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Dia 18 de outubro é o Dia do Médico e por isso vamos abordar mais um pouco o assunto saúde mental dos médicos. Vamos falar de burnout.
Essa expressão foi criada na década de 70 por profissionais que lidavam com dependentes químicos e que começaram a apresentar algumas características. Hoje podemos entender esse termo como um estado de exaustão associado à vida profissional, geralmente em consequência de altos níveis de estresse. As três características centrais são: exaustão emocional, despersonalização ou cinismo e diminuição da realização pessoal ou eficácia no trabalho.
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Vamos entender um pouco melhor cada uma dessas características?
– A exaustão emocional é mais fácil de ser compreendida. Pode estar relacionada ao excesso de trabalho, excesso de tensão ou à sensação de que não há nada mais a ser feito. Em alguns isso pode levar a uma incapacidade de demonstrar compaixão.
– Já a despersonalização ou cinismo ocorre quando os profissionais começam a se tornar insensíveis em relação aos outros, no caso, aos pacientes. Há uma indiferença, um distanciamento do trabalho e uma relação de desapego na relação com o paciente, podendo chegar a uma “objetificação” do mesmo. O que isso significa? Significa, por exemplo, reduzir o paciente ao seu diagnóstico. Então ao invés de se referir à paciente X internada por causa de um quadro de depressão, pode-se referir a ela como “aquela deprimida”. Obviamente isso tem consequências negativas nas questões profissionais e, portanto, um distanciamento do trabalho.
– Por último, a eficácia no trabalho ou a baixa realização pessoal. Pode envolver a sensação de ser incompetente, ineficiente, sensação de perda do controle, perda da satisfação com a profissão ou a sensação de ser incapaz para realizar o trabalho.
Além dessas características centrais, o profissional com burnout pode achar que faz mais trabalho do que os outros, que a divisão de tarefas é injusta ou que os seus esforços não são reconhecidos. Também podem aparecer sintomas como dor inespecífica, sentimento de falta de sentido, apatia e diminuição da capacidade de atenção. Os médicos com burnout geralmente vivem conflitos entre a vida pessoal e a profissional, o que só agrava a situação. E ainda podem surgir comorbidades como os transtornos ansiosos, de somatização e transtornos de humor.
Sobre isso e em relação a diagnóstico diferencial alguns artigos têm discutido a relação e como avaliar a diferença entre transtorno depressivo maior e burnout.
Infelizmente, grande. Um trabalho encontrou que cerca de 45% dos médicos já apresentaram um sintoma de burnout, enquanto uma pesquisa online encontrou que 39,8% da classe sofria com este problema. Um outro estudo americano concluiu que as maiores taxas do transtorno são observadas em médicos que trabalham em emergência e em terapia intensiva. As menores taxas (e que ainda assim foram significativas), ocorrem nas especialidades de psiquiatria e patologia.
Os maiores níveis de despersonalização (ou cinismo), de insatisfação com a carreira e de conflitos entre a vida pessoal e profissional ocorreram em médicos com até 10 anos de formados, melhorando com o tempo. Os níveis de exaustão emocional foram maiores entre aqueles com 11 a 20 anos de formados. Infelizmente parece que essa estatística vem piorando com o tempo.
Às vezes o quadro já se inicia na faculdade com até 43% dos estudantes já apresentando pelo menos um sintoma, persistindo durante a residência, onde as taxas podem variar entre 27 e 75%.
Um estudo grande produzido anos atrás demonstrou que os profissionais de saúde são aqueles com maior risco de desenvolver burnout, inclusive quando comparados a outros trabalhos também bastante estressantes e que envolvem o serviço público.
Uma das explicações seria que médicos geralmente possuem altos níveis de idealismo, perfeccionismo e elevado senso de responsabilidade. A dedicação extrema para fornecer cuidado ao paciente pode comprometer as atividades pessoais (e mesmo profissionais) que poderiam promover o bem-estar. Ou seja, justamente o que os pacientes e outros profissionais consideram como características positivas num médico são aquelas que podem levar a um desequilíbrio da vida pessoal, colocando o próprio bem-estar em segundo plano.
Bem, elas podem variar. No entanto, o estresse no trabalho costuma ser uma das razões mais abrangentes e que envolve uma série de fatores, como as características do sistema de saúde, questões relacionadas à organização e administração e questões pessoais.
