Fatores que influenciam no dano acumulado na síndrome antifosfolípide (SAF)

Estudo avaliou o dano acumulado pelos pacientes no APS ACTION, a maior coorte internacional de síndrome antifosfolípide (SAF) do mundo.

A síndrome antifosfolípide (SAF) é caracterizada pela ocorrência de eventos trombóticos e gestacionais na presença persistente de anticorpos antifosfolípides (aPL). A ocorrência desses eventos trombóticos pode levar a sequelas nos órgãos irrigados pelos vasos acometidos, resultando em disfunção permanente. Essas sequelas acumuladas por esses pacientes recebe a denominação de dano acumulado pela doença. No entanto, é curioso que alguns pacientes acumulam dano mesmo sem a documentação de tromboses, decorrente de manifestações não critério (ou não trombótica).

Leia também: ACR 2022: Novos critérios ACR/EULAR para Síndrome Antifosfolípide (SAF)

Dentre os objetivos do tratamento da SAF, devemos evitar a recorrência de eventos trombóticos, sempre que possível, e evitar o surgimento novos danos e progressão de danos pré-existentes, que podem afetar negativamente a qualidade de vida e a sobrevida desses pacientes.

Os fatores relacionados ao acúmulo de dano seguem pouco conhecidos. Neste estudo, avaliamos o dano acumulado pelos pacientes que foram incluídos na coorte do APS ACTION, a maior coorte internacional de SAF do mundo, e buscamos identificar os fatores que se associaram a um maior dano acumulado pela SAF na visita de inclusão nessa coorte.

Fatores que influenciam no dano acumulado na síndrome antifosfolípide (SAF)

Métodos

Trata-se de um estudo transversal que avaliou o dano acumulado pelos pacientes com positividade para aPL na visita de inclusão do APS ACTION (baseline). Foram excluídos os pacientes portadores de lúpus ou outras doenças autoimunes.

O dano acumulado foi avaliado através do DIAPS, instrumento que foi inicialmente validado em populações Latinas (inicialmente no México e, posteriormente, no Brasil). Um valor de DIAPS ≥3 é considerado como alto dano acumulado.

Os pacientes foram divididos em dois grupos: trombóticos (pacientes com SAF primária trombótica) e não trombóticos (que incluiu positividade para aPL em pacientes sem outras doenças autoimunes e SAF primário obstétrico). Dentro de cada grupo, foi calculado o DIAPS dos pacientes e aqueles com maior dano acumulado foram comparados com aqueles com menor dano acumulado, na tentativa de se identificar fatores associados ao dano.

Resultados

Foram incluídos 586 pacientes com positividade primária para aPL (412 trombóticos e 174 não trombóticos).

No grupo trombótico, o DIAPS mediano foi de 3 (desvio interquartílico 2-5), e 110 pacientes apresentaram alto dano (vs. 302 com baixo dano). Dentre os fatores correlacionados ao maior dano, fatores de risco cardiovasculares se mostraram significativos na análise multivariada (dislipidemia [OR 1,82 (1,05-3,15), p=0,032], obesidade [OR 2,14 (1,23-3,71), p=0,007]); o uso prévio de corticoides também aumentou o risco de maior dano acumulado (OR 3,73 [1,80-7,75], p<0,001). Com relação ao perfil de aPL, a presença de altos títulos de anti-beta-2 glicoproteína I também se associou ao maior dano.

Já no grupo não trombótico, 36 pacientes apresentaram dano (vs. 138 sem dano), mesmo não tendo apresentado nenhum evento trombótico documentado. A presença de fatores de risco cardiovasculares também se associaram à presença de dano, particularmente a dislipidemia (OR 4,32 [1,37-13,65], p=0,001) e a hipertensão arterial sistêmica (OR 4,55 [1,82-11,35], p=0,001]; a positividade isolada para aPL se correlacionou de maneira inversa com a presença de dano.

Saiba mais: Inibidores de transcriptase reversa e risco cardiovascular

Comentários

Encontramos que a presença de fatores de risco cardiovascular se associaram a um maior dano acumulado pela SAF em ambos os grupos. A teoria que explica esses achados é a teoria dos dois hits: a presença isolada de aPL não justifica a ocorrência de eventos trombóticos na maioria dos pacientes; nesse contexto, seria necessária a presença de um segundo fator (conhecido como second hit), que seria responsável por ativar o endotélio e levar à ocorrência desses eventos (nesse caso, os fatores de risco cardiovascular)

Apesar das limitações do estudo (que realizou uma análise transversal dos dados de registro de uma grande coorte multicêntrica), nossos dados estão em congruência com as análises de risco de recorrência de eventos, que também identificaram que os fatores de risco cardiovascular e perfis de aPL de alto risco podem influenciar na chance de novo evento (que consequentemente levaria a um maior dano acumulado, na presença de sequelas).

Desse modo, devemos dar ênfase no controle dos fatores de risco cardiovascular nos pacientes com SAF e positividade para aPL, na tentativa de minimizar as sequelas relacionadas à doença, além de minimizar o uso de corticoide sempre que possível.

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Balbi GGM, Ahmadzadeh Y, Tektonidou MG, et al. Damage measured by Damage Index for Antiphospholipid Syndrome (DIAPS) in antiphospholipid antibody-positive patients included in the APS ACTION registry, Rheumatology, 2023. DOI: 10.1093/rheumatology/kead292.

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