IM/ACP 2022: o que vem funcionando para a obesidade?

Um dos temas abordados na tarde do último dia do Internal Medicine Meeting (IM/ACP 2022) do American College of Physicians foi obesidade.

Um dos temas abordados na tarde do último dia do Internal Medicine Meeting (IM/ACP 2022) do American College of Physicians foi obesidade. Um assunto até certo tempo atrás “esquecido” na prática clínica pela relativa dificuldade em se estabelecer um tratamento, mas que vem ganhando campo cada vez mais com o avanço em terapias e conhecimento a respeito de medicações, dos benefícios a longo prazo de tratamentos cirúrgicos e se entendendo cada vez mais a importância de se intervir numa condição patológica que é base para diversas alterações metabólicas, como por exemplo, a resistência insulínica.

Para isso a Dra Adrienne Youdim, internista, professora da UCLA (e dona do podcast HealthBite) trouxe em sua palestra uma abordagem bem global sobre a obesidade para o clínico.

paciente em cima de uma balança com fita métrica na frente para medir IMC de obesidade

Obesidade

42% da população americana tem obesidade, ou seja, um IMC maior ou igual a 30 kg/m², sendo que 9% tem obesidade grave (IMC maior que 40 kg/m²). Esses dados são baseados em levantamentos de 2017 a 2018, publicados no JAMA, e portanto ainda sem considerar possíveis impactos da pandemia. E por que a obesidade vem crescendo?

Em primeiro lugar, trata-se de uma doença multifatorial. Claro, o primeiro e mais importante fator é o desbalanço calórico, com ingesta maior que o gasto. Porém existem diversos fatores que interferem no ganho de peso, levando a aumento do apetite e alterações menores do metabolismo. São fatores que podem interferir nessas variáveis: microbiota, o ritmo circadiano de trabalho, horário de alimentação, medicações, genética e epigenética e até mesmo traumas de infância. Além disso, existe uma grande dificuldade na perda de peso também por diversos motivos, desde motivacionais, sociais, até fisiológicos: nosso corpo está programado para manutenção do peso e conservação de energia.

Existem diversos sinalizadores de curto e longo prazo na homeostase do apetite. De forma sucinta, a curto prazo vários sinalizadores como GLP-1, PYY e amilina são anorexígenos, ou seja, agem em vias centrais do controle do apetite de forma a inibi-lo. Dentre os controladores a longo prazo, o principal é o hormônio leptina, produzidos pelas células adiposas e de ação também nas vias centrais do apetite, sinalizando saciedade.

Mas não comemos apenas por necessidade fisiológica. O sistema límbico também tem um papel crucial, sendo responsável pelo “apetite hedônico”, controlado sobretudo pela dopamina, integrando memórias afetivas, vontade, prazer, sensação de recompensa e o “craving” (fissura). Ainda, não comemos só por vontade ou por necessidade, mas também há o fator estresse: quando estamos submetidos a condições assim, existe comprovação de haver aumento na grelina, sabidamente orexigênica (ou seja, aumenta o apetite).

Perda de peso e manutenção

Mas a obesidade não é matemática. Perder peso não é como ganhar. Diversos fatores interferem:

  • Pessoas que perdem peso tem maiores níveis de grelina. Uma perda de cerca de 10% do peso seguindo uma dieta hipocalórica aumenta níveis de grelina em 30%, mesmo um ano após! Ou seja, na prática, de fato pessoas que perdem peso tem mais fome.
  • Diversos sinalizadores anorexígenos (GLP-1, PYY) por outro lado, caem
  • Com a redução do tecido adiposo, há menor produção de leptina, reduzindo também a sinalização anorexígena importante desse hormônio.
  • E não mencionado na palestra, mas vale lembrar que a perda de peso leva a uma redução óbvia da taxa metabólica basal, já que há uma redução na quantidade de tecido, dificultando ainda mais, uma vez que será necessário manter uma dieta mais restrita para se manter o ritmo de perda de peso.

Intervenções: dieta

Primeira mensagem: estudos que comparam diferentes estratégias de dieta não mostram diferenças na perda de peso entre si. Este mês foi publicado no NEJM um estudo a respeito de jejum intermitente vs restrição calórica, sem diferença. Ela segue com diversos exemplos. O que importa, no final, é a restrição na quantidade de calorias ingeridas. O que mais pode funcionar?

Evidências mostram que dietas com maior ingesta proteica aumentam a saciedade e reduzem a chance de “lanches” após (no entanto, vale lembrar que a proporção entre os diversos macronutrientes não é o fator determinante na perda de peso). Ter uma ingestão proteica adequada mesmo dentro da dieta pode por outro lado preservar a massa magra, mitigando a sua perda e aumentando a proporção de perda de gordura (lembrando que no processo de emagrecimento, perdemos tanto gordura quanto massa magra).

