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No segundo dia do Congresso Brasileiro de Medicina Intensiva (CBMI 2021), o manejo terapêutico da sepse na Covid-19 foi abordado pela Dra. Flávia Machado, professora adjunta livre docente e chefe do Setor de Terapia Intensiva da Disciplina de Anestesiologia, Dor e Terapia Intensiva da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
A discussão abordou o manejo da sepse por Covid-19: fluidos, drogas vasoativas, antibioticoterapia, entre outros.
Em relação à sepse endêmica (sepse prévia à pandemia, não Covid-19), o manejo da sepse por Covid-19 é similar, com algumas peculiaridades. Nesse momento, temos dois guidelines para sepse sobre Covid-19: Surviving Sepsis Campaign (SSC) sobre Covid-19 (última atualização em março de 2021) e o guideline da World Health Organization (WHO), este último atualizado em janeiro de 2021.
De acordo com o guideline da WHO, não se recomenda o uso empírico de antibióticos na Covid-19. Antibióticos só devem ser prescritos se houver suspeita clínica para infecção bacteriana na Covid-19.
Revisão publicada em setembro de 2021, intitulada “Procalcitonin for individualizing antibiotic treatment: an update with a focus on COVID-19”. abordou o papel da procalcitonina na Covid-19 para auxiliar a decisão de tratamento antimicrobiano individualizado. Foi evidenciado que a procalcitonina tem baixa sensibilidade para infecção viral, sendo um adequado marcador prognóstico.
No entanto, a partir dos estudos envolvidos na revisão, não foi possível concluir sobre seu uso como um marcador exclusivo de infecção bacteriana. Além disso, não foi possível demonstrar a associação do uso da procalcitonina com redução do uso de antibióticos ou impacto em outros desfechos na Covid-19.
Segunda a Dra. Flávia, para determinar a presença de coinfecção em um quadro de sepse por Covid-19, indicando o uso de antibióticos, temos que ter “um pouco de tudo”: leucocitose com desvio à esquerda, presença de consolidação, procalcitonina alterada… Tal raciocínio, no momento, é válido em detrimento a confiar na procalcitonina como marcador isolado.
Nos casos de sepse por Covid-19 complicados com sepse endêmica (não Covid-19)…
Caso o paciente com sepse por Covid-19 desenvolva sinais de sepse endêmica superimposta à infecção viral (infecções bacterianas ou fúngicas nosocomiais, por exemplo), as recomendações de antibióticos empíricos devem ser seguidas conforme as atualizações mais recentes do Surviving Sepsis Campaign, publicadas em outubro de 2021, conforme você observa abaixo:
Antibioticoterapia – Surviving Sepsis Campaign (outubro 2021) |
Para pacientes adultos com choque séptico ou com alta probabilidade de sepse, recomenda-se administração imediata de antimicrobianos, idealmente na primeira hora Recomendação forte; evidência de baixa qualidade (choque séptico); evidência de muito baixa qualidade (sepse sem choque) |
Para pacientes adultos com possível sepse sem choque, recomenda-se avaliação rápida da possibilidade da presença de infecção vs. causas não-infecciosas de doença aguda Recomendação de melhor prática |
Para pacientes adultos com possível sepse sem choque, sugere-se avaliação rápida e, se a suspeita de infecção persistir, administração de antibióticos nas primeiras 3h desde o reconhecimento de sepse Recomendação fraca; evidência de muito baixa qualidade |
Para pacientes adultos com baixa possibilidade de infecção e sem choque, sugere-se não iniciar antibióticos e monitorar o paciente Recomendação fraca; evidência de muito baixa qualidade |
O estudo PiCCOVID, produzido pelo grupo do prof. Xavier Monnet consistiu em análise comparativa entre 60 pacientes com SDRA por Covid-19 e outros 60 pacientes com SDRA não Covid-19, monitorizados por termodiluição transpulmonar. O mesmo evidenciou que pacientes com Covid-19, aparentemente, têm maior índice de permeabilidade vascular (PVPI), além de maior quantidade de água extravascular pulmonar (EVLW).
De acordo com os guidelines sobre manejo da Covid-19 pela WHO, quanto aos fluidos, recomenda-se terapia conservadora para pacientes com Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo (SDRA) mas sem evidência de hipoperfusão. No entanto, a conferencista explica que não existem recomendações relacionadas ao paciente com SDRA e hipoperfusão concomitante. Até o momento, não temos evidências em relação à superioridade do tratamento conservador ou liberal.
Os novos guidelines da SSC para sepse endêmica trazem as seguintes recomendações sobre fluidos:
Fluidos – SSC (outubro 2021) |
Não há evidências suficientes para fazer uma recomendação sobre o uso de estratégias de fluidos restritiva versus liberal nas primeiras 24 horas de ressuscitação em pacientes com sepse e choque séptico que ainda apresentam sinais de hipoperfusão e depleção de volume após a ressuscitação inicial Observações: A ressuscitação com fluidos deve ser administrada apenas se os pacientes apresentarem sinais de hipoperfusão. |
Um ponto de destaque é: não podemos deixar um paciente hipovolêmico por receio que a água extravascular (EVLW) esteja aumentada.
Do ponto de vista cardiológico, a Covid-19 é diferente. De acordo com estudo publicado na Circulation em abril de 2021, temos as seguintes características em relação à disfunção cardíaca na Covid-19:
Um outro estudo (Hemodynamic Profiles of Shock in Patients With COVID-19) olhou para o coração do paciente com COVID-19, realizando ecocardiogramas de 160 pacientes chocados com pneumonia por Covid-19. Foi evidenciado que 40% dos pacientes estavam com débito cardíaco baixo e fração de ejeção normal. Esse perfil hemodinâmico representa, na maioria das vezes, hipovolemia.
A Dra. Flávia aproveita esse momento para mencionar algo que todos nós percebemos no começo da pandemia: “No começo da pandemia, ficamos com muito receio de dar volume. Vários pacientes podem ter desenvolvido insuficiência renal aguda por conta desse contexto. Agora entendemos que dar volume a esses pacientes COVID não necessariamente é algo ruim ou deletério.”
Para finalizar, tanto os guidelines da SSC para Covid-19 quanto o guidelines da SSC para sepse endêmica recém-atualizadas têm o mesmo raciocínio quando o assunto são inotrópicos. Veja abaixo:
Inotrópicos – SSC (outubro 2021) |
Para adultos com choque séptico e disfunção cardíaca com hipoperfusão persistente, apesar do volume adequado e da pressão arterial, sugerimos adicionar dobutamina à norepinefrina ou usar epinefrina sozinha. Recomendação fraca – Evidência de baixa qualidade |
Nesse tópico da conferência, a Dra. Flávia aproveitou para fazer um comparativo da velocidade dos avanços na pesquisa da sepse endêmica quando comparamos com a Covid-19. Há cerca de duas décadas, a conferencista acompanha a literatura em busca de drogas que promovam modulação da inflamação na sepse. Em um ano e meio, conseguimos respostas na Covid-19.
Por que então uma maior velocidade na pesquisa em relação à Covid-19?
Por se tratar de uma sepse mais homogênea. com grande número de pacientes, além de um grande esforço conjunto de vários pesquisadores.
Veja mais do CBMI 2021:
Referências bibliográficas:
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