ADA 2023: O papel da metformina na gestação – quais as evidências mais atuais?

Apesar de atravessar a placenta, em diversos estudos investigando a metformina na gestação, não houve aumento do risco de malformações.

No congresso da American Diabetes Association (ADA 2023), cheio de publicações importantes, uma das chamadas áreas de interesse é o diabetes na gestação. Um tema polêmico e que (quase) todo ano sai um novo estudo sobre é o uso da metformina na gestação, tanto no DM2 como no diabetes mellitus gestacional (DMG). À luz das evidências mais atuais, qual deveria ser a nossa posição: utilizar mais amplamente a metformina na gestação ou não? 

Como trata-se de um tema ainda sem resposta definitiva, a ADA organizou um debate com argumentos a favor e contra o uso da metformina na gestação. Para isso, a Dra, Denise Feig (University of Toronto) e a Dra. Ashley Battarbee levaram argumentos, muitas vezes até mesmo baseados nos mesmos estudos, para tentar convencer o público presente na sessão. Ao longo do texto, tentaremos reproduzir os dois lados para que você também possa refletir sobre as recomendações atuais. 

Saiba mais: ADA 2023 – Retatrutida no tratamento da obesidade

Pontos Positivos: o que embasa o uso da metformina na gestação? 

Para iniciar a conversa, a Dra. Jami Josefson (Northwestern University), mediadora, começou questionando a plateia se a metformina deveria ser utilizada ou não na gestação. A pergunta dividiu um pouco o público, mas 72% das pessoas foram favoráveis ao uso da metformina na gestação. E a missão da Dra. Denise Feig (University of Toronto) foi justamente discutir as vantagens em se utilizar a metformina. 

Gestantes com DM2 tem maior resistência insulínica 

O primeiro ponto apontado por ela é que gestantes com DM2, comparado com DM1, iniciam a gestação com maior necessidade de insulina devido à maior resistência insulínica, que piora ao longo da gestação, chegando a uma dose média de 150 unidades por dia ou 1,6 U/kg/d. Tamanha necessidade leva a maior ganho de peso, aplicações mais dolorosas, pior qualidade de vida, alto custo e por fim, menor aderência ao tratamento.

A metformina teria como vantagens o fato de ser efetiva em reduzir a glicemia, baixo risco de hipoglicemias, bem tolerada, baixo custo, baixo potencial de ganho de peso e já foi demonstrado sua grande capacidade em se reduzir doses de insulina, tanto em não gestantes como em gestantes. 

MTF é segura e pode ter benefícios na gestação 

Apesar de atravessar a placenta, em diversos estudos investigando a metformina na gestação, não houve aumento do risco de malformações. 

Quanto aos efeitos benéficos, metanálises de RCTs mostram menor ganho de peso materno e menor risco de pré-eclâmpsia ou de hipertensão gestacional. Em outra metanálise publicada este ano na revista Acta Dialetológica, que incluiu 24 RCTs sobre DMG, a metformina reduziu o peso ao nascer em -122g, reduziu macrossomia, admissão na UTI neonatal, hipoglicemia neonatal e não viu aumento do risco de fetos PIG, uma preocupação que mais tarde foi apontada pela Dra. Battarby. 

A Dra. Feig então passou para a discussão do Mity trial, que avaliou a metformina em associação à insulina para pacientes com DM2. O Mity trial, publicado no Lancet, foi um grande RCT, placebo controlado, que avaliou a MTF 1g duas vezes por dia. Os resultados mostraram não haver diferença em desfechos adversos neonatais e encontrou alguns benefícios maternos e neonatais: 

  • Reduziu o ganho de peso materno;
  • Reduziu a dose total diária de insulina em média em 45U (105 vs 155U/d);
  • Menor indice de cesáreas (53 vs 63%);
  • Reduziu peso neonatal em 283g;
  • Redução em recém-nascidos GIG extremos (> P97) e macrossomia (RR 0,65; 0,43 – 0,99); 
  • Redução numérica de recém-nascidos GIG (22% vs 29%, RR 0,74, 0,54 – 1,02). 

Porém, também encontrou maior taxa de bebês PIG (6,6%vs 12,9%). De acordo com a Dra. Feig, em análises post hoc para entender melhor os determinantes para recém-nascidos (RN) PIG, publicadas na Diabetes Care em 2022, foi visto que a incidência de fetos PIG foi maior em gestantes com doença hipertensiva ou lesão renal. Quando ajustado para essas duas variáveis, essa diferença não persistiu (mas convenhamos que é uma análise post hoc e não podemos concluir nada, apenas levantar novas hipóteses).

Ainda, a Dra. Feig cita dados do estudo MOMPOD (ainda não publicado), onde 794 gestantes foram randomizadas para placebo ou metformina + insulina (mesmo desenho do Mity), onde houve redução de fetos GIG (OR 0,66) e não houve diferença quanto a fetos PIG. 

Veja ainda: ADA 2023 – SURMOUNT 2 – Tirzepatida no controle da obesidade no diabetes

Metformina não acarreta riscos a longo prazo 

Outro temor que a Dra. Feig tentou desmistificar é de que o uso da metformina acarreta maior risco de obesidade no filho de mãe que a utilizou durante a gestação. Ela ressalta que o estudo PregMet, que evidenciou maior IMC nas crianças foi realizado em pacientes com síndrome dos ovários policísticos (SOP) e, portanto, já era de se esperar que isso fosse acontecer. 

