Avacopan para vasculites associadas ao ANCA: melhor que glicocorticoides?

O avacopan seria capaz de substituir um esquema de prednisona em desmame, em pacientes com AAV que estão fazendo imunossupressão?

As vasculites associadas ao ANCA (AAV) são um grupo heterogêneo de vasculites de pequeno calibre. O tratamento das formas graves envolve o uso de corticoterapia em associação com ciclofosfamida ou rituximabe. Apesar de importantes nos esquemas de imunossupressão atualmente disponíveis, os glicocorticoides possuem diversos eventos adversos e seu uso a longo prazo pode ser deletério para os pacientes.

O avacopan, uma medicação que bloqueia o receptor da C5a (uma molécula produzida através da ativação da via alternativa do complemento), reduz a ativação e migração de neutrófilos, células que possuem papel fundamental na patogênese das AAV. Em estudos utilizando modelos animais, o avacopan foi capaz de inibir o desenvolvimento de glomerulonefrite após a infusão de anticorpos contra a mieloperoxidase (MPO). Os resultados dos estudos de fase 2 também foram animadores, o que justificou a realização deste estudo de fase 3 (ADVOCATE trial).

O objetivo do estudo em questão é avaliar se o avacopan seria capaz de substituir um esquema de prednisona em desmame, em pacientes com AAV que estão fazendo imunossupressão conforme as recomendações atuais.

Avacopan para vasculites associadas ao ANCA: melhor que glicocorticoides?

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Métodos

Trata-se de um ensaio clínico randomizado, duplo-cego, controlado. Todos os pacientes receberam o diagnóstico de AAV e estavam em uso de ciclofosfamida ou rituximabe. O grupo de intervenção recebeu o avacopan 30 mg 12/12 horas + placebo, enquanto que o grupo controle recebeu prednisona 60 mg/dia, com programa de desmame ao longo de 20 semanas, seguida de descontinuação na semana 21 + placebo.

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Para serem incluídos, os pacientes deveriam ter o diagnóstico recente ou recorrente de granulomatose com poliangiíte (GPA) ou poliangiíte microscópica (MPA), com indicação de tratamento com ciclofosfamida ou rituximabe. Além disso, os pacientes deveriam ter uma taxa de filtração glomerular pelo menos 15 mL/min/1,73 m2 de superfície corporal e apresentar um BVAS com pelo menos um item maior, pelo menos três menores ou pelo menos dois renais (hematúria e proteinúria). Dentre os critérios de exclusão, estavam o uso de 3 g de corticoide EV nas últimas 4 semanas ou mais de 10 mg/dia de prednisona oral por 6 semanas ou mais.

Os desfechos primários analisados foram remissão clínica na semana 26 (definida como BVAS de 0 e ausência de corticoide por, pelo menos, 4 semanas antes da semana 26) e remissão sustentada (definida como remissão da semana 26 à semana 52, sem necessidade de corticoide por, pelo menos, 4 semanas antes da semana 52). Diferentes desfechos secundários foram analisados.

Resultados do estudo com avacopan 

Dos 386 pacientes que foram avaliados, 331 foram randomizados, sendo 166 para o grupo avacopan e 165 para o grupo prednisona.

A idade média dos pacientes foi de 61 anos em ambos os grupos, com aproximadamente 55-60% de homens. Com relação aos anticorpos, 43% dos pacientes eram positivos para anti-PR3 e 57% positivos para anti-MPO. Cerca de 81% dos pacientes apresentavam vasculite renal.

O desfecho primário de remissão na semana 26 ocorreu em 72,3% dos pacientes do grupo do avacopan e em 70,1% do grupo da prednisona (IC 95% -6,0 a 12,8 para diferença entre grupos). Dessa forma, o avacopan atingiu os pressupostos de não inferioridade (p < 0,001), mas não o de superioridade (p = 0,24).

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Já com relação ao segundo desfecho primário, o grupo que recebeu avacopan apresentou maior chance de apresentar remissão sustentada na semana 52 (65,7% vs. 54,9%, IC 95% de 2,6-22,3 para diferença entre grupos, p < 0,001 para não-inferioridade e p = 0,007 para superioridade).

A proporção de pacientes com eventos adversos graves não relacionados à vasculite em atividade foi numericamente menor no grupo do avacopan, porém sem diferença clínica importante (37,3 vs. 39,0%). Foram descritas 2 mortes no grupo do avacopan (piora da vasculite e pneumonia) e 4 no grupo da prednisona (infecção fúngica generalizada, derrame pleural parapneumônico, infarto agudo do miocárdio e causa desconhecida). Infecções graves aconteceram em 13,3% do grupo avacopan e 15,2% do grupo prednisona. A taxa de elevações importantes de transaminases foi maior no grupo do avacopan (9 vs. 6 pacientes); ocorreu resolução após suspensão do avacopan e de outras drogas com potencial hepatotóxico, como o sulfametoxazol-trimetoprim. Um paciente no grupo avacopan apresentou angioedema com a medicação, que foi resolvida após sua suspensão; esse paciente tinha histórico de reações alérgicas graves.

Comentários

Esse estudo demonstrou a eficácia do avacopan (um inibidor do receptor da C5a) em atingir remissão na semana 26 (não inferior ao corticoide) e em manter o paciente em remissão sustentada na semana 52 (superior ao corticoide). Provavelmente essa medicação ainda está longe de estar comercialmente disponível no Brasil, mas é importante estarmos atentos para a possibilidade de uma nova era no tratamento das AAV, na qual o uso de corticoide poderá ser opcional (ou pelo menos utilizado em doses muito menores, levando a uma menor dose cumulativa final). No entanto, são necessários vários novos estudos até que cheguemos nesse ponto.

Dentre as limitações, podemos destacar que os pacientes no grupo avacopan também fizeram uso de corticoides, no entanto com dose média muito abaixo daquele do grupo prednisona (cerca de 1/3 da dose).

Os autores concluíram que o avacopan foi eficaz e seguro no tratamento das AAV. No entanto, o uso da medicação para além de 52 semanas não foi avaliada por esse trabalho e, portanto, são necessários estudos adicionais.

Referências bibliográficas:

  • Jayne DRW, Merkel PA, Schall TJ, et al. Avacopan for the treatment of ANCA-associated vasculitis. New Engl J Med. 2021;384:599-609. doi: 1056/NEJMoa2023386

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