ADA 2023: Retatrutida no tratamento da obesidade

A retatrutida conseguiu atingir resultados formidáveis, equiparáveis e provavelmente melhores até mesmo que a tirzepatida.

No quarto e último dia do congresso da American Diabetes Association (ADA 2023), a palestra de maior destaque foi a apresentação de um estudo de fase 2 sobre a Retatrutida, um novo triplo agonista GIP, GLP-1 e glucagon, com objetivo de avaliação de eficácia e segurança na obesidade. Foi realizado também um subestudo para avaliar especificamente os desfechos da nova droga na doença hepática gordurosa não alcóolica (NAFLD), comorbidade que acomete em torno de 70% dos pacientes com DM e que é extremamente relevante pelo risco de NASH, fibrose hepática, cirrose e maior risco cardiovascular. Devido a relevância dos resultados obtidos, o estudo mesmo sendo de fase 2 foi publicado no New England Journal of Medicine durante a sua apresentação no congresso. 

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Retatrutida e obesidade

Hábito comum herdado da cardiologia, esse trial não ganhou um nome específico por se tratar de um estudo de fase 2 (mas não se engane – os estudos de fase 3 já foram batizados de TRIUMPH). O estudo foi um ensaio clínico randomizado, de fase 2, duplo cego, placebo controlado, com duração inicial de 24 semanas para a avaliação do endpoint primário, prorrogado até 48 semanas para a avaliação dos endpoints secundários. 

Os critérios de inclusão foram idade maior que 18 anos, IMC maior que 27 kg/m2 com uma comorbidade adicional ou maior que 30 kg/m2. Curiosamente, a randomização foi feita de forma a controlar o percentual de homens e mulheres em 50%, diferentemente dos demais estudos de obesidade que classicamente acabam selecionando uma proporção maior de mulheres. Isso é importante pois, como veremos, mulheres tiveram uma melhor resposta ao tratamento (ainda que, sem spoilers, em ambos os sexos a resposta foi brilhante). 

Para esta análise foram excluídos pacientes com diabetes, que foram especificamente estudados no estudo também de fase 2 “retratutida T2D”, também apresentado na ADA 2023 e que você poderá conferir em breve no portal. 

O objetivo primário do estudo foi avaliar o percentual de perda de peso na semana 24 e os objetivos secundários foram avaliar o percentual de perda de peso na semana 48, bem como a proporção de pacientes que atingiram perdas de 5, 10,15 e 20%, 25% e de forma exploratória, 30% (isso mesmo). 

Resultados

O IMC médio inicial foi de 37 kg/m2 e o peso médio inicial, 107 kg. Apenas 14% dos participantes tinha sobrepeso e 36% tinha pré DM. 

A média de idade do estudo foi de 48 anos, com 51% de homens. Ao final, foram randomizados 338 participantes entre placebo e retatrutida nas doses de 1, 4 e 8 mg (houve uma divisão entre os grupos 4 e 8 mg quanto à forma de escalonamento das doses, que foi mais importante na análise dos eventos adversos). 81,4% dos participantes completaram o estudo, sendo 71,4% no grupo placebo e 84% nos grupos retatrutida, curiosamente. 

100% DOS PARTICIPANTES PERDERAM MAIS QUE 5% DO PESO E QUASE METADE PERDEU MAIS QUE 25% 

A retatrutida conseguiu atingir resultados formidáveis e nunca vistos antes, equiparáveis e provavelmente melhores até mesmo que a tirzepatida, que já havia causado um alvoroço no ADA de 2022 (inclusive este estudo foi tão aclamado pelo público quanto o SURMOUNT-1, apresentado ano passado). 

Quanto ao desfecho primário (perda de peso média após 24 semanas), o grupo retatrutida 12 mg (maior dose) apresentou perda de -17,5% comparado a -1,6% no grupo placebo. Vale destacar que 24 semanas é um período considerado curto para avaliar um desfecho de obesidade e isso foi perceptível pela própria curva de perda de peso, que se mantinha com clara tendência de perda após 24 semanas. 

