dia). O desfecho primário avaliado foi uma reativação clinicamente significativa do LES (flare no SELENA-SLEDAI e aumento da terapia imunossupressora — prednisona ≥ 15 mg/dia por ≥ 4 semanas ou < 15 mg/dia por < 4 semanas por 2 vezes ou mais, reinício ou adição de MMF ou outras medicações imunossupressoras maiores) em 60 semanas. Foram incluídos pacientes com LES quiescente (SLEDAI < 4) em uso contínuo de MMF por, pelo menos, 2 anos por indicação renal ou 1 ano por indicação não-renal. Os pacientes deveriam estar em uso de hidroxicloroquina por, no mínimo, 12 semanas e com prednisona estável ≤10 mg/dia por mais de 10 semanas. Foram excluídos pacientes em uso de outros imunossupressores ou flare do LES até 24 semanas antes do screening. No final do estudo, não houve diferença em termos de reativação entre os grupos (diferença 0,07, IC95% -0,068-0,214). Os autores identificaram poucos flares graves, com tempo semelhante até a reativação.

Síndrome antifosfolípide

Na SAF, destaco alguns trabalhos que foram apresentados:

Novos critérios classificatórios

A fase 3 do desenvolvimento dos novos critérios classificatórios para SAF foi apresentada. Foram escolhidos 314 casos potenciais de SAF, que foram apresentados para especialistas na doença e votados de acordo com a escala de Likert. Dois grupos foram criados a partir das respostas: altamente provável vs. duvidoso/improvável. As seguintes características predominaram no grupo altamente provável de SAF: positividade persistente para anticoagulante lúpico, anticardiolipina IgM e IgG e anti-ß2 glicoproteína I IgM e IgG, trombose venosa e arterial, doença microvascular, perda fetal entre 16 e 34 semanas, pré-eclâmpsia grave, valvopatia e plaquetopenia. Nas próximas fases, os critérios candidatos passarão por uma análise e novos critérios preliminares serão apresentados.

Análise de clusters

Um estudo identificou 4 grupos de SAF com características específicas, a partir da análises de 509 pacientes. O primeiro cluster foi o “venoso”, que se caracterizou por mulheres jovens, com trombose venosa, partos prematuros e ausência de doença autoimune; o segundo, chamado de “arterial”, incluiu pacientes mais velhos, com menor predominância do sexo feminino, eventos arteriais, valvopatia, cefaleia, livedo e fatores de risco cardiovascular; o terceiro, chamado de “doenças autoimunes”, caracterizou-se por predomínio de mulheres jovens, presença de LES ou outra doença autoimune, trombose venosa, eventos obstétricos, plaquetopenia, anemia hemolítica e predomínio de anticoagulante lúpico; e, por fim, “SAF catastrófica”, com acometimento microvascular, incluindo nefropatia, hipertensão renovascular, crises convulsivas, acometimento obstétrico, valvopatia e tripla positividade.

Nefropatatia associada a anticorpos antifosfolípides (aPL)

Foi realizada uma pesquisa com membros da Renal Pathology Society a respeito de quais seriam os parâmetros mais importantes para o diagnóstico histopatológico da nefropatia associada aos aPL. Dos 780 patologistas convidados, 111 responderam o questionário em questão. Houve uma alta concordância entre os patologistas no diagnóstico da nefropatia aguda: lesões trombóticas microangiopáticas envolvendo os glomérulos, arteríolas ou artérias. Já na nefropatia crônica, as lesões mais sugestivas foram: microtrombos arteriais ou arteriolares com ou sem recanalização, trombo glomerular organizado e oclusões arteriais/arteriolares fibrosas ou fibrocelulares; atrofia cortical focal, tireoidização tubular e hiperplasia fibrosa íntima foram menos relevantes nesse estudo. Um outro ponto que merece destaque é o fato de que os patologistas se sentem mais confiantes em dar esse diagnóstico diante de duas situações: conhecimento sobre a positividade para aPL ou presença de LES.

Novos critérios classificatórios ACR/EULAR 2019 na SAF primária

Esse trabalho foi conduzido e apresentado pelo nosso grupo. Nele, aplicamos os novos critérios classificatórios para LES, desenvolvidos em 2019 pelo consórcio entre ACR e EULAR, na nossa coorte de SAF primária. Esses novos critérios foram comparados com os critérios SLICC 2012 e ACR 1997, com objetivo de identificar qual deles teria uma melhor performance em pacientes com SAF primária. Encontramos que a taxa de classificação inadequada foi muito menor com os critérios ACR/EULAR 2019 do que com o SLICC 2012 (6,1% vs. 36,1%, p < 0,001). O principal grupo de critérios que contribuiu com a classificação inadequada foram os hematológicos, especialmente a leucopenia.

Referências bibliográficas:

  • American College of Rheumatology. Abstract Supplement ACR Convergence 2020. Arthritis Rheumatol. 2020. doi:10.1002/art.41538.

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