Há como predizer quem vai ter uma parada cardiorrespiratória (PCR) em FV ou TV?

Estudo buscou desenvolver um algoritmo para identificar quem teria maior risco de parada cardiorrespiratória (PCR) em FV ou TV na população.

Quando uma parada cardiorrespiratória (PCR) em fibrilação ventricular (FV) ou taquicardia ventricular (TV) ocorre no ambiente extra-hospitalar existe uma chance de tratamento com uso do desfibrilador. Diversos estudos já avaliaram, inclusive, benefício do cardioversor-desfibrilador implantável (CDI) como prevenção primária em grupos específicos de pacientes, principalmente os com fração de ejeção (FE) do ventrículo esquerdo reduzida, que tem risco de morte súbita aumentado. Porém, atualmente não há algoritmos de predição de risco de PCR em ritmos chocáveis para pacientes com FE preservada, o que seria de grande importância, já que este tipo de parada ocorre na maioria das vezes em pacientes deste grupo.

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Baseado nisso, foi feito um estudo com objetivo de desenvolver um algoritmo para identificar quem teria maior risco de PCR em FV ou TV na população geral, independente da FE. Esse escore foi desenvolvido e validado como preditor de risco para identificar pacientes com síndrome coronariana aguda manifesta como PCR em FV ou TV em uma população de risco intermediário para doença arterial coronariana (DAC).

A DAC é o fator de risco mais comum para PCR, com até 70% dos pacientes com DAC documentada antes ou durante a PCR, porém não é um marcador específico de risco e este estudo foi desenhado para identificar outros fatores envolvidos.

Há como predizer quem vai ter uma parada cardiorrespiratória em FV ou TV?

Características do estudo e população envolvida

Os participantes do estudo, que tiveram PCR extra-hospitalar, foram identificados entre 2002 e 2019 e incluídos de forma prospectiva. Os critérios de inclusão eram idade maior que 18 anos, disponibilidade de informações de saúde prévias documentadas em prontuário médico e PCR em FV ou TV no momento do atendimento pelo serviço médico de emergência. Os com causas não cardíacas de PCR ou doença terminal foram excluídos.

O grupo controle foi composto por pacientes com alta prevalência de DAC, sem história de arritmias ou parada cardiorrespiratória (PCR), que moravam na mesma região geográfica, no estado de Oregon. Foram selecionados a partir de exames de imagem com isquemia, angiografia ou após consulta com cardiologista em algum dos hospitais participantes.

Uma parte dos pacientes foi avaliada inicialmente e deu origem aos dados do algoritmo e uma segunda parte foi avaliada como forma de validação interna. Após, os resultados encontrados foram validados externamente em outro centro, na Califórnia, com um grupo de pacientes maior, incluídos de 2015 a 2020. Para esta amostra foram incluídos 2 casos para cada controle.

Foram avaliados preditores clínicos, eletrocardiográficos e ecocardiográficos e construídos 5 modelos separados de predição de risco, com diversas combinações. Para avaliar a discriminação de cada modelo foi utilizada a curva ROC.

Resultados

Em relação aos ritmos de PCR, 93% foram FV e 7% TV. Na primeira análise de dados houve 1374 PCR em FV ou TV, com idade média de 64 anos e 77% do sexo masculino. Esses pacientes foram comparados a 1600 pacientes controle, com idade média de 65 anos e 67% do sexo masculino.

No grupo avaliado inicialmente, pacientes com PCR tinham maior prevalência de tabagismo, diabetes, obesidade, insuficiência cardíaca, acidente vascular cerebral (AVC), fibrilação atrial (FA), convulsões e síncope. Esses pacientes também tiveram alterações eletrocardiográficas e ecocardiográficas com maior frequência.

Após análises de cada um dos 5 modelos, o modelo final de predição de risco, chamado VFRisk, incluiu 13 componentes com 8 preditores clínicos (diabetes, insuficiência cardíaca, AVC, FA, infarto prévio, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), convulsões e síncope), 4 eletrocardiográficos (frequência cardíaca em repouso, intervalo QTc, intervalo entre pico e término da onda T, atraso da deflexão intrinsecoide) e 1 ecocardiográfico (hipertrofia ventricular esquerda). Quando os dados foram validados no segundo grupo houve muito boa discriminação.

Quando realizada a validação externa do escore VFRisk também houve boa performance e muito boa discriminação, com resultados consistentes. Na análise de subgrupos não houve diferença em relação a sexo, idade e FE.

Comentários e conclusão

Esse é o primeiro algoritmo clínico que avaliou risco de parada cardiorrespiratória (PCR) em ritmos chocáveis independente da FE e, de forma interessante, a maioria dos pacientes que tiveram PCR tinham FE preservada. A criação do algoritmo foi baseada na análise de dados de pacientes que tiveram PCR comparados a um grupo controle que tinha a maioria dos pacientes com doença coronária diagnosticada. Todas as variáveis clínicas tiveram associação individual com aumento do risco de PCR e a inclusão de hipertrofia ventricular esquerda foi um parâmetro novo do ecocardiograma a ser utilizado com este fim.

A melhor performance da estratificação de risco foi com a associação das variáveis clínicas, eletrocardiográficas e ecocardiográficas, além de essa performance ter se mantido quando avaliados diferentes grupos de idade, sexo e FE.

Uma grande vantagem desse escore é a utilização de variáveis clínicas e de exames complementares que são não invasivos e facilmente obtidos na prática clínica. Esse escore pode contribuir facilitando o desenho de estudos randomizados para avaliação de CDI como prevenção primária em pacientes com FE maior que 35% e refinar a indicação de uso desse dispositivo em pacientes com FE reduzida.

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Apesar disso, alguns cuidados devem ser tomados, como o fato de ser um estudo que pode ter algum viés de seleção, como a não inclusão de pacientes que não conseguiram acionar o sistema de saúde, por falta de tempo ou não terem tido sintomas antes da PCR. Além disso, pode haver casos em que a PCR em FV ou TV evoluiu para ritmos não chocáveis na chegada do serviço de emergência.

O ideal é que antes do uso desse escore na prática clínica seja feito um estudo randomizado para confirmar esses achados, e o mais interessante seria avaliar a utilização do CDI para prevenção primária nos pacientes de alto risco pelo algoritmo. Porém ainda há um grande caminho pela frente até que consigamos confirmar qual grupo tem benefício real do dispositivo.

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Chugh SS, et al. Prediction of Sudden Cardiac Death Manifesting With Documented Ventricular Fibrillation or Pulseless Ventricular Tachycardia. JACC: Clinical Electrophysiology. 2022;8(4):411-423. DOI: 10.1016/j.jacep.2022.02.004.

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