Kratom: a nova droga com implicações anestésicas

O Kratom, é uma droga utilizada em alguns países, principalmente nos Estados Unidos e está gradativamente sendo introduzida no Brasil.

A grande incidência de pacientes com dor crônica e a dificuldade em realizar tratamentos eficazes acaba levando muitos pacientes a recorrer a outras drogas supostamente “naturais” que têm como um os efeitos a melhora das condições álgicas do paciente, tanto na parte física como emocional.

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Nos EUA, o Kratom está sendo utilizado como uma alternativa ao tratamento com opioides, principalmente devido ao grande uso deles pela população americana, levando a dependência e em alguns casos óbito. Para os americanos é também considerada uma droga natural, legal, de fácil acesso e que não precisa de prescrição para sua compra, sendo utilizada como automedicação para casos de dores crônica, desintoxicação por opioides, principalmente a Oxicodona, vícios em outras drogas psicoativas, tabaco, álcool e outras condições mentais. No Brasil, porém, a ANVISA incluiu a substância como substância psicoativa natural baseada no Decreto 5912/06, Art. 141ª, onde uma substância ou produto que seja capaz de levar a dependência, permaneça como lícita até ser incluída na lista de substâncias proibidas, ou seja, apesar do Kratom ser mencionado na lista, ainda não é considerado uma substância ilícita ou de controle especial.

O Kratom é uma erva extraída das folhas da Mitragyna speciosa, muito utilizada de forma mastigável pela população nativa do Sudeste asiático por suas propriedades analgésicas e estimulantes. Atualmente vem sendo vendida principalmente em forma de cápsulas e líquidos e estudos demonstram que, quando utilizada em doses baixas, possui efeito estimulante e em doses mais altas possui efeitos analgésicos.

De vido as suas ações farmacológicas e com o avanço do seu uso em solo brasileiro, é importante que os profissionais anestesistas tenham conhecimento se o paciente está fazendo uso ou não dessa substância, pois ela pode interferir de forma direta na anestesia, além de poder desencadear efeitos fisiológicos inesperados ao interagir com as drogas anestésicas utilizadas. Existem apenas duas breves publicações sobre interação anestésica e uso de Kratom, sendo uma com desfecho desfavorável, onde o paciente necessitou de terapia intensiva no período pós-operatório.

Kratom: a nova droga com implicações anestésicas

Farmacologia

A farmacologia do Kratom é bastante complexa e ainda necessita de mais estudos, mas sabe-se que baixas doses produzem efeitos estimulantes enquanto altas doses possuem efeitos analgésicos podendo ser superiores aos da morfina. Na análise da sua estrutura foram encontrados mais de 40 substâncias alcaloides, sendo a mais predominante a mitragnine, porém a 7-hidroximitragnine é a mais biologicamente ativa, podendo alcançar uma potência superior a cinco vezes da morfina, apenas com ingestão oral.

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O Kratom age como agonistas da proteína G nos receptores opioides e antagonistas dos subtipos kappa e delta, fazendo com que não promova tanto efeito no sistema respiratório, como depressão, efeito sedativo e gastrointestinal como nos casos dos opioides. Além disso também possui efeitos inibitórios sobre a cicloxigenase-2 e na produção de prostaglandinas levando a efeitos anti-inflamatórios.

Também atuam como antagonista dos receptores de serotonina e dopamina levando a efeitos antidepressivos e antipsicóticos e como alfa-2-adrenérgicos reduzindo a ansiedade.

Uso geral

Nos EUA existe uma comunidade de usuários de Kratom, American Kratom Association (AKA) que colabora com pesquisas e estudos relacionados ao uso da substância. Cerca de 15 milhões de americanos fazem uso da substâncias em prescrição, com uma dosagem de 3 a 5 g até duas vezes ao dia. Os efeitos colaterais relatados incluem anorexia, náuseas, prurido, boca seca; e em usuários crônicos a longo prazo: constipação, insônia, hiperpigmentação facial e poliúria. Todos os pacientes relatam melhora significativa da saúde mental.

Alguns efeitos colaterais severos foram relatados porém relacionados ao mal uso ou sobredosagem da substância, como convulsões, encefalopatia, ataque cardíaco, lesão hepática, hipotireoidismo e óbito.

A maior parte dos óbitos estavam relacionados a adulteração de produtos ou ao uso concomitante com outras substâncias psicoativas.

Sinais e sintomas de abstinência também foram relatados em usuários crônicos e um caso de reversão com naloxona está descrito. O que nos faz entender que a substância possui efeitos significativos no organismo e deve ser utilizada apenas com prescrição médica.

Como o Kratom é vendido como uma substância natural com efeitos energéticos, controle da ansiedade e alívio da dor sem necessidade de prescrição e com o avanço do uso da substância no Brasil, porém com pouca informação técnica e pelo aumento da sua popularidade e promessas de tratamentos, principalmente por grupos e fóruns da internet e pela ainda não regulamentação oficial da droga, muitos pacientes estão começando a fazer uso indiscriminado da substância, fato que deve ser levado em conta na visita pré-anestésica para que o profissional fique atento a possíveis alterações inesperadas durante um procedimento cirúrgico, uma vez que desfechos desfavoráveis com necessidade de internação em unidade fechada e maior permanência hospitalar já foram relatados. Deve-se, portanto, perguntar diretamente ao paciente sobre o uso da droga, uma vez que muitos pacientes não relatam seu uso por não acharem significativo e relevante.

Provavