CROI 2022: controvérsias em hepatite B crônica

O tratamento e o manejo de hepatite B crônica ainda são cercados de controvérsias. Algumas foram discutidas no CROI 2022.

O tratamento e o manejo de hepatite B crônica ainda são cercados de controvérsias. Algumas foram discutidas no painel do Conference on Retoviruses and Opportunistic Infections 2022 (CROI 2022).

médico conversando com paciente sobre hepatite b crônica

Interrupção de tratamento de hepatite B

Classicamente, o tratamento de hepatite B crônica é realizado com análogos de nucleosídeo, como entecavir, tenofovir e lamivudina, por períodos prolongados. Uma das questões em debate é a possibilidade de suspensão desses medicamentos, considerando o risco de relapso da doença.

A interrupção de tratamento em pacientes cirróticos não é recomendada, uma vez que não há dados de segurança nessa população. Entretanto, para os infectados com HBV sem cirrose, algumas evidências apontam para a possibilidade de suspensão de tratamento.

Alguns estudos mostram que a interrupção de análogos de nucleosídeos após três anos está associada à cura funcional (com negativação de HBsAg) em até 20% da população estudada, mantendo-se com esse status durante os dois a três anos de seguimento. Contudo, até 40% dos participantes precisaram retornar o tratamento.

Um estudo global retrospectivo (RETRACT-B) analisou dados de 1.552 pacientes com HBV crônica, HBeAg negativos, que interromperam o tratamento. A população era predominantemente asiática (88%) e a maioria estava em uso de entecavir (63%). Nesse estudo, após 4 anos de seguimento, aproximadamente 13% dos indivíduos apresentaram HBsAg negativo e 55% necessitaram de retratamento. Os autores encontraram que aqueles com qHBsAg ≤ 100 UI/mL tinham 22 vezes maior chance de tornarem-se HBsAg negativos. Outro ponto interessante é que, dos que obtiveram cura funcional, 36,5% eram brancos e 10,6% eram asiáticos.

Outro estudo, dessa vez um ensaio clínico randomizado, denominado STOP-NUC Trial recrutou 158 pacientes com HBV crônica, HBeAg negativos, para interromper ou continuar tratamento com análogos de nucleosídeo. Diferente do estudo anterior, 80% da população era caucasiana. Em relação ao tratamento, 39% estavam em uso de entecavir e 51%, em uso de tenofovir. Após 96 semanas, somente indivíduos no braço que interrompeu a medicação apresentaram HBsAg negativo (8/79; 10,3%), sendo que HBsAg < 1000 UI/mL foi um fator preditivo para esse desfecho.

Entretanto, os dados são conflitantes. Outro ensaio clínico randomizado (Toronto STOP) que envolveu 67 pacientes com HBeAg negativo, em que 45 interromperam medicação e 22 continuaram, não encontrou diferença na proporção de indivíduos que se tornaram HBsAg negativos após 48 semanas. Um ponto de destaque é que 97% da população desse estudo era asiática, o que pode sugerir diferenças relacionadas à etnicidade na probabilidade de cura funcional com interrupção de análogos de nucleosídeo.

A quantificação de HBsAg parece ser um fator preditor consistente para o clearance de HBsAg. Uma revisão sistemática indica que HBsAg < 100 UI/mL esteve associado a menor risco de relapso e maior chance de clearance de HBsAg.

Alguns guidelines já adotam a interrupção de tratamento em casos bem definidos. O guideline da APASL recomenda a interrupção dos análogos de nucleosídeo nos pacientes com pelo menos 3 anos de tratamento, com HBV-DNA indetectável, HBsAg ≤ 100 UI/mL e soroconversão nos que eram HBeAg positivos. Já o guideline japonês incorpora, além dos critérios já descritos, um escore para avaliar o risco de relapso que avalia os níveis de HBsAg e HBcrAg. Aqueles considerados de alto risco não devem ter o tratamento interrompido.

Apesar do crescente acúmulo de evidências, não há dados referentes à população coinfectada com HIV/HBV. Por esse motivo, não há recomendação de interrupção de tratamento para o HBV nesses pacientes. Isso traz implicações na prática clínica no momento de troca de terapia antirretroviral, já que os análogos de nucleosídeo devem ser mantidos.

Rastreio de CHC

Outro ponto controverso é a necessidade de manter o rastreio para carcinoma hepatocelular (CHC) em pacientes com supressão virológica prolongada.

Em primeiro lugar, ressalta-se a importância do rastreio do CHC. Estudos mostram que o rastreio sistemático está associado à detecção precoce de CHC e a aumento de sobrevivência.

Estudos que avaliaram a incidência de CHC em pacientes com HBV mostra que a incidência é elevada nos primeiros cinco anos de uso de entecavir. Após esse período, há redução, mas a incidência permanece alta, especialmente nos indivíduos cirróticos. Outros estudos mostram que a descontinuação de análogos de nucleosídeo não parece aumentar o risco de CHC nos que são HBeAg negativos.

Assim, a recomendação continua sendo o rastreio com USG de abdome, com ou sem dosagem de alfa-feto-proteína a cada 6 meses, mesmo em pacientes com supressão viral por mais de cinco anos.

Hepatite B crônica: tratamento na imunotolerância

Na história natural da infecção crônica pelo HBV, indivíduos infectados passam primeiramente por uma fase de imunotolerância, em que há elevada replicação viral, com pouco dano hepático.

Tradicionalmente, pessoas na fase de imunotolerância não são tratadas, já que se acredita que há pouca atividade necroinflamatória no fígado nessa fase. Contudo, alguns estudos mostram que quase 40% de pacientes HBeAg positivos considerados como na fase de imunotolerância – com níveis normais de TGP – apresentam algum grau de fibrose.

Da mesma forma, outros estudos mostram que a resposta imunológica celular de indivíduos na fase de imunotolerância parece ser semelhante aos de pessoas com HBV crônica na fase ativa, indicando que há atividade inflamatória hepática mesmo nessa fase.

A autora destaca que, dentro da população considerada como na fase de imunotolerância, pode haver um grupo que se beneficie de tratamento e outro que realmente não necessite de terapia, mas essas subpopulações ainda precisam ser bem definidas.

Estamos acompanhando o CROI 2022. Fique ligado no Portal PEBMED!

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