Corticoide adjuvante previne cicatrizes renais em crianças com pielonefrite aguda?

A pielonefrite aguda pode gerar cicatrizes renais em 15-75% dos pacientes detectadas pela cintilografia renal com ácido dimercaptosuccínico (DMSA).

Para responder essa pergunta, Jääskeläinen, Renko e Kuitunen fizeram uma revisão sistemática e meta-análise publicadas em janeiro de 2023 em Journal of Nephrology. Isso é importante de ser avaliado, uma vez que 4% dos lactentes com 1 ano de idade e 10% das crianças com 6 anos de idade já tiveram um episódio de infecção de trato urinário (ITU) e a pielonefrite aguda pode gerar cicatrizes renais em 15-75% dos pacientes detectadas pela cintilografia renal com ácido dimercaptosuccínico (DMSA).

Essas cicatrizes renais decorrem mais do processo inflamatório do que pela ação direta da bactéria. Estudos randomizados prévios foram controversos quanto ao corticoide prevenir as cicatrizes renais. Discutiremos, neste artigo, como o estudo foi feito, seus resultados e conclusões. 

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Metodologia

A revisão sistemática e a meta-análise foram feitas usando as bases de dados PubMed (MEDLINE), Cochrane CENTRAL, Scopus e Web of Science em Junho de 2022 buscando por “corticosteroide” ou “dexametasona” ou “prednisolona” ou “prednisona” ou “hidrocortisona” e pielonefrite (com os termos em inglês) usando artigos publicados na mesma língua, sem filtro de tempo ou outros filtros. Foram relatadas conforme as Diretrizes de Itens de Relatório Preferidos para Revisões Sistemáticas e Meta-análises (PRISMA). 

Incluíram ensaios clínicos randomizados (RCTs) em crianças com mais de 28 dias e menos de 18 anos de idade que compararam o tratamento adjuvante com corticosteroides ao tratamento antibiótico padrão com ou sem placebo. A qualidade da evidência foi avaliada pelo método Grading of Recommendations Assessment, Development and Evaluation (GRADE). 

O desfecho primário foi a presença de cicatriz renal em rastreio de cintilografia com DMSA após a fase aguda. A análise desse desfecho foi feita seguindo o Manual Cochrane de Diretrizes de Revisão Sistemática. Foram calculados: risco relativo (RR) com intervalo de confiança de 95% (IC95%), diferença de risco absoluto (DRA) e número necessário para tratar (NNT). 

Os desfechos secundários foram a gravidade das cicatrizes nos exames de cintilografia com DMSA e eventos adversos relacionados ao tratamento inicial com corticosteroides. A análise desses desfechos foi feita conforme as Diretrizes de Síntese Sem Meta-análise (SWiM), avaliando estatisticamente o índice de inconsistência (I2) para heterogeneidade e, como a heterogeneidade foi baixa (menos de 40%), usaram um modelo de efeitos fixos. 

Resultados 

Dos 872 resumos dos artigos analisados e 16 artigos completos avaliados, apenas 5 estudos foram selecionados para análise final. Esses estudos incluíram um total de 498 crianças entre 7,4-4,19 meses de idade média, sendo a maioria do sexo femino e com ITU causada por Escherichia coli. Dessas 498 crianças, apenas 227 foram submetidas à cintilografia renal com DMSA. Discriminamos abaixo o tipo de corticoterapia usada na tabela 1 assim como o tempo de realização da cintilografia após a pielonefrite aguda.  

Tabela 1. Características dos estudos randomizados controlados analisado pela meta-análise e revisão sistemática de Jääskeläinen, Renko e Kuitunen, 2023 