Também parece haver uma relação direta entre burnout e o número de horas trabalhadas por semana. Aqui podemos entender que aspectos importantes da vida de qualquer pessoa podem estar comprometidos, como o cuidado com os filhos, a interrupção das atividades familiares, pouca disponibilidade para o parceiro ou cônjuge, dentre outras.
Geralmente pensamos só em um indivíduo, mas por trás dele existe uma família, o ambiente de trabalho, o paciente e o sistema de saúde como um todo. Médicos com burnout podem se aposentar mais cedo, mudar de carreira, ter uma pior relação médico-paciente, podem estar sujeitos a cometer mais erros enquanto trabalham, sofrem com mais conflitos conjugais (o que piora o estresse), podem apresentar aumento nas taxas de uso abusivo de álcool e outras drogas, além do aumento das taxas de transtorno depressivo e ideação suicida.
Uma das ferramentas é escala de Maslach, conhecida como MBI-GS, já validada em português. Outra opção são questionários de qualidade de vida, como o SF-36, também disponível em português.
Sim e isso é de extrema importância. A prevenção é mais segura e barata do que lidar com as consequências do transtorno. A primeira medida é conscientizar a população médica sobre o assunto para que se mantenham vigís e se questionem se estão se negligenciando ou priorizando demais o trabalho.
Deve-se também estimular que eles se cuidem mais, tanto da saúde mental como da física. Aqui cabem orientações sobre o sono, prática de atividade física diária, aumentar o tempo de dedicação à família e aos amigos, tirar férias e se desconectar do trabalho. Se necessário, durante suas férias peça a um colega para atender às emergências dos seus pacientes até o seu retorno.
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Aqui devemos pensar em dois níveis: no pessoal e no organizacional (ou sistêmico). Em termos de organização seria importante que os hospitais, clínicas e serviços de saúde reconhecessem essa ameaça e o quanto ela afeta todo o sistema. Os locais de trabalho deveriam fornecer um programa de assistência anônimo e composto de profissionais de saúde que possam lidar com médicos com burnout.
Programas de manejo do estresse também deveriam estar disponíveis tanto nas horas de trabalho, como de folga. Os supervisores e gestores deveriam saber reconhecer o problema e sua gravidade e tratá-lo rapidamente de forma positiva e não punitiva. Deve-se estimular reuniões com os supervisores e gestores para discutir metas, horários de trabalhos, funções burocráticas, dentre outros assuntos cabíveis. Essas reuniões devem ocorrer de forma aberta e transparente. Essas medidas podem diminuir o estresse, aumentar o grau de satisfação pessoal e diminuir a prevalência de burnout.
Do ponto de vista pessoal podemos ter alguns obstáculos. Um deles é o próprio médico não reconhecer que tem um problema. O outro é não querer participar da resolução. Aqui é necessário tomar medidas em cinco aspectos:
Os estudos que avaliaram as estratégias sistêmicas e individuais encontraram uma pequena, mas significativa redução dos níveis de burnout. As intervenções sistêmicas (ou nas organizações) tiveram um impacto maior do que as individuais. Isso reforça o quanto o ambiente influencia no desenvolvimento do quadro, ou seja, a relação disso com o sistema de saúde em que se está inserido. Ou seja, a responsabilidade pelo desenvolvimento e tratamento do burnout deve ser avaliado como algo a ser abordado de forma coletiva.
A prevenção e a abordagem são essenciais, lembrando que o médico saudável ajuda na solução, contribuindo com seus colegas de forma positiva.
O burnout está se tornando uma nova forma de crise envolvendo a saúde. Ele afeta a eficácia, a produtividade, o bem-estar dos médicos e ainda compromete a capacidade de promover um atendimento de qualidade ao paciente. Quando olhamos para o indivíduo, podemos observar que os relacionamentos pessoais podem ficar comprometidos, há aumento do uso de drogas ou de medicações, maior risco de depressão e maiores chances de suicídio.
Por sua vez há também a contribuição da organização dos sistemas de saúde e órgãos envolvidos. Ou seja, é multifatorial e traz prejuízo para os empregadores, para os que recebem o serviço (os pacientes) e para os empregados médicos que sofrem com o transtorno.
Reconhecer todos esses fatores e tentar desenvolver estratégias para amenizá-los podem diminuir o burnout e melhorar o bem-estar do médico: atuar tanto de forma sistêmica (nos órgãos de saúde, hospitais, no próprio sistema, etc) e individualmente.
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Referências bibliográficas:
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