Atualização sobre crises convulsivas neonatais

As crises convulsivas neonatais, geralmente, são transitórias e não demandam uso de anticonvulsivante a longo prazo.

Em maio de 2023, Yozawitz publicou uma revisão sobre crises convulsivas neonatais na New England Journal of Medicine. Neste artigo, destacamos as principais contribuições dessa revisão. 

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Definições 

As crises convulsivas neonatais são as crises convulsivas que ocorrem dentro de 28 dias de idade em recém-nascidos (RN) a termo (AT) ou até 44 semanas de idade gestacional em RN prematuros (PMT). Já a epilepsia é definida como duas ou mais convulsões não provocadas. 

Epidemiologia 

A incidência de crises convulsivas é de 1,1 a 2,29 casos para 1.000 nascimentos em RN AT e 14,28 casos para 1.000 nascimentos em RN PMT. 

Causas 

A maioria das crises convulsivas neonatais são transitórias e consideradas “provocadas” por distúrbios metabólicos agudos, infecções ou lesões cerebrais focais agudas. Nos RN AT, as causas mais comuns são: (1ª) encefalopatia hipóxico-isquêmica, (2ª) acidente vascular encefálico e (3ª) infecção. Já nos prematuros, a principal causa é a hemorragia intraventricular. Geralmente, não demandam uso de anticonvulsivante a longo prazo. 

As síndromes de epilepsia neonatal são incomuns, geralmente têm causas genéticas e requerem tratamento a longo prazo. 

Quadro clínico  

A maioria das crises convulsivas neonatais começam focais e depois generalizam. Pode ser difícil reconhecer os movimentos convulsivos em bebês por serem complexos, sutis ou irregulares. A Liga Internacional contra Epilepsia (ILAE) reforça a necessidade do eletroencefalograma (EEG) para identificar e guiar o tratamento das crises convulsivas neonatais. 

O grupo de colaboração Brighton propôs uma classificação do nível de certeza diagnóstica de crise convulsiva conforme apresentação clínica e disponibilidade de EEG para realização do tratamento: 

  • Nível 1: crise convulsiva confirmada ocorre quando há crise convulsiva suspeita com confirmação por EEG contínuo -> conduta: tratar; 
  • Nível 2: crise convulsiva provável ocorre quando há crise convulsiva suspeita com confirmação por EEG ou manifestada como crise clônica focal ou tônica -> conduta: tratar; 
  • Nível 3: crise convulsiva possível ocorre quando há crise convulsiva que não seja crise focal clônica ou tônica -> considere tratar; 
  • Nível 4: crise convulsiva suspeita ocorre quando há evidência insuficiente para ser crise convulsiva -> não tratar; 
  • Nível 5: não é crise convulsiva ocorre quando há movimento que não configura crise convulsiva pelo EEG -> não tratar. 

Uma revisão sistemática de Nunes e colaboradores de 2019 sugeriu que alguns tipos de crises convulsivas podem estar associados a causas específicas como: 

  • As clônicas focais geralmente são secundárias a infarto cerebral, requerem neuroimagem para confirmação diagnóstica; 
  • As tônicas decorrem de encefalopatia hipóxico-isquêmica, distúrbios metabólicos, canalopatias, distúrbios vasculares ou malformações corticais; 
  • As mioclônicas (contrações súbitas, breves e irregulares dos membros) são geradas por distúrbios metabólicos (ex. hipoglicemia ou hiponatremia), distúrbios de aminoácidos ou outros erros inatos do metabolismo; 
  • As sequenciais, definidas pela ocorrência de mais de um tipo de crise durante um episódio, assim como os espasmos epilépticos (flexão súbita, extensão ou flexão mista com extensão dos músculos proximais e tronculares) decorrem de distúrbios genéticos; 
  • As autonômicas, nas quais ocorrem alterações nos padrões cardiovascular, vasomotor ou respiratório, resultam de encefalopatia hipóxico-isquêmica ou hemorragia intracraniana.  

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O que fazer diante de crise convulsiva neonatal? 

Diante de neonato com crise convulsiva, devemos fornecer suporte avançado de vida, observar o tipo de crise e seguir os seguintes passos: 

1º) Checar glicemia, dosar eletrólitos (principalmente a natremia) e hemograma, e solicitar EEG. 

2º) Se hipoglicemia, fazer 2mL/kg de soro glicosado a 10% via endovenosa (EV) em bolus. Se EEG com resultado anormal, tratar crise convulsiva (usando fenobarbital como anticonvulsivante de 1ª linha na dose de ataque de 20mg/kg via EV, se necessário reatacar com 10-20mg/kg/dose e fazer dose de manutenção de 5mg/kg/dia via EV ou oral de 24/24 horas) e causa subjacente se possível. Rever história gestacional, do nascimento, neonatal e familiar. 

3º) Se não tiver encontrado alterações nos primeiros passos, complementar investigação com: 

  • gasometria arterial,  
  • para infecção (complementar com dosagem de proteína C-reativa (PCR) e culturas), 
  • punção lombar (com dosagem de glicorraquia, celularidade, proteinorraquia, cultura do liquor e PCR para vírus herpes simplex – HSV – 1 e 2),  
  • rastreio de alterações genéticas rápido se disponível,  
  • ultrassonografia transfontanela,  
  • monitorar EEG e eletrocardiograma (ECG).