Estudo   Foi duplo cego?  País do estudo  Número de crianças que fizeram cintiligrafia renal com DMSA (estudo/ controle)  Tempo de realização da cintilografia após a pielonefrite aguda  Tipo de corticoterapia e antibioticoterapia usadas pelo grupo intervenção  Tipo de intervenção no grupo controle  Número de crianças que perderam o seguimento no estudo 
Dalt et al.  Não  Itália  18 (7/11)  6 meses  Dexametasona 0,15mg/kg/dose de 12/12 horas por 4 dias e amoxicilina-clavulanato via oral por 10 dias e   Só antibioticoterapia igual ao grupo intervenção  22 
Ghafari et al  Sim  Irã  52 (23/29)  4-6 meses  Dexametasona 0,15mg/kg/dose de 6/6 horas e Ceftriaxona 80mg/kg/dia por 4 dias   Antibioticoterapia igual ao grupo intervenção e placebo (soro fisiólgico)  8 
Huang et al.  Sim  Taiwan  83 (18/65)  6-38 meses  Metilprednisolona ORAL 1,6mg/kg/dia (máximo de 48mg/dia) de 6/6 horas por  dias e Cefalotina 100mg/kg/dia endovenosa de 6/6 horas e gentamicina 5 mg/kg/dia endovenosa de 12/12horas por ³ 

3 dias  

 

Antibioticoterapia igual ao grupo intervenção. Depois com 2 dias afebril, recebia alta hospitalar com antibioticoterapia oral para completar 14 dias de tratamento. Usavam dose baixa de cefalotina ou sulfametoxazol-trimtoprim por 2-4 semanas até fazerem uretrocistografia  1 
Rius-Gordillo et al. 

 

Sim  Espanha  91 (49/42)  6 meses  Dexametasona ENDOVENOSA 0,15mg/kg/dose de 12/12 horas por 3 dias e antibioticoterapia parenteral inicialmente seguida por antibioticoterapia via oral  Placebo e mesmo esquema de antibioticoteapia do grupo intervenção  21 
Shaikh et al.  Sim  Estados Unidos da América   254 (123/121)  5-24 meses  Dexametasona ORAL 0,15mg/kg/dose de 12/12 horas por 3 dias e antibioticoterapia direcionada para ITU por 10 dias  escolhida por pediatra assistente  10 dias de antibioticoterapia direcionada para ITU escolhida por pediatra assistente e placebo  130 

Adaptada de Jääskeläinen, Renko et Kuitunen, 2023. Legenda: ITU (infecção de trato urinário). 

Quanto ao desfecho primário, foi encontrada cicatriz renal em 31 (14,1%) das 220 crianças nos grupos de corticosteroides e 76 (27,3%) dos 278 crianças nos grupos de controle (RR 0,65 [IC 0,44–0,96], DRA absoluto −13,2%, NNT 8). A qualidade da evidência foi classificada como moderada devido ao risco de viés.  

Quanto aos desfechos secundários, a gravidade da cicatriz renal foi relatada em 3 estudos com 428 crianças, sendo que apenas no estudo de Huang et al. houve menor volume da cicatriz renal no no grupo de corticosteroide com mediana de volume de 0,0 ml (intervalo de 0,0–4,5 ml) e no grupo controle de 1,5 ml (intervalo de 0–14,8 ml) com P valor < 0,01.

Entre os estudos, 2 deles, com um total de 272 crianças, relataram eventos adversos: Shaikh e colaboradores relataram que as taxas de resultados adversos não graves e graves (internações e bacteremias) foram semelhantes entre os grupos de corticosteroide (2,6%) e controle (2,9%); Dalt e colaboradores relataram apenas um caso de mudança comportamental transitória no grupo de corticosteroide, sem outros eventos adversos. 

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Limitações do estudo

Apenas dois estudos relataram eventos adversos. 

Conclusão

A revisão sistemática e meta-análise feitas por Jääskeläinen, Renko e Kuitunen mostraram evidências de qualidade moderada que sustentam o tratamento adjuvante com corticosteroides à antibioticoterapia para prevenir cicatrizes renais na pielonefrite aguda em crianças. O NNT para evitar cicatriz renal única foi oito. A antibioticoterapia usada nos estudos foi diversificada e por vezes a escolha da antibioticoterapia ficava a critério do pediatra assistente. Não houve relato da antibioticoterapia ser ajustada conforme urinocultura.

Antes de considerar o uso rotineiro de corticosteroides para todos os pacientes, são necessárias mais pesquisas sobre a eficácia e potencial dano do tratamento com corticosteroides, uma vez que a notificação de eventos adversos foi considerada insuficiente.  

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Jääskeläinen, J., Renko, M. & Kuitunen, I. Corticosteroids to prevent renal scarring in children with pyelonephritis: a systematic review and meta-analysis. J Nephrol (2023). DOI: 10.1007/s40620-022-01552-1