Como definir, prenunciar e prevenir a expansão das hemorragias intracranianas?

A expansão do hematoma afeta um quinto dos pacientes dentro das primeiras 24 hora do início das hemorragias intracranianas.

A hemorragia cerebral é relacionada a aproximadamente 10-20% das causas de acidente vascular cerebral. Dados epidemiológicos sugerem que a incidência dessa condição é quase duas vezes maior em países de baixa-média renda ao comparar com países desenvolvidos. Além disso, a incidência de hemorragia intracerebral é maior com o avançar da idade. Atualmente, há poucas opções terapêuticas para essa morbidade. Infelizmente as hemorragias intracranianas apresentam prognóstico funcional ruim, valendo constar que o preditor mais significativo para isso reside no volume final do hematoma detectado através de neuroimagem.  

Diante dessa conjuntura, a prevenção dos hematomas intracranianos é a estratégia terapêutica mais considerada. Por outro lado, em circunstâncias dessa condição já ter sido estabelecida, evitar a expansão do hematoma é uma forma de amenizar uma possível piora funcional desses pacientes. Essa meta é importante considerando que a expansão de um hematoma pode ocorrer em torno de 20% dos casos de hemorragias intracranianas. Identificar pacientes com elevado risco para expansão de hematomas, portanto, é essencial para o seu prognóstico funcional. 

A Lancet Neurology em 2022 publicou revisão sobre os avanços em conhecimento dos últimos cinco anos na definição, na avaliação de preditores e no prognóstico de expansão de hematomas intracerebrais. 

Saiba mais: Hemorragia intracraniana em pacientes que tomam anticoagulantes orais

Como definir, prenunciar e prevenir a expansão de hemorragias intracranianas?

Como definir, prenunciar e prevenir a expansão de hemorragias intracranianas?

Definição e efeitos clínicos  

É possível avaliar a expansão do hematoma intracerebral através de avaliação volumétrica em neuroimagens seriadas. Detectar expansões são interessantes para avaliar deterioração neurológica precoce e potencial piora em desfecho clínico. 

O interessante é que a relação entre o início do hematoma cerebral e o risco de expansão é não-linear, sendo o maior risco de expansão avaliado nas primeiras 3 horas de ictus enquanto o platô ocorre após seis horas do ictus. 

Diversas tentativas foram realizadas para estabelecer uma definição de expansão do hematoma intracerebral com repercussão clínica significativa nos últimos anos. Contudo, ainda não há um consenso definitivo para essa definição na literatura. Interessante é que, quando diferenças clínicas minimamente relevantes foram acessadas, qualquer aumento no volume do hematoma apresentou efeito significativo em desfechos. Cada acréscimo de 1 ml na expansão do hematoma intracerebral apresentou associação de aumento de 5% no risco de óbito ou dependência. Além disso, quando vários pontos de corte para avaliar expansão de hematoma foram testados contra desfechos clínicos, todos os pontos de corte predisseram desfecho clínico ruim. 

Quais sinais de alerta para expansão de hematoma intracerebral? 

Início de sintomas: A expansão do hematoma é um evento precoce na história natural da hemorragia intracerebral, sendo que geralmente esse evento ocorre entre as primeiras 3-6h após início dos sintomas. Na prática clínica, a coleta dessa informação pode ser difícil, em vista de aproximadamente um terço dos indivíduos acometidos possuir tempo desconhecido do início da hemorragia. 

Uso de terapias antitrombóticas: O uso dessas terapias aumenta o risco de expansão do hematoma por um tempo mais prolongado quando comparado a indíviduos que não fazem uso dessas drogas. Sabe-se que os antagonistas de vitamina K apresentam um risco acima de 50% para expansão do hematoma nas primeiras 6 horas dos sintomas, sendo que a continuação dessa expansão pode ocorrer até mesmo após 24h. Geralmente, o risco de expansão associado a antagonistas de vitamina K é maior quando comparado aos anticoagulantes orais diretos. O uso de antiplaquetário, por sua vez, é também preditor de expansão do hematoma, embora não seja tão elevado ao comparar com os anticoagulantes já citados. 

