Pandemia por Covid-19 e o risco de suicídio

Artigo recente discute a situação da atual pandemia de Covid-19 e, dentro de suas consequências, especula sobre um possível aumento nos índices de suicídio.

Um recente artigo publicado no Lancet Psychiatry discute a situação da atual pandemia de Covid-19 e, dentro de suas consequências, especula sobre um possível aumento nos índices de suicídio. Quanto mais a doença se espalha, mais efeitos de longo prazo podem ser sentidos em diversas áreas da vida, gerando um maior impacto sobre populações consideradas como vulneráveis e, portanto, podendo afetar os índices de comportamento suicida. Por isso, é necessário pensar em medidas de prevenção ao suicídio de forma global e ampla.

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Homem com ideação suicida lamenta a situação gerada pela pandemia de Covid-19 e procura ajuda.

Pandemias e taxas de suicídio

Há evidências de que no passado as taxas de suicídio aumentaram nos EUA durante a pandemia por Influenza nas primeiras décadas do século XX. Relatos semelhantes foram observados na população mais idosa em Hong Kong em 2003, por ocasião da SARS. Mas, obviamente, o contexto em que se desenrola a atual pandemia é diferente dos anteriores. Por isso é necessário reconhecer os múltiplos fatores que podem estar por trás de um possível aumento do risco de suicídio e atuar sobre eles. Para tal, podemos lançar mão de diferentes níveis de intervenção, seja na esfera universal ou seletiva.

Prevenção de suicídio

As estratégias universais têm como alvo toda a população e foca em certos fatores de risco sem se concentrar em um único indivíduo com certos riscos. Elas visam a melhoria da saúde mental e a redução do risco de suicídio na população. Algumas dessas estratégias universais estão relacionadas aos seguintes aspectos: violência doméstica, isolamento/solidão/luto, consumo de álcool, problemas financeiros, questões referentes à divulgação midiática e o acesso aos meios para passar ao ato (quando já há uma ideação suicida). Já as intervenções seletivas são voltadas para os pacientes com maior risco de cometerem suicídio ou para o grupo de pessoas que já apresenta um comportamento suicida. Neste caso, as medidas são voltadas para diminuir o risco nesta população e constituem-se por foco em comportamento suicida atual e/ou pacientes com transtornos mentais.

Violência doméstica

Os casos podem aumentar durante o período de isolamento social. A resposta adequada a isso passa pelo desenvolvimento de estratégias para dar suporte aos pacientes que sofrem com essa situação e garantir meios para que possam deixar suas casas.

Violência doméstica durante a crise pela Covid-19

Isolamento/solidão/luto

Nesta fase de isolamento social e de distanciamento das pessoas é possível que haja uma exacerbação da sensação de medo. O sentimento de solidão pode aumentar, constituindo um importante fator de risco para suicídio. Situação essa também presente naqueles que estão vivendo luto. Por isso estratégias que envolvem amigos, familiares e a comunidade podem ajudar. Devem ser pensadas medidas que auxiliem aqueles que vivem só, solicitando a participação da comunidade. Já os familiares e amigos podem entrar em contato com certa frequência para verificar como essas pessoas estão. Os serviços de saúde mental e seus profissionais devem garantir ajuda aos pacientes que estão passando por um momento de luto. Enquanto isso, os governos deveriam implementar medidas de intervenção e investimento nessa área.

Consumo de álcool

O consumo de álcool também pode aumentar durante o período de isolamento social. Para lidar com isso propõe-se a organização de medidas de saúde pública (ex: enviar mensagens de texto lembrando sobre o consumo saudável ou deletério de bebidas alcoólicas ou recomendando a monitoração do consumo).

Desemprego e problemas financeiros

Constituem fatores de risco bem conhecidos e documentados. Por isso estratégias de auxílio governamental são importantes agora e no médio prazo. Nestes casos os governos deveriam providenciar medidas que garantam alguma segurança à população (como auxílio-desemprego, fundos de emergência ou auxílio alimentação e moradia).

Divulgação midiática

A divulgação midiática de casos de suicídio que não respeitam as recomendações e orientações dadas pelos respectivos órgãos de saúde pode também contribuir para o aumento do número de casos. A constante exposição do número de casos e de óbitos também pode desencadear sintomas mentais, o que também aumenta o risco. Recomenda-se, portanto, seguir as orientações das diretrizes já existentes a respeito.

Acesso aos meios para passar ao ato: este é um dos principais fatores de risco para suicídio. Alguns podem ser encontrados mais facilmente ou ter acesso facilitado e, portanto, possuem maiores chances até de serem estocados em casa. Os vendedores de tais artigos (ex: farmácias) devem ter uma atenção especial àqueles que apresentam alguma forma de sofrimento. Os governos e organizações não governamentais (ONGs) deveriam pensar em alguma forma de restrição das vendas neste período e/ou orientar a venda e a entrega desses produtos junto com mensagens sobre cuidado ao acesso à meios letais.

