Anticoagulação em idosos com demência ou fragilidade: maior risco de sangramento?

Estudo avaliou se há malefício na anticoagulação de pacientes na presença de fragilidade ou alteração cognitiva.

A fibrilação atrial (FA) é a arritmia mais comum nos idosos e um dos principais fatores de risco para acidente vascular cerebral (AVC), que pode ser prevenido com uso de anticoagulantes. O maior desafio nessa população é pesar risco e benefício da medicação, pois um sangramento pode ter consequências catastróficas.

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O risco de AVC é calculado a partir do escore CHA2DS2-VASc, que quando maior ou igual a 2 já mostra benefício do uso de anticoagulantes. Já o cálculo do risco de sangramento é mais limitado, pois os escores, como o HASBLED, não tem performance tão boa e as variáveis utilizadas são semelhantes às do CHA2DS2-VASc.

Pacientes idosos com FA com frequência apresentam alterações cognitivas e fragilidade e alguns estudos mostraram associação com aumento do risco de sangramento. Baseado nisso, foi feito um estudo que avaliou se há malefício em anticoagular pacientes na presença de fragilidade ou alteração cognitiva.

Anticoagulação em idosos com demência ou fragilidade maior risco de sangramento

Métodos do estudo

Os critérios de inclusão eram idade maior que 65 anos, FA documentada em eletrocardiograma, holter ou documento hospitalar e CHA2DS2-VASc ≥ 2. O seguimento foi de 2 anos e o desfecho primário foi composto de sangramento maior ou morte. Desfechos secundários incluíram morte, sangramento maior, sangramento clinicamente relevante e o composto de morte, sangramento maior e AVC.

Fragilidade foi avaliada pela escala de fragilidade de Fried, com pontuação de 0 a 5, sendo 1 ou 2 pré-fragilidade e 3 ou mais fragilidade. As alterações cognitivas foram avaliadas pelo teste de avaliação cognitiva de Montreal (MoCA), com valores menores refletindo pior cognição e escore menor que 23 sendo o corte para prejuízo cognitivo.

Os pacientes foram separados em 2 grupos: com e sem anticoagulação. Os grupos foram comparados em relação a características de base e foram feitos cálculos para excluir possíveis confundidores.

Resultados da anticoagulação nessa população

Foram incluídos 1.244 pacientes, com idade média de 75,5 anos e 49% do sexo feminino. O CHA2DS2-VASc médio foi 4,4 e o HAS-BLED 3,2. Do total, 1.064 (86%) pacientes usavam anticoagulantes, sendo 56% antagonistas da vitamina K e o restante anticoagulantes orais diretos.

Comparando-se os grupos, os pacientes que usavam anticoagulantes eram mais velhos, com menor nível de instrução, maior prevalência de comorbidades, CHA2DS2-VASc maior, com menor probabilidade de ter FA paroxística e menor probabilidade de usar dupla antiagregação plaquetária. Não havia diferença no HAS-BLED ou histórico de sangramento. O escore MoCA médio foi 23,6 e a média da escala de Fried 1,2.

No seguimento de 2 anos houve 108 (8,7%) mortes, 105 (8,4%) sangramentos maiores e 319 (25,6%) sangramentos clinicamente relevantes. O desfecho primário ocorreu em 191 (15,4%) pacientes e AVC em 19 (1,5%).

No início do seguimento, 42,4% tinham prejuízo cognitivo e a anticoagulação foi associada a maior risco de desfecho de sangramento ou morte nestes pacientes (p = 0,03). Esta associação não foi encontrada nos pacientes sem prejuízo cognitivo (p = 0,80). Também houve associação de sangramento clinicamente relevante e sangramento clinicamente relevante ou morte nos pacientes com prejuízo cognitivo que usavam anticoagulação, mas não nos sem prejuízo cognitivo (p = 0,03).

Do total, 13,8% dos pacientes tinham critérios de fragilidade e não houve diferença nos desfechos de pacientes com ou sem fragilidade.

O número necessário para tratar (NNT) para prevenção de AVC variou de 30,9 a 42,4. Para os pacientes com prejuízo cognitivo o número necessário para causar dano (NNH) para o desfecho primário foi 8,4 e para os sem prejuízo cognitivo foi de 103.

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Comentários

Quase metade (42%) dos pacientes idosos com FA tinha prejuízo cognitivo e a anticoagulação levou a maior risco de sangramento maior ou morte comparado a pacientes sem prejuízo cognitivo. O risco de sangramento foi maior que o benefício de prevenção de AVC.

Já os pacientes com fragilidade eram apenas 14% e não houve associação deste diagnóstico com aumento de desfechos. Esse resultado deve ser interpretado com cautela, pois pela baixa prevalência de fragilidade, o poder estatístico fica reduzido.

Conclusão sobre função cognitiva e anticoagulação

Esse estudo apresenta algumas limitações e seus resultados devem ser interpretados mais como gerador de hipóteses, devendo ser confirmados em ensaios clínicos controlados e randomizados, com enfoque em idosos com prejuízo cognitivo, no intuito de se definir melhor o risco e benefício da anticoagulação nesta população.

Ainda, a avaliação da função cognitiva não é recomendada atualmente pelas diretrizes de tratamento de FA, pois há dúvidas em como pode influenciar no manejo clínico do paciente. Porém, pode ser que ajude a definir o tratamento de forma mais individualizada.

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Wang W, et al. Differential effect of anticoagulation according to cognitive function and frailty in older patients with atrial fibrillation. J Am Geriatr Soc. 2023 Feb;71(2):394-403. DOI: 10.1111/jgs.18079.

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