Após 48 semanas, na análise de desfechos secundários, os resultados foram (perda média de peso após 48 semanas): 

  • Placebo: -2,1% 
  • Retatrutida 1 mg: – 8,7% 
  • Retatrutida 4 mg: -16,3% 
  • Retatrutida 8 mg: -21,7% (e -23,9% nos que iniciaram direto na dose de 4 mg) 
  • Retatrutida 12 mg: -24,2% (diferença estimada: -22,1%; -21,8 a -26,6) 

Quanto à comparação entre o grupo placebo e a retatrutida nas doses de 8 e 12 mg, respectivamente, no quesito proporção de pacientes que perderam percentuais crescentes de peso: 

> 5%: 27%  vs 100% vs 100% 
> 10%: 9%  vs 91% vs 93% 
> 20%: 1%  vs 70% vs 63% 
> 25%: 0%  vs 43% vs 48% 
> 30%: 0%  vs 17% vs 26% 

Destaca-se que quase metade dos pacientes na dose de 12 mg perderam mais que um quarto do peso corporal e que um quarto dos pacientes perderam mais que 30% do peso, resultados equiparáveis à cirurgia bariátrica. Outros dois pontos interessantes são: 

  1. Pacientes com IMC > 35 tendem a perder mais peso 

Não podemos concluir devido ao poder estatístico mas é interessante observar que quando estratificados de acordo com o IMC de base, participantes com IMC maior que 35 foram os mais beneficiados, com perda média de peso de -26,5%, comparado a -22,1% daqueles com IMC < 35. 

  1. Mulheres parecem responder melhor 

Outro ponto destacado pelos autores na apresentação do estudo é que mulheres apresentaram uma perda de peso ainda maior que homens (-28,5% vs -21,9%). Isso nos leva a pensar se o resultado final do estudo não sofreu uma certa “atenuação” quando comparado a outros em obesidade onde a população feminina chega a representar 70% do estudo, ou seja, se o desenho fosse livre e houvesse um recrutamento de mais mulheres como nos demais, o percentual final de perda de peso poderia ser ainda mais impactante do que já foi. 

Vale lembrar que, mesmo após 48 semanas, o slope da curva de perda de peso ainda indicava que os participantes estavam em fase ativa de perda de peso. Será muito interessante observar em que momento os pacientes atingirão o platô no estudo de fase 3, que tem duração programada de 80 semanas. 

Com relação aos fatores de risco cardiovasculares, a retatrutida também teve um impacto muito significativo no perfil lipídico. Na dose de 12 mg, houve redução nos triglicérides em 40% e 20% no LDLc. Nenhuma medicação antiobesidade havia atingido tais resultados antes. Houve, ainda, redução em cerca de 12 mmhg na pressão arterial sistólica. 

Segurança

Como esperado, os efeitos colaterais mais frequentes foram gastrointestinais. De 14,5 a 45% tiveram náuseas versus 11,4% do grupo placebo; Entre 2,9 e 26% apresentaram vômitos vs. 1,4% do grupo placebo. Os grupos com titulação mais lenta da dose (iniciando com 2 mg) apresentaram menores índices de efeitos colaterais. 

Curiosamente, assim como no estudo OASIS-1 (da semaglutida oral), foi descrito por 12% dos pacientes na dose de 12 mg alterações de sensibilidade cutânea como parestesias, também leves, menos frequentes conforme doses menores e que não levaram a descontinuação da medicação. Não houve diferença na incidência de eventos adversos graves entre os grupos, como episódios de pancreatite ou câncer. 

Leia também: ADA 2023: Atualizações no guideline sobre diabetes, o Standards of Care

Perspectivas

Apesar de um congresso agitadíssimo (3 publicações concomitantes no NEJM, 2 no JAMA, 6 no Lancet, fora os demais estudos e debates fundamentais), é difícil não se maravilhar com a perspectiva que a retatrutida traz no campo do tratamento da obesidade e diabetes. Os resultados são tão impactantes que, caso confirmados sua eficácia e segurança nos estudos de fase 3, mudam completamente o paradigma do tratamento dessas condições. Inclusive o debate sobre o futuro já começou: um dos autores do estudo abordou durante a discussão não só como tornar essas drogas acessíveis, mas passíveis de manutenção a longo prazo. Se isso for factível, poderemos ver uma verdadeira revolução nesse campo, não só com a retatrutida, mas com as diversas opções que vem surgindo e que foram apresentadas, como a semaglutida oral, o orforgripron, tirzepatida, CagriSema, etc. 

Não deixe de conferir os resultados do estudo retatrutida T2D que também cobrimos no congresso da ADA e que em breve estará disponível no portal. Esse estudo também avaliou a retatrutida e seu desempenho em pacientes com DM, com objetivo de controle glicêmico e perda de peso. O estudo foi publicado em concomitância ao congresso no jornal The Lancet. 

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