CBMI 2021: sepse na Covid-19 – quais particularidades e cuidados?

No segundo dia do CBMI 2021, as particularidades da sepse na Covid-19 foram abordadas pela Dra. Flávia Machado.

No segundo dia do Congresso Brasileiro de Medicina Intensiva (CBMI 2021), as particularidades da sepse na Covid-19 foram abordadas pela Dra. Flávia Machado, professora adjunta livre docente e chefe do Setor de Terapia Intensiva da Disciplina de Anestesiologia, Dor e Terapia Intensiva da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). A conferência contou com uma excelente abordagem sobre aspectos da sepse no paciente com Covid-19 que vão desde características da sepse viral à situação da sepse endêmica durante a pandemia.

paciente internado com sepse na covid-19

Afinal, a Covid-19 é considerada sepse?

A Dra. Flávia explica que a Covid-19 grave é um exemplo clássico de sepse viral, uma vez que definimos sepse como infecção associada à disfunção orgânica. Sepse viral mata! E despertou ações e comoções no mundo inteiro nesses últimos dois anos de pandemia. Mas não podemos esquecer da sepse endêmica (não Covid-19), já presente anteriormente à pandemia, que mata 11 milhões de pessoas ao ano.

Para resumir os conceitos:

  • Covid-19 grave é considerada sepse viral;
  • Sepse endêmica refere-se aos casos de sepse não Covid-19, como bacteriana, fúngica e viral não Covid, já presentes antes da pandemia.

Como os pacientes com Covid-19 morrem?

Ponto interessante porque nosso senso comum observacional é acreditar que boa parte desses pacientes foi à óbito por hipoxemia severa pela natureza da inflamação pulmonar na Covid-19 grave. Vamos observar alguns dados interessantes:

Estudo indiano (país de recurso limitado), publicado em 2021, mostrou que a principal causa de morte na população de pacientes com sepse por Covid-19 foi disfunção de múltiplos órgãos (55,1%), seguido de hipoxemia severa (25,5%). Diferente da ideia que pacientes com Covid-19 grave tinham uma maior prevalência da hipoxemia severa como causa imediata para o óbito.

A Dra. Flávia também trouxe dados ainda não publicados do seu serviço em São Paulo. Um total de 645 pacientes foram analisados, com taxa total de mortalidade de 42,4%. A principal causa de óbito foi choque refratário (65,1%), seguido de disfunção de múltiplos órgãos (13,8%). A hipoxemia refratária aparece apenas com 5,9%. O percentual de sepse secundária por complicação bacteriana foi de 33,5%.

Esses dados reforçam a ideia de que tais pacientes graves estão morrendo de sepse, seja ela viral no insulto inicial ou bacteriana no cenário de complicação secundária.

Uso de antibióticos em pacientes com Covid-19

No momento inicial da pandemia, acreditava-se que todo paciente com Covid-19 deveria receber antibióticos, pelo risco de coinfecção. No entanto, com o passar do tempo, o pêndulo virou. Ficou evidente que a coinfecção bacteriana em uma fase inicial tem probabilidade baixíssima, sendo possível evidenciar redução no uso inicial de antibióticos.

Para ilustrar, um estudo italiano publicado no CHEST, em agosto de 2021, “Hospital Acquired Infections in Critically Ill Patients with COVID-19”, evidenciou que os principais fatores associados à ocorrência de Infecções Relacionadas à Serviços de Saúde (IRAS) foram: idade, PEEP e tratamento com antibiótico amplo espectro na admissão. Ou seja, antibiótico amplo já na admissão não trará benefícios, acarretando complicações associadas ao cuidado. Além disso, os fatores associados com o fato de ter IRAS aumentaram tempo de ventilação mecânica (9 para 24 dias), tempo de internação em UTI (9 para 24 dias), tempo de internação hospitalar (23 para 42 dias).

Candidemia na Covid-19

Na prática clínica habitual pré-Covid, candidemias não eram suspeitas de forma precoce em pacientes graves. Complicações infecciosas nosocomiais, na maioria das vezes, acontecem por bactérias em um primeiro momento. E na Covid-19? Acontece da mesma forma?

Estudo publicado em junho de 2021, “Characteristics of candidemia in COVID-19 patients; increased incidence, earlier occurrence and higher mortality rates compared to non-COVID-19 patients” evidenciou maior incidência de candidemia em pacientes graves com Covid-19 quando comparados aos não Covid-19.

Além disso, foi observado que na população de pacientes graves com Covid-19, a fungemia ocorreu de forma mais precoce e envolveu maior mortalidade. O tempo para candidemia em pacientes não Covid-19 foi de 27 dias, enquanto na população Covid-19 foi de 13 dias. Tal fato é um alerta para o provável subdiagnóstico de infecções fúngicas durante a pandemia, tendo em vista a diferença nessas características quando comparamos à fase pré-Covid. Ou seja, em pacientes graves com COVID-19 com complicações infecciosas secundárias, a suspeita para candidemia deve ser precoce.