Uma ingesta em média de 80g de proteína por dia numa dieta pode resultar numa proporção de 30% de perda de massa/70% de gordura, enquanto 40g pode causar a perda de até 58% de massa magra.

Atividade física

A mensagem é clara: atividade física, de forma geral, não é responsável por levar a perda de peso, mas fundamental para manutenção do peso. É importante ressaltar que a atividade física é fundamental em manter a massa magra, o que contribui para melhorar a taxa metabólica basal.

Sono

Estudos observacionais mostram que existe uma tendência maior a ganho de peso quanto menor o tempo de sono que o indivíduo tem por noite. Em estudos fisiológicos, basta 2 dias de privação de sono para que aconteça um rearranjo dos hormônios e sinalizadores do apetite: -18% leptina, +28% grelina, +24% fome, +32% apetite por alimentos altamente palatáveis (quem nunca saiu de um plantão onde não dormiu e no dia seguinte se “presenteou” com uma comida mais calórica?)

Medicações antiobesidade

Todas as medidas devem ser utilizadas. Quando combinadas com orientação adequada, elas tem um impacto muito importante no controle dessa condição. Sempre indicado no manejo em indivíduos com IMC > 30 kg/m² ou IMC > 27 com pelo menos uma comorbidade relacionada à obesidade. O objetivo do ponto de vista médico é uma perda entre 5 e 10%. E de onde vem esses números mágicos?

Diversos estudos mostram que há melhora de HbA1c, PA, colesterol, TG, SAHOS, qualidade de vida e até mesmo reversão de infertilidade.

Sobre as medicações, a Dra. Adrienne Youdim abordou as aprovadas pelo FDA (e por isso ela incluiu a fentermina e combinação fentermina/topiramato, mas não abordou a sibutramina). De forma sucinta, os highlights:

Orlistat:

  • É um inibidor da lipase gástrica e pancreática;
  • Efeitos colaterais: flatulência, urgência fecal, esteatorreia;
  • Contraindicação: doenças disabsortivas;
  • 120 mg 3x/dia pré-refeições.

Bupropiona/Naltrexona (aprovada recentemente no Brasil):

  • Inibidor da recaptação de dopamina/noradrenalina + antagonista opioide;
  • Efeitos colaterais: náuseas, vômitos, cefaleia, constipação, tontura;
  • Contraindicações: epilepsia ou crises convulsivas, anorexia, bulimia, uso de iMAO, abstinência/desmame de álcool e drogas;
  • Dose: 8/90 mg 1x/d na primeira semana; aumenta 1 cp/dia por semana, chegando a 2 cps 2x/dia (evitar náuseas, cefaleia e tontura).

Semaglutida:

  • Agonista de GLP-1, inicialmente desenhado para controle de diabetes, reduzindo trânsito gástrico e sinalizando saciedade;
  • Efeitos colaterais: náuseas, vômitos, constipação;
  • Contraindicações: carcinoma medular de tireoide e neoplasia endócrina múltipla 2;
  • Dose: 0,25 mg 1x/semana, com progressões a cada 4 semanas. Atualmente, o FDA aprovou doses de até 2,4 mg/semana (no Brasil, o Ozempic vai até a dose de 1 mg).

*Liraglutida diário também está disponível, mas já há estudos comparando ambas as medicações, mostrando maior eficácia no uso da semaglutida. Revisamos esse estudo aqui no Portal.

** Lembrando que todas as medicações devem ser prescritas por um médico com adequado acompanhamento.

Cirurgia

Quantos já ouviram a frase “não acredito em cirurgia”? Na ciência não há espaço para se acreditar ou não – existem quilômetros de evidências mostrando benefícios em desfechos duros ao se empregar a cirurgia em pessoas com indicação. E quais seriam?

IMC > 40 kg/m² ou IMC > 35 kg/m² com uma ou mais comorbidades relacionadas à obesidade.

Importante ressaltar que existem benefícios metabólicos que vão além da perda de peso, havendo por exemplo redução dos níveis de grelina após a cirurgia, aumento de GLP-1 e PYY. Existe redução de mortalidade, além de melhor controle de diabetes (levando até a remissão em alguns casos), hipertensão e outros fatores de risco.

Viés de obesidade

O pior de tudo: estudos provam que pacientes com obesidade sofrem preconceito mesmo de equipes multiprofissionais de saúde. Isso tem impacto direto em seu cuidado.

Mensagem final

Hoje, existem diversas ferramentas que podemos e devemos oferecer aos nossos pacientes. O tratamento da obesidade deve ser um dos pilares do cuidado, sobretudo quando pensamos em redução de risco de eventos e melhora da qualidade de vida.

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