Câncer de Mama em Adolescentes e Adultas Jovens (AAJs), o que há de novo?

Os desafios da incidência de câncer de mama entre Adolescentes e Adultas Jovens (AAJs) que vem aumentando nos EUA e no Brasil.

Nos EUA, uma em cada 196 mulheres vai receber o diagnóstico de câncer de mama (CM) abaixo dos 40 anos. Adolescentes e Adultas Jovens (AAJs), com 15-39 anos experimentam inúmeros desafios com o diagnóstico de CM. A incidência nos EUA vem aumentando desde 2004 e, infelizmente, muitas são diagnosticadas em estágios avançados. AAJ têm maior probabilidade de apresentarem histologias mais agressivas, doença localmente avançada e já necessitarem de tratamento sistêmico no diagnóstico. AAJ têm ainda maior probabilidade de serem carreadoras de mutações germinativas, o que indica aconselhamento precoce para ajudar na tomada de decisão sobre tratamentos locais por exemplo. Oncologistas devem se engajar em grupos multidisciplinares para prover cuidado otimizado para estas jovens, incluindo, quando possível, avaliação com fertileuta, aconselhamento genético, apoio nutricional, psicológico, fisioterápico, entre outras especificidades.

AAJs

O CM – não parece – mas é o tipo de câncer mais comum em mulheres entre 15-39 anos nos EUA, sendo responsável por 30% dos casos.  De acordo com dados do SEER, 5,6% de todos os casos de CM invasivo ocorrem em AAJs. Estima-se que 12 mil casos tenham sido diagnosticados nos EUA, neste grupo, em 2020. Infelizmente, mesmo em estágios iniciais, o risco de morte é 39% maior que outras mulheres com o mesmo estágio. Some-se a isso a maior possibilidade de eventos adversos com a terapia e o maior impacto psicossocial para entender a magnitude do problema.

Os desafios da incidência de câncer de mama entre Adolescentes e Adultas Jovens (AAJs) que vem aumentando nos EUA e no Brasil.

CM em AAJs

Metade das AAJs com CM apresentam uma mutação germinativa, em especial BRCA1, BRCA2, ou TP53. Destas 16,9% apresentam variantes que tem impacto na decisão cirúrgica, contra 10% em mulheres mais velhas. Como o teste genético demora em média 2-3 semanas para ficar pronto, quanto antes for testada, melhor. Isso pode ser especialmente importante para portadoras de BRCA1/2, PALB2, TP53 e outras mutações com possível indicação de adenectomia redutora de risco contralateral. AAJs portadoras de mutação de TP53 podem realizar mastectomia em função do risco aumentado de câncer induzido por radiação nesta variante. TP53 é de especial importância no Brasil, em especial no sul e sudeste.

Fatores hormonais também “pesam” em aumentar o risco, como menarca precoce, contraceptivos orais, infertilidade anovulatória, primeira gestação após 30 anos. Amamentação também reduz risco nesta faixa etária, e história prévia de irradiação de mediastino na infância ou cedo na adolescência aumenta muito o risco.

AAJs tem 9 vezes maior risco de recidiva local após cirurgia conservadora, e isso se deve a diferenças na biologia. Apesar deste risco aumentado, este não é um argumento suficiente para oferecer cirurgias radicais para todas as mulheres jovens. Vários pontos entram nesta “equação”, como sexualidade, fertilidade, impacto na imagem corporal, daí a importância do “time multidisciplinar” no cuidado destas pacientes. Não raro, considerando também a simetria com a mama oposta, muitas pacientes jovens optam por mastectomia bilateral com reconstrução em detrimento de cirurgias mais conservadoras. Evidente que aquela mulher jovem que deseja amamentar deve focar no tratamento da mama acometida.

CM em AAJs frequentemente tem características de alto risco, como receptores hormonais negativos, alto grau, HER2 enriquecido, invasão vascular e linfática. Mesmo com os avanços do tratamento sistêmico a sobrevida é menor, estágio por estágio, quando comparada com mulheres com mais idade. Apesar destes pontos, o benefício de quimioterapia (neo) adjuvante é similar, não importa a idade. Infelizmente ainda são poucos os estudos clínicos focados nesta população ou mesmo a participação em outros é baixa. Em linhas gerais, o tratamento oncológico é similar, não importa a idade, mas o limiar para a inclusão de derivados de platina (e imunoterapia*) na quimio pré-operatória, na decisão de realizá-la é menor entre AAJs, em especial entre os casos triplo negativos e portadores da expressão de HER2.

Com relação aos tumores RH positivos e o uso de testes genômicos em caráter adjuvante para indicação de quimio (Oncotype DX ou MammaPrint), é mais difícil entender o real benefício de QT adjuvante com escores intermediários, em especial com ODX entre 21-25, mas também entre 16-20, pois pode haver benefício de quimio da ordem de 5-10%. Talvez o principal benefício seja da supressão ovariana, que frequentemente ocorre com a QT. Por isso, em mulheres jovens, a adição de supressão ovariana ao uso de um inibidor da aromatase pode promover uma redução de risco de recidiva de 10-15% em pacientes de alto risco, sem quimio! Precisamos de mais dados em pacientes AAJs para determinar o real papel destes testes genômicos. O tratamento adjuvante endócrino ainda é o standard of care para estas mulheres, por reduzir o risco de recorrência em 50% e este risco pode ser ainda menor se incluirmos a supressão ovariana, mas nem todas toleram este “duplo bloqueio”, devido ao maior ressecamento vaginal, disfunção sexual, fogachos etc. Portanto, em pacientes de menor risco, a supressão ovariana frequentemente não é uma opção. A duração em geral pode chegar aos dez anos de tamoxifeno, pois a adjuvância estendida reduz ainda mais o risco. Não temos estudos de supressão ovariana por tanto tempo. Em AAJs onde fertilidade não é uma questão, salpingo-ooforectomia bilateral pode ser uma opção em especial para mulheres portadoras de BRCA1, BRCA2, BRIP1, RAD51C/D, e de genes da Síndrome de Lynch às injeções mensais ou trimestrais de análogos de LHRH.

