Covid-19: a contínua importância de detectar os assintomáticos

Um importante aspecto do combate à Covid-19 é a detecção dos assintomáticos, que sem sintomas (de 7 a 14 dias) ainda transmitem a doença.

Frente a atual pandemia da Covid-19, aprimoram-se as tentativas de controle da transmissão do novo coronavírus SARS-CoV-2. A doença continua sendo disseminada e diagnosticada em milhões de pessoas em diversos países do mundo, resultando no óbito de milhares de indivíduos. E não são poucos os esforços e medidas para evitar novos casos.

Um dos alvos principais consiste na detecção do indivíduo assintomático, o qual pode permanecer sem manifestar sintomas por uma média de sete dias, sendo sugerido até 14 dias. Nesse contexto, como ocorreu em diferentes casos de introdução da doença em diferentes países, o viajante assintomático representa um risco real para ampliar a distribuição da Covid-19 para distintas localidades. Aqui apresento um exemplo ocorrido em Heilongjiang, China.

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Representação gráfica do vírus causador da Covid-19, que permanece presente a ativo em assintomáticos

Estudo de caso em assintomáticos

Liu et al. (2020) descreveram detalhadamente no jornal científico Emerging Infectious Diseases a dinâmica de transmissão de SARS-CoV-2 a partir de um indivíduo assintomático com consequente infecção de mais de 71 outros casos. A província de Heilongjiang, na China, não apresentava casos novos de Covid-19 de 11 de março a 9 de abril de 2020. Nesta última data, quatro casos foram diagnosticados e mais de 71 novos foram contabilizados até 22 de abril, sugerindo possivelmente um grande novo surto local. Tais casos despertaram a atenção das autoridades locais que iniciaram as investigações. Segue a dinâmica dessa história (figura 1):

Figura 1. Linha do tempo de exposição e conexões entre os casos de Covid-19 entre pessoas em Heilongjiang, China (Fonte: Liu et al., 2020, Emerging Infect Dis) – disponível em: https://wwwnc.cdc.gov/eid/article/26/9/20-1798-f1)

 

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Passo a passo da transmissão

  1. 19 de março de 2020 — O paciente A0 (caso índice) realizou uma viagem de retorno dos Estados Unidos para a província de Heilongjiand, China, e permaneceu em isolamento em quarentena em sua residência sozinho, como solicitado pelas autoridades locais. Apresentou resultados negativos nos testes moleculares para detecção de SARS-Cov-2 e sorologia em 31 de março e 3 de abril de 2020.
  2. O paciente B1.1 era o vizinho do andar debaixo do paciente A0. Eles utilizaram o mesmo elevador do edifício onde residiam, mas não ao mesmo tempo e não tinham contato próximo. Em 26 de março, B2.2 (mãe do paciente B1.1) e B2.3 (namorado da mãe do paciente B1.1) visitaram o paciente B1.1 e permaneceram na residência durante a noite. No dia 29 de março, B2.2 e B2.3 estiveram em uma festa com o paciente C1.1 e seus filhos, C1.2 e C1.3.
  3. Em 2 de abril de 2020, o paciente C1.1 apresentou um quadro de acidente vascular encefálico (AVE) e foi internato no hospital 1. Seus filhos, C1.2 e C1.3, cuidaram do paciente C1.1 na área 1 (enfermaria) do hospital com contato com outros pacientes e equipe de saúde. Em 6 de abril de 2020, o paciente C1.1 foi transferido para o hospital 2 devido a um quadro febril, e C1.2 e C1.3 o acompanharam.
  4. Em 7 de abril de 2020, o paciente B2.3 apresentou os primeiros sintomas de Covid-19 e teve resultado do teste molecular positivo para SARS-CoV-2 em 9 de abril. Os contatos próximos, B1.1, B2.2, B2.2 e C1.1 também apresentaram resultados positivos entre 9 e 10 de abril. Nenhum desses indivíduos tiveram histórico de viagem prévia ou contato com indivíduos suspeitos ou confirmados com Covid-19 nos 14 dias prévios.
  5. Posteriormente, 28 pessoas foram infectadas com SARS-CoV-2 na área 1 do hospital 1, progredindo para infecções na sala de tomografia também, incluindo auxiliar de sala, enfermeiros e médicos. No hospital 2, 20 outras pessoas foram infectadas na área onde o paciente C1.1 esteve internado.
  6. Em 10 de abril de 2020, o caso índice apresentou sorologia negativa para IgM, mas positiva para IgG, indicando infecção prévia por SARS-CoV-2, sugerindo que o mesmo consistiu em um viajante assintomático com provável transmissão para B1.1 por superfícies no elevador do edifício residencial onde ambos vivem. Outros moradores do mesmo edifício tiveram testes moleculares e sorologias negativas.

Confirmação

Tal surto foi confirmado pelo sequenciamento do genoma de 21 amostras, indicando homologia completa em 18 casos e um a dois nucleotídeos distintos apenas entre os outros casos epidemiologicamente relacionados, sugerindo mesmo ponto de origem. Tais sequências foram distintas dos genomas virais circulantes previamente na China, confirmando um caso de importação do patógeno viral. Até o controle do surto, 71 casos foram detectados como pertencentes a esse cluster de Covid-19.

Esses achados reforçam a importância da detecção e controle de assintomáticos, especialmente viajantes por companhias aéreas. É importante ressaltar que possivelmente outros indivíduos foram infectados durante os voos e continuaram a cadeia de transmissão em outras localidades.

Os detalhes desse grande surto e de vários outros descritos em estudos podem ser verificados nas referências abaixo.

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