Já no MiG TOFU, que seguiu os filhos de mães com DMG expostas à metformina após 7-9 anos comparadas àquelas que só utilizaram insulina, um dado interessante. As investigações foram conduzidas em dois centros (Adelaide, na Austrália, e Auckland, na Nova Zelândia) e no centro australiano, onde havia homogeneidade entre os grupos durante o recrutamento, não houve diferenças na taxa de adiposidade das crianças.

Já no centro de Auckland, onde as mulheres submetidas ao uso de insulina tinham um IMC numericamente superior, apesar de não estatisticamente (35,4 vs 32,0, p = 0,08), aos nove anos houve uma tendência à maior adiposidade nos filhos de mães que utilizaram a metformina. 

Portanto, na visão da Dra. Feig, tal achado pode facilmente ter sofrido a influência do IMC materno e não de fato ter sido decorrente do uso da metformina. E para concluir, ela mostra dados do seguimento de dois anos do Mity Kids, que seguiu as crianças das mães do estudo Mity, onde não houve até então impacto em maior adiposidade infantil.  

Portanto, ela conclui que devemos sim utilizar a metformina na gestação. 

Mesmos estudos, outra visão: os benefícios justificam os riscos? 

Já para a Dra. Ashley Battarbe (University of Alabama), três simples pontos justificam não utilizar a metformina: 

  • Apesar do descrito pela Dra. Feig, a metformina pode causar mal; 
  • Metformina tem benefícios limitados; 
  • Existe uma alternativa segura: insulina.

Para explicar seus pontos, a Dra. Battarbe iniciou citando novamente o estudo Mity, onde a metformina aumentou o risco de fetos pequenos (PIG). Ela ressaltou os números: 13% no grupo metformina e 7% no grupo placebo (RR 1,96; IC 95%; 1,1 – 3,64). Citando novamente o Mity Kids, ela ressaltou que analisando subgrupos, o subgrupo masculino teve de fato um IMC maior entre 6 e 24 meses pós-parto, além de maior glicemia de jejum (85 vs 74 mgdl, p< 0,01), mesmo que dentro do padrão de normalidade.

Ainda, citando o Mig Tofu, ela focou nos valores dos endpoints primários do estudo, que avaliou os centros australiano e neozelandês em conjunto (e que de fato foi como o estudo foi desenhado), mostrando que aos nove anos, os filhos de mãe que utilizaram insulina tinham peso maior, ainda que com um p marginalmente significativo (37 kg vs 32.7 kg; p = 0,049), sem diferença no IMC, mas também com maior circunferência abdominal. 

Ela ainda citou o fato de que não apenas aplicar insulina incomoda como também a metformina pode ter efeitos indesejáveis, como intolerância gastrointestinal (sobretudo na gestação). No estudo MiTy, o compliance foi de 77%. 

Por fim, ela concluiu mostrando que os resultados mostrados pela Dra. Feig fazem parte de análise de subgrupo do Mity e do MOMPOD, porém em ambos os estudos, o desfecho primário composto não foi alcançado (no Mity era perda gestacional, prematuridade, hipoglicemia, necessidade de UTI mais que 24h, tocotrauma, ARDS, enquanto o MOMPOD avaliou perda perinatal, hipoglicemias, distócia de ombro grave ou tocotrauma, hiperbilirrubinemia, GIG ou PIG). 

E, ainda, a metformina sozinha teria um papel muito restrito. Em um RCT open label de 2015 que comparou insulina vs metformina para o tratamento de gestantes com DM2, apenas 15% se mantiveram com uso de metformina sem necessidade de insulina, ou seja, 85% acabaram precisando da terapia combinada. Com isso, ela concluiu que a metformina não deve ser utilizada na gestação. 

Recomendações atuais

Segundo o posicionamento atual da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), no momento o uso da metformina na gestação para DM2 ou DMG é mais restrita, podendo ser considerado sobretudo nos casos em que há história de DM2 prévio ou DMG de difícil controle, com marcada resistência insulínica e dose total de insulina diária maior que 2,0 U/kg/d, desde que o feto esteja acima do percentil 50 de peso (pelo risco de restrição de crescimento). 

Leia também: ADA 2023 – Insulina semanal icodeca é superior à glargina?

Conclusão

Frente a essa discussão, vemos que o cerne da questão é a ponderação do benefício vs risco e a forma de interpretar evidências. Até o momento, o uso da metformina infelizmente não se mostrou ser clinicamente tão relevante em desfechos primários dos estudos e é difícil concluir com segurança algo baseado em análises secundárias. Contudo, em situações em que o controle do diabetes é muito difícil pela marcada resistência insulínica, ela pode sim ser uma ferramenta útil em adição à insulina. 

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo

Selecione o motivo:
Errado
Incompleto
Desatualizado
Confuso
Outros

Sucesso!

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo.

Você avaliou esse artigo

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Baixe o Whitebook Tenha o melhor suporte
na sua tomada de decisão.