Comportamento suicida

Pacientes com ideação suicida necessitam de uma atenção especial. Algumas pessoas podem temer que os serviços de saúde estejam sobrecarregados ou que o atendimento presencial possa significar um risco de contaminação. Outras podem procurar ajuda através de serviços voluntários (como o CVV – Centro de Valorização da Vida), que podem estar também sobrecarregados, com aumento da demanda ao passo que sofrem com um menor número de voluntários.

Por isso, os serviços de saúde mental deveriam desenvolver estratégias de avaliação e cuidado para aqueles que possam apresentar um maior risco de ideação suicida, além de treinamento adequado para as novas formas de trabalho à distância. Já os trabalhos voluntários podem necessitar de um maior número de voluntários e suporte para continuarem a funcionar, além da oferta de relações de trabalho mais flexíveis.

O treinamento digital pode capacitar aqueles que nunca trabalharam nesse campo do suicídio para que atuem como voluntários ou mesmo em serviços de saúde mental. Intervenções online e aplicativos devem ser disponibilizados aos pacientes sob risco. Os profissionais de saúde mental e suas unidades de cuidado devem garantir a avaliação e a abordagem cuidadosa para os pacientes que já apresentam ou já apresentaram um comportamento suicida, o que pode incluir o uso de diretrizes para o manejo e atendimento à distância. Cabe aos governos garantir o que for necessário para que isso aconteça.

Pacientes com transtornos mentais

Um maior número de pessoas pode apresentar transtornos mentais (especialmente depressão, transtorno de estresse pós-traumático e transtornos ansiosos) e aquelas que já sofrem com esses podem experimentar uma piora dos seus quadros. Os sintomas de transtornos mentais podem ser vividos por qualquer pessoa, seja na população geral, entre os profissionais de saúde ou nos indivíduos contaminados. Isso por si só já causa um impacto e pode ser sentido em alguns serviços de saúde mental pelo mundo.

O acesso ao cuidado pode ser feito de diferentes formas (inclusive por meios digitais). O atendimento remoto já se encontra disponível em diversos locais, mas deve ser ampliado. Essa modalidade apresenta limitações e nem todos os pacientes podem se sentir confortável com ela, mas é uma forma de oferecer atenção e serviço de uma maneira importante neste momento. Deve-se também garantir o suporte aos profissionais de saúde que são mais afetados (ex: aqueles expostos a um maior volume de mortes traumáticas) e/ou que estão atuando na linha de frente. Eles devem ter condições adequadas para exercer suas funções (ex: equipamentos de proteção e intervalos durante o turno de trabalho). É dever dos governos garantir tais recursos.

Outras situações adversas relacionadas à pandemia de Covid-19 também causam um impacto relevante sobre a saúde mental:

  • Estigma: pacientes com Covid-19 e suas famílias podem ser estigmatizados aumentando também o risco de suicídio.
  • Interrupção ou mudança nas estratégias de ensino: muitos jovens podem estar ansiosos sobre seus futuros. É necessário o desenvolvimento de estratégias governamentais adequadas e adaptadas para lhes oferecer isso e garantir segurança.
  • Colher dados e realizar estudos. Ajudam a estimar o que está acontecendo e a esclarecer sobre outros fatores de risco. Lembrando que as tentativas de suicídio no Brasil são situações de notificação compulsória.

Saiba mais: Setembro Amarelo: taxa de suicídio aumenta 7% no Brasil em seis anos

Agravantes da pandemia de Covid-19 sobre o risco de suicídio

O impacto desta pandemia sobre o risco de suicídio vai variar conforme vários fatores, como as características demográficas e socioculturais; o funcionamento e as estratégias dos serviços públicos de saúde; o alcance de estratégias de atendimento e auxílio remoto à distância e da estrutura já disponível. Tal impacto pode ser maior em locais onde as adversidades socioeconômicas também são maiores. O limitado apoio social que essas populações recebem contribuem para um maior risco. Outros agravantes seriam: a violência, o efeito sobre os imigrantes (que geralmente constituem uma população vulnerável) e a temporária proibição de reuniões religiosas ou funerais. A desinformação e o estigma provocado pela doença atuam como agravantes nesse contexto.

A atual situação pode desencadear sofrimento em algumas pessoas, predispondo uma população vulnerável ao surgimento ou piora de transtornos mentais, incluindo a ideação suicida. Apesar de as consequências para a saúde mental já serem sentidas agora, é possível que observemos um aumento do número de casos num futuro próximo. Sabendo disso e munidos pelas já conhecidas estratégias de prevenção, podemos nos preparar.

Algumas das recomendações aqui citadas estão endossadas por vários órgãos internacionais.

Para mais informações sobre risco de suicídio e outros transtornos mentais aqui citados acesse o aplicativo do Whitebook.

Referências bibliográficas:

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