A pandemia somente exacerbou o que já estava lá!

Prevenção de infecções relacionadas à assistência à saúde (IRAS) deve ser um dos pontos chaves.

Era de se esperar que apenas países com recursos limitados sofressem com um maior número de complicações secundárias relacionadas ao cuidado. No entanto, os países ricos, como os EUA, também sofreram com o aumento das infecções relacionadas à serviços de saúde. A maior incidência de sepse endêmica nestes pacientes tem relação com maior uso de antibióticos, uso de imunossupressores, strain da UTI, além de staff com pouco treinamento em pacientes graves.

Diante desse fato, um dos cuidados que devemos ter é voltar ao basal do pré-pandemia (que perdemos por várias razões expostas acima durante a pandemia) em termos de prevenção de infecção, ou seja, “back to basics”. Prevenir a infecção é muito importante. A Covid-19 despertou nas equipes algo que já existia (controle de IRAS) mas necessitava ser feito.

Alguns fatores associados à queda na prevenção de IRAS durante a pandemia:

  • Falta de material de proteção;
  • Falta de material de proteção;
  • Falsa sensação de segurança;
  • Sobrecarga e falta de treinamento de profissionais;
  • Sobrecarga das equipes de stewardship;
  • Desvio de recursos da prevenção para outras prioridades.

A Dra. Flávia finaliza esse ponto da conferência enfatizando que a Covid-19 despertou em nós a necessidade de reforçar ainda mais a prevenção de IRAS. Na sua instituição, isso foi levado muito a sério, tendo sido criado o Projeto TIRAS, para redução das infecções relacionadas à serviços de saúde. O mesmo tem sido bem recebido pela equipe e angariado bons resultados.

Back To Basics: Previna IRAS! Previna a sepse bacteriana superimposta à sepse viral!

Mensagens práticas

  • Na minha prática durante a pandemia, enfrentei vários casos de hipoxemia severa. Geralmente, com o manejo inicial da síndrome do desconforto respiratório agudo, era possível estabelecer algum grau de estabilização;
  • No entanto, frequentemente, nos deparávamos com uma segunda onda de piora desses pacientes, representada por insulto novo bacteriano, por exemplo;
  • Nos casos de óbito, a maior parte deles na minha observação foi em cenário de drogas vasoativas elevadas e disfunção orgânica múltipla. Às vezes, até coincidia em um momento de estabilização respiratória.
  • A desorganização das UTIs associada à gravidade extrema dos pacientes dificultou o controle dos principais riscos associadas à assistência. Houve queda na adesão à bundles de prevenção de pneumonia associada à ventilação mecânica, prevenção de infecção de corrente sanguínea associada à cateter…itens fundamentais para garantir a redução de IRAS;
  • A importância da prevenção da IRAS nunca foi tão relevante e a pandemia elevou à décima potência a necessidade de mantermos os avanços no campo e retomar o quanto antes ao basal pré-pandemia!

Veja mais do CBMI 2021:

Referências bibliográficas:

Sobre infecções relacionadas a serviços de saúde em pacientes graves com Covid-19:

  • Grasselli G, Scaravilli V, Mangioni D, et al. Hospital-Acquired Infections in Critically Ill Patients With COVID-19. Chest. 2021;160(2):454-465. doi:10.1016/j.chest.2021.04.002

Candidemia na Covid-19 x não Covid-19: ocorrência precoce e maior mortalidade:

  • Kayaaslan B, Eser F, Kaya Kalem A, et al. Characteristics of candidemia in COVID-19 patients; increased incidence, earlier occurrence and higher mortality rates compared to non-COVID-19 patients. Mycoses. 2021;64(9):1083-1091. doi:10.1111/myc.13332

Estudo indiano publicado em 2021 – Perfil epidemiológico e análise de fatores associados à mortalidade (Covid-19):

  • Aggarwal R, Bhatia R, Kulshrestha K, et al. Clinicoepidemiological Features and Mortality Analysis of Deceased Patients with COVID-19 in a Tertiary Care Center. Indian J Crit Care Med. 2021;25(6):622-628. doi:10.5005/jp-journals-10071-23848

O impacto da Covid-19 nas infecções associadas à serviços de saúde:

  • Baker MA, Sands KE, Huang SS, et al. The Impact of COVID-19 on Healthcare-Associated Infections [published online ahead of print, 2021 Aug 9]. Clin Infect Dis. 2021;ciab688. doi:10.1093/cid/ciab688

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