Hepatite: Existe risco pós-vacina contra covid-19?

Foram coletados de maneira retrospectiva dados de pacientes que desenvolveram hepatite após vacinação contra covid-19 em 18 países.

Alguns relatos de caso de lesão hepática semelhante à hepatite autoimune foram relatados após a vacinação contra o vírus SARS-CoV-2. Sabe-se que as vacinas contra covid-19 desencadeiam resposta imune mediada por interferon, o que em tese poderia aumentar o risco de doenças autoimunes induzidas pela vacina.  Efe e colaboradores realizaram estudo multicêntrico para avaliar as características clínicas, a resposta ao tratamento e os resultados da lesão hepática após a vacinação contra o SARS-CoV-2.

hepatite

Métodos

Foram coletados de maneira retrospectiva dados de pacientes que desenvolveram lesão hepática após vacinação contra covid-19 em 18 países. O tipo de lesão hepática foi avaliado pelo valor R. Definiu-se lesão hepática aguda como elevação de alanina ou aspartato aminotransferase (ALT ou AST) ≥ 5x limite superior do normal (LSN) e/ou fosfatase alcalina (FA) ≥ 2x LSN ou ALT/AST≥ 3x LSN e bilirrubina ≥ 2x LSN. A lesão hepática foi classificada como hepatocelular se a razão R fosse > 5, como misto se 2-5 e como colestático se < 2. A gravidade da lesão hepática foi categorizada como:

  • (1) leve se as elevações das enzimas séricas preencheram critérios para lesão hepática, mas a concentração de bilirrubina permaneceu <2x LSN;
  • (2) moderada se  bilirrubina ≥2x LSN ou hepatite sintomática;
  • (3) grave se concentração de bilirrubina ≥2x LSN e sinais de insuficiência hepática (RNI ≥1,5, ascite e/ou encefalopatia) ou outra insuficiência de órgãos secundária a lesão hepática;
  • (4) fatal se morte por doença hepática ou necessidade de transplante de fígado. O escore simplificado foi utilizado para diagnóstico de hepatite autoimune (HAI).

Resultados

Foram identificados 87 pacientes (63% do sexo feminino), com idade mediana de 48 (variação: 18–79) anos na apresentação. A lesão hepática foi diagnosticada em média 15 (intervalo: 3-65) dias após a vacinação. Cinquenta e um casos (59%) foram atribuídos à vacina Pfizer-BioNTech (BNT162b2), 20 (23%) à vacina Oxford-AstraZeneca (ChAdOX1 nCoV-19) e 16 (18%) à vacina da Moderna (mRNA -1273). A lesão hepática foi predominantemente hepatocelular (84%) e 57% dos pacientes apresentaram características de hepatite imunomediada. Vinte e quatro pacientes (28%) já apresentavam doenças autoimunes antes da vacinação. Autoanticorpos foram estudados em 83 (95%) pacientes. Dentre estes, o anticorpo anti-núcleo (FAN) foi positivo em 56 (67%), o anti-músculo liso em 15 (18%) e o anti-mitocôndria em cinco (6%). Ambos anti-SLA e anti-citosol hepático tipo 1 foram detectados em um paciente. O nível de IgG foi medido em 79 (91%) pacientes, sendo observada hipergamaglobulinemia em 53 (67%) destes. Os picos de AST x LSN e ALT x LSN foram de 15,4 (1,8-250) e 16,7(3,1-203,7), respectivamente. Quarenta e quatro pacientes foram biopsiados. Desses, 34 (77%) receberiam diagnóstico de HAI provável/definitiva de acordo com os critérios simplificados. Entre os 35 casos não submetidos a biópsia hepática, 12 (34%) ainda atingiram um escore de HAI provável. Corticosteroides foram administrados a 46 (53%) pacientes, mais frequentemente para aqueles com lesão hepática grau 3-4 (88,9% vs 43,5% para lesão hepática grau 1-2, p=0,001) ou com hepatite imunomediada (71,1% vs 38,2% sem lesão imunomediada, p=0,003).

Um segundo imunossupressor (azatioprina ou micofenolato) foi associado para 11 indivíduos. Todos os pacientes apresentaram resolução da lesão hepática, exceto um homem (1,1%) que desenvolveu insuficiência hepática e foi submetido a transplante hepático. Dois pacientes que desenvolveram lesão hepática após a vacina da Oxford-AstraZeneca, não apresentaram alterações ao receberem a vacina da Pfizer-BioNTech na segunda dose da vacina. Por outro lado, um paciente com lesão hepática leve após a primeira dose da vacina Pfizer-BioNTech, apresentou hepatite grave após uma segunda dose da mesma vacina.

A corticoterapia foi retirada durante o período de observação em 12 (26%) pacientes após a resolução bioquímica completa. Nenhum deles teve uma recaída durante o acompanhamento (44-140 dias). O tempo médio entre o início da lesão hepática até a normalização das aminotransferases foi de 46 (15-185) dias, sem diferença estatisticamente significativa entre os tratados com corticosteroides e os não tratados (60 vs. 39, p=0,085).

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Mensagens práticas

O mecanismo exato da lesão hepática induzida pela vacina contra SARS-CoV-2 não é conhecido, mas acredita-se que seja associado a uma resposta imune desregulada desencadeada pela semelhança molecular entre a proteína S e proteínas específicas do fígado. Como mensagens práticas, esse estudo deixa claro que:

  • A vacina contra covid-19 pode induzir hepatite imunomediada de padrão hepatocelular, com positivação de autoanticorpos.
  • Caso um paciente desenvolva hepatite após a vacinação, deve-se evitar utilizar a mesma vacina em eventuais doses subsequentes.
  • A resolução espontânea é comum, a resposta aos corticoesteróides boa e o prognóstico favorável.
  • O desenho do estudo não permite concluir se existe maior risco de hepatite com um determinado subtipo de vacina.

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Efe C, et al. Liver injury after SARS-CoV-2 vaccination: Features of immune-mediated hepatitis, role of corticosteroid therapy and outcome. Hepatology. 2022 May 14. doi: 10.1002/hep.32572. Epub ahead of print. PMID: 35567545.