Autonomia de vontade: a criança pode decidir sobre o seu tratamento?

Com o diálogo cada vez mais avançado sobre autonomia de vontade, um tópico causa muitas dúvidas: a criança pode decidir sobre seu próprio tratamento?

Tão antiga quanto o fogo, a discussão sobre a autonomia do sujeito sempre esteve nos maiores cenários de discussões éticas da humanidade. O assunto tornou-se mais óbvio e trivial com as implicações do pós-guerra, no sentido de que hoje soa como inadmissível a ideia de não se ter autonomia de decisão sobre as próprias condições de saúde.

Com o diálogo cada vez mais avançado, gerando campos para discussões mais profundas como diretivas antecipadas, por exemplo, direito à recusa terapêutica, entre outros, um tópico de discussão ressurge causando muitas dúvidas: a criança pode decidir sobre seu próprio tratamento?

Habitualmente, não estamos acostumados à ideia de permitir autonomia para crianças. Do ponto de vista jurídico no Brasil, inclusive, menores de 14 anos são considerados vulneráveis incapazes de decidir sob si próprios. A Sociedade Americana de Pediatria decidiu refletir sobre o tema no último mês e as recomendações são bastante interessantes para a prática tanto do generalista quanto do especialista em pediatria.

Autonomia da criança

O entendimento geral na última década seria de que opções de escolha ou solicitação de assentimento não deveria ser ofertado à criança se o tratamento fosse inevitável. Contudo, as reflexões posteriores consideram que a solicitação do assentimento, ainda que o tratamento seja inevitável, é uma questão moral e ética no cuidado do paciente pediátrico se ele é capaz de refletir e verbalizar suas preferências.

O assunto é delicado, mas repercussões são muito significativas no dia a dia. Solicitar o assentimento não garante um direito à recusa, se não houver outra opção de cuidado, mas torna o processo de comunicação clínica com o paciente pediátrico mais eficiente. A criança tem o direito de se opor ao tratamento, mas ainda sim o profissional está indicado a proceder se não houver outra opção para garantir a saúde e o bem estar do menor, contudo informar “sinto muito, mas tenho de fazê-lo” torna-se um imperativo ético nesse cenário.

De modo prático, imagine que sob seus cuidados está um paciente de sete anos em tratamento de uma infecção bacteriana cuja única opção terapêutica viável é um antibiótico endovenoso e seu paciente possui medo de agulhas, e portanto se recusa ao tratamento. A solicitação do assentimento “Sinto muito, mas precisamos do medicamento para que você possa ficar bem” demonstra respeito a´integridade e autonomia da criança.

De mesmo modo, orientações anteriores ao procedimento, por exemplo, “Você vai sentir uma picadinha de agulha durante a anestesia, tudo bem?” propicia uma maior compreensão da criança sobre o evento a ser realizado, de modo a não constrangê-la, evitar uma experiência traumática de cuidado e aumentar o engajamento com o próprio tratamento.

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O que isso muda na prática cotidiana?

Solicitar o assentimento da criança, ainda que seja contra a vontade dela o tratamento, demonstra respeito no cuidado. Para além disso, garante estreitamento de vínculos e reforça as necessidades do tratamento.

Esse princípio pode ser aplicado tanto na prática clínica, quanto nos cenários de pesquisa. Dessa forma intervenções na faixa etária pediátrica são aprovadas pelos Comitês de Ética em Pesquisa muitas das vezes apenas se contém termo de consentimento livre e esclarecido a serem preenchidos pelos responsáveis legais, mas também o termo de assentimento preenchido pela criança.

Dessa forma, quando a intervenção não se mostra a única alternativa para o cuidado, o assentimento com recusa retira o sujeito do seguimento de pesquisa, por exemplo.

Referência bibliográfica:

  • Pediatric Assent and Treating Children Over Objection Jason Adam Wasserman, Mark Christopher Navin, Christian John Vercler Pediatrics Oct 2019, e20190382; DOI: 10.1542/peds.2019-0382

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