Uma questão muito especial neste grupo é a preservação de fertilidade, já que QT pode causar infertilidade. Menopausa prematura pode ocorrer em 13% das pacientes que recebem QT, podendo chegar a mais de 60% quanto mais perto dos 40 anos. Criopreservação de embriões e de oócitos são estratégias efetivas, mas o acesso é difícil e o custo é alto. De qualquer forma, referir para o fertileuta sempre que possível é fundamental. Como alternativa, análogos LHRH durante a QT para reduzir o risco de infertilidade, com o dobro de chance de uma AAJs conseguir engravidar em caso de uso de análogo. É considerado experimental interromper o tratamento endócrino para permitir uma gravidez nestas pacientes. Um estudo, o POSITIVE TRIAL está avaliando o risco desta interrupção mais precoce, entre 18-30 meses de tratamento.

Devemos reforçar o uso de contraceptivos não hormonais, em especial o DIU de cobre e são muitas as questões relevantes entre as pacientes que estão em seguimento de longo prazo como a cardiotoxicidade relacionada à QT, o risco de fraturas por osteoporose em pacientes com menopausa precoce ou química prolongada. Muitas questões psicossociais são mais frequentes nesta população como depressão, ansiedade, isolamento, imagem corporal deteriorada, perda de relações pessoais, limitações físicas ocupacionais, e toxicidade financeira…tudo isso precisa de atenção e cuidado.

E no Brasil?

Sabemos que não há diretriz de rastreamento para esta população, que mamografia tem baixo rendimento em mamas jovens e densas e não raro quando há o diagnóstico de CM o estágio é mais avançado.  Pesquisadores brasileiros publicaram recentemente um levantamento retrospectivo com dados de um grande hospital universitário de SP, nesta população de mulheres com CM e menos de 45 anos2, e compararam seus achados com outros três bancos de dados, sendo um americano. Num total de 101 mil casos avaliados da Fundação Oncocentro de SP, 4,4% tinham menos de 35 anos (10% <40 anos), 20% < 45 anos (muito semelhante aos dados do INCA), contra 1,85% e 11,5% no banco de dados do SEER americano, respectivamente. O estagiamento também é mais avançado por aqui…45% doença localmente avançada e 10% estágio IV, contra 29% e 6% nos EUA…mais pacientes tinham tumores maiores e/ou com comprometimento linfonodal. Como esperado, mais pacientes com tumores luminais B, triplo negativos, HER2 superexpresso, menos casos de luminais A, o que leva a um prognóstico mais reservado.

Como deu para notar, a prevalência do CM em mulheres com menos de 40 anos no Brasil não é irrelevante. Se são 10% dos casos, estamos falando de 7000 casos novos ao ano, mais do que muitas neoplasias primárias. Cabe destacar que nossa incidência é maior neste sub-grupo que nos EUA, como já foi demonstrado em outros países em desenvolvimento. Pode estar relacionado à nossa ainda jovem pirâmide populacional, mas outros fatores podem estar relacionados, como consumo de álcool e tabaco, questões hormonais (como já descrito) e outros carcinógenos, como pesticidas organoclorados e diferentes disrruptores endócrinos, como o bisfenol A. O fato é que o Brasil é um dos maiores consumidores de agrotóxicos e de plásticos do mundo. Mais estudos de exposição à carcinógenos e a estes disrruptores são necessários.

Os pesquisadores brasileiros reforçam o conceito de que essas mulheres jovens são diagnosticadas em estágios mais avançados, com cânceres de mama de histologia e imunoistoquímica mais agressivas, com impacto de pior sobrevida livre de doença. Fundamental identificar pacientes de alto risco para gerar políticas de educação e de rastreamento deste público-alvo.

Como vimos a incidência de CM entre AAJs vem aumentando nos EUA e no Brasil e estas mulheres têm desafios muito específicos, tanto na fase aguda de tratamento quanto na fase de seguimento. Elas precisam de um tratamento multidisciplinar bem coordenado. Elas merecem.

*Não aprovada no Brasil para esta indicação.

Referências bibliográficas: 

  • Cathcart-Rake EJ; Ruddy KJ; Bleyer A and Johnson RH. Breast Cancer in Adolescent and Young Adult Women Under the Age of 40 Years. ascopubs.org/journal/ op on January 15, 2021: DOI https://doi. org/10.1200/OP.20. 00793
  • Orlandini LF; Antonio MVN; Esperafico CR et al.  Epidemiological Analyses Reveal a High Incidence of Breast Cancer in Young Women in Brazil. ascopubs.org/journal/ go on January 12, 2021: DOI https://doi. org/10.1200/GO.20. 00440

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