Neuroimagem: Há biomarcadores em neuroimagem que são interessantes para avaliar o risco de expansão do hematoma intracraniano. Um dos preditores mais importantes para sugerir esse risco é o volume hemorrágico basal. Além disso, imagens como tomografia não contrastadas podem indicar maiores riscos de expansões do hematoma quando há diferenças em características na densidade da hemorragia intracerebral presente na neuroimagem. Além disso, o estudo de vasos arteriais em tomografia permite a identificação de extravasamento de contraste dentro da hemorragia (sinal radiológico conhecido como “spot sign“). Apesar desse sinal, vale constar que a sensibilidade de detecção de “spot sign” na angiotomografia cerebral é relativamente baixa – sendo estimado em 57% durante metanálise de 5085 pacientes. 

Como evitar a expansão? 

Controle pressórico: É esperado que, após uma hemorragia intracerebral, a pressão arterial sistólica aumente e esse evento já é um fator independente associado à expansão de hematoma e piora de desfecho. Diversos ensaios clínicos randomizados com grande amostragem já estudaram a avaliação de segurança e de eficácia na redução intensiva e precoce de pressão arterial, cujo alvo preconizado para essa população é pressão arterial sistólica menor do que 140mmHg.  

Durante a análise secundária do ensaio clínico ATACH2, foi observado que a redução rápida e intensiva de pressão arterial (dentro das primeiras 2 horas do início dos sintomas das hemorragias intracranianas) apresentou desfechos clínicos positivos e radiológicos com redução de expansão do hematoma intracerebral. Além disso, em análise post-hoc desse mesmo ensaio clínico (ATACH2) os pacientes que apresentaram marcadores em neuroimagem para expansão de hematoma não apresentaram melhor benefício no controle pressórico comparado àqueles que não tinham essas alterações. Esse estudo, contudo, apresentou heterogeneidade considerável, visto que 10% dos participantes realizaram angiotomografia de crânio antes da randomização – o que pode trazer dúvida em torno da validade desses resultados. 

Terapia hemostática: Ensaios clínicos randomizados com terapias hemostáticas em pacientes com hemorragias intracranianas tem avaliado os efeitos de reversão da hemorragia mesmo na ausência de coagulopatia conhecida. Os dois agentes mais estudados tem sido fator recombinante ativado VIIa e ácido tranexâmico. O ensaio FAST que avaliou fator recombinante ativado VIIa na população com hemorragia intracerebral, ao ser administrado 3h após o ictus, demonstrou redução de hematoma em torno de 4ml embora não tenha tido alguma melhoria em desfecho funcional. O estudo FASTEST, por sua vez, propôs investigar essa mesma droga após 2h do ictus, sendo que está atualmente em andamento.  

O ácido tranexâmico, como já dito, tem sido também investigada nessa população. O ensaio TICH-2 sugeriu redução de mortalidade com a administração desse fármaco precocemente após início dos sintomas, porém não foi observado esse mesmo efeito em mortalidade após 30 dias. O ensaio TICH-3, ainda em andamento, investigará essa droga em estudo com maior amostragem e, por esse motivo, poderá apresentar possivelmente maior poder estatístico. Para pacientes com hemorragia intracerebral e coagulopatias, o ensaio ICH demonstrou que o complexo protrombínico pode reduzir significativamente a expansão do hematoma naqueles pacientes que utilizam antagonista de vitamina K. Ensaios clínicos para avaliar agentes que revertam a ação de novos anticoagulantes orais ainda segue em andamento. 

Leia também: Reiniciando antiplaquetários após hemorragia intracraniana: qual é o melhor momento?

Mensagem prática 

A prevenção na expansão do hematoma é o principal alvo para alterar desfechos funcionais dessa condição. 

Terapias com alvo específico para evitar a expansão ou reverter parcialmente as hemorragias intracranianas permanecem incertas. 

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo

Selecione o motivo:
Errado
Incompleto
Desatualizado
Confuso
Outros

Sucesso!

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo.

Você avaliou esse artigo

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Baixe o Whitebook Tenha o melhor suporte
na sua tomada de decisão.
Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Morotti, Andrea, et al. "Intracerebral haemorrhage expansion: definitions, predictors, and prevention." The Lancet Neurology 22.2 (2023): 159-171. doi: 10.1016/S1474-4422(22)00338-6

Especialidades