Emagrecimento é um sinal de alarme acurado para malignidades?

Avaliação com 157.474 profissionais de saúde, acompanhados entre 1978 e 2016, verificou a relação entre emagrecimento e malignidade

Na prática clínica cotidiana é comum nos depararmos com pacientes em que constatamos a perda de peso não intencional. A síndrome consumptiva, geralmente definida por emagrecimento de ao menos 5% em seis meses, nos leva a preocupações diversas, entre as quais o desenvolvimento de malignidades, especialmente entre os indivíduos com mais de 60 anos.

O questionamento levantado, portanto, é o seguinte: qual a real chance de estarmos presenciando os pródromos de uma doença oncológica? A preocupação oncológica é corroborada pelo fato de que as doenças malignas respondem por um a cada cinco mortes nos EUA, com dados brasileiros semelhantes.

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Emagrecimento como sinal de malignidade

Análise recente

O estudo publicado em janeiro de 2024 no JAMA por Wang e colaboradores retrata a análise de uma coorte prospectiva americana que contemplou 157.474 profissionais de saúde, acompanhados entre 1978 e 2016, com tempo médio de seguimento de 28 anos e alocados a partir dos 40 anos nos estudos NHS e HPFS.

A mediana de idade foi de 62 anos, com predomínio de mulheres (71,1%) e da etnia branca (95,2%). Em um seguimento de 1,64 milhão de pessoas-ano, foram diagnosticados 15.809 novos casos de câncer, com uma taxa de incidência de 964 casos/100.000 pessoas-ano.

Os fatores de confusão para o emagrecimento buscaram ser elucidados a partir da identificação de comorbidades (DM2 descompensado, IAM recente, insuficiência cardíaca, doenças inflamatórias intestinais e depressão) e da intencionalidade do emagrecimento, abordada por questionários sobre a qualidade da dieta e a prática e intensidade de atividade física.

Outras variáveis analisadas incluíram a história familiar de malignidades, tabagismo, etilismo, índice de massa corporal, status de menopausa e terapia de reposição hormonal.

Observou-se que o emagrecimento recente, instalado nos últimos dois anos e superior a 10%, se associou a maior incidência de malignidades diagnosticadas no período de 12 meses subsequentes em comparação à ausência de emagrecimento: 1.362 vs. 869 casos/100.000 pessoas-ano (diferença entre grupos de 493 casos/100.000 pessoas-ano — IC 95%: 391 a 594, P < 0,001).

No grupo de baixa intencionalidade de emagrecimento, definido pela ausência de melhora da qualidade da dieta ou intensificação da prática de atividade física, a perda ponderal superior a 10% associou-se de forma mais robusta com o diagnóstico de neoplasias malignas em comparação ao grupo controle: 2.687 vs. 1.220 casos/100.000 pessoas-ano (diferença entre grupos de 1.467 casos/100.000 pessoas-ano — IC 95%: 799 – 2.135, P < 0,001).

Entre os pacientes com diagnóstico estabelecido de malignidade, 5% apresentaram emagrecimento superior a 10% e 15% apresentaram emagrecimento além de 5% do peso corporal nos 2 anos precedentes. O tempo médio entre o relato de mudança do peso e o diagnóstico oncológico foi de 6 meses.

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O risco absoluto anual de diagnóstico de malignidade foi de 3,2% (IC 95%: 2,4 – 4%) entre os pacientes com emagrecimento superior a 10% e baixa intencionalidade de emagrecimento, em comparação a 1,3% (IC 95%: 1,2 – 1,3%) no grupo sem perda ponderal recente (diferença entre os grupos: 1,9% – IC 95%: 1,1 – 2,7% – P < 0,001). O tabagismo potencializou o risco de malignidades entre os pacientes com emagrecimento (P < 0,05).

Os cânceres mais prevalentes no cenário de síndrome consumptiva foram os do trato gastrointestinal alto (esôfago, estômago, fígado, trato biliar ou pâncreas), hematológicos (linfoma não Hodgkin, mieloma múltiplo e leucemia), colorretal e pulmonar, nessa ordem. Por sua vez, não foi identificada associação estatística significativa entre emagrecimento e cânceres de mama, urogenitais, do sistema nervoso central ou melanoma. O emagrecimento não distinguiu entre os pacientes acometidos por doença localizada ou metastática (21,5% vs. 25,8%).

Conclusão e mensagens práticas 

  • O emagrecimento recente, especialmente o não intencional, se associou a risco significativamente maior de diagnóstico de malignidades nos 12 meses subsequentes, com destaque para os cânceres do trato gastrointestinal superior;
  • Apesar da impossibilidade de generalização dos dados para a população brasileira, os achados reforçam a necessidade de se considerar a investigação de malignidades diante de síndrome consumptiva, especialmente entre os tabagistas. Entretanto, destaca-se que a taxa anual de malignidade foi de 3,2% no subgrupo de maior risco, o que nos leva a contestar a custo-eficácia de uma avaliação exaustiva para malignidades nesse cenário;
  • As principais limitações do estudo incluíram a obtenção de dados por meio de questionários aplicados com intervalos temporais grandes (bianuais); o peso ter sido exclusivamente obtido por meio de autorrelatos; a ausência de discriminação da velocidade de emagrecimento; e ter se tratado apenas de profissionais de saúde americanos, que têm um maior nível de atenção sobre os sinais de alarme para malignidades e maior facilidade de acesso aos serviços de saúde.

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Wang QL, Babic A, Rosenthal MH, Lee AA, Zhang Y, Zhang X, Song M, Rezende LFM, Lee DH, Biller L, Ng K, Giannakis M, Chan AT, Meyerhardt JA, Fuchs CS, Eliassen AH, Birmann BM, Stampfer MJ, Giovannucci EL, Kraft P, Nowak JA, Yuan C, Wolpin BM. Cancer Diagnoses After Recent Weight Loss. JAMA. 2024 Jan 23;331(4):318-328. DOI: 10.1001/jama.2023.25869.