Tratar se houver alguma alteração se possível.   

4º) Se as crises convulsivas forem resistentes ao tratamento de 1ª linha: 

  • Monitorar o EEG continuamente até ficar livre de convulsões por 24 horas; 
  • Fazer ressonância magnética de crânio (se houver suspeita de acidente vascular encefálico) quando possível; 
  • Avaliar teste terapêutico com piridoxina via EV (dose de ataque de 100 mg de piridoxina, seguidos de 30 mg/kg/dia via EV oral de 12/12 horas com dose máxima de 200mg/dia por 3 a 5 dias com monitoramento da resposta no EEG, atenção ao risco de apneia durante infusão EV), piridoxal-5-fosfato, ácido folínico e biotina; 
  • Realizar triagem metabólica adicional no soro, urina e liquor (LCR), incluindo aminoácidos séricos, ácidos orgânicos na urina e amônia, e estudos adicionais no LCR, incluindo glicina e glicose; 
  • Triagem para infecções congênitas (sífilis, toxoplasmose, rubéola, citomegalovírus, HIV, HSV, parvovírus e Zika); 
  • Realizar painéis de genes de epilepsia, cromossomos microarray, teste de gene direcionado e sequenciamento de exoma completo se não houver explicação estrutural para as crises convulsivas como isquemia, hemorragia ou infecção, ou se o paciente tiver espasmos epilépticos, crises convulsivas tônicas ou crises convulsivas reentrantes; 
  • Avaliação oftalmológica; 
  • Avaliação patológica da placenta. 

Outras medidas a serem adotadas: 

  • Hipotermia terapêutica por 72 horas em RN AT a termo e quase a termo com encefalopatia hipóxico-isquêmica moderada a grave; 
  • A ILAE recomenda fenitoína, levetiracetam, midazolam ou lidocaína como anticonvulsivantes de segunda linha. 

Síndromes epilépticas neonatais

São divididas em dois grupos: síndromes de epilepsia autolimitada e encefalopatias do desenvolvimento e epilépticas.  

As síndromes de epilepsia neonatal autolimitadas decorrem de variantes patogênicas, familiares ou novas, principalmente em KCNQ2 e, menos comumente, em KCNQ3 ou SCN2A.  Geralmente começa entre 2 e 7 dias de vida, remite após 6 meses de idade, e existe história familiar de convulsões. As crises convulsivas são focais tônicas no início de um episódio, mas pode incluir crises focais clônicas, tônicas ou sequenciais. Bloqueadores dos canais de sódio são usados ​​no tratamento quando há perda de função de KCNQ2 e variantes de KCNQ3. 

As encefalopatias do desenvolvimento e epilépticas são convulsões intratáveis ​​associadas a comprometimento ou regressão do desenvolvimento, geralmente por causa genética, estrutural ou metabólica. Englobam: 

  1. Infantil precoce, que tem convulsões refratárias a vários anticonvulsivantes no 1º trimestre de vida com comprometimento grave do desenvolvimento, exame neurológico anormal e EEG com surto-supressão ou descargas epileptiformes multifocais com lentidão difusa. Em 80% dos casos, encontra-se causa estrutural, genética ou metabólica, com tratamento direcionado para causa subjacente; 
  2. Associada ao KCNQ2, que começa nos primeiros dias de vida, é caracterizada por crises convulsivas tônicas focais junto com encefalopatia, mas pode ter crises convulsivas clônicas focais e mioclônicas; 
  3. Dependente de piridoxina e associada à deficiência de piridoxal fosfato, que podem evoluir com estado de mal convulsivo com movimentos mioclônicos focais ou multifocais de face, membros e tronco, também pode ter espasmos infantis; 
  4. Associada a CDKL5, que se manifesta nas primeiras semanas de vida com crises convulsivas sequenciais com hipercinesia e espasmos infantis tônicos refratários a anticonvulsivantes. 

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 Conclusão 

Na suspeita de crise convulsiva neonatal, é fundamental avaliar a história clínica, como a crise se manifesta, fornecer suporte avançado de vida, idealmente ter avaliação eletroencefalográfica, fazer a abordagem inicial e tratamento da crise convulsiva, e definir a causa subjacente. A avaliação da neuropediatria é de grande valia na condução e acompanhamento do caso. 

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
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  • Zuberi SM, Wirrell E, Yozawitz E, Wilmshurst JM, Specchio N, Riney K, Pressler R, Auvin S, Samia P, Hirsch E, Galicchio S, Triki C, Snead OC, Wiebe S, Cross JH, Tinuper P, Scheffer IE, Perucca E, Moshé SL, Nabbout R. ILAE classification and definition of epilepsy syndromes with onset in neonates and infants: Position statement by the ILAE Task Force on Nosology and Definitions. Epilepsia. 2022 Jun;63(6):1349-1397. DOI: 10.1111/epi.17239. Epub 2022 May 3. PMID: 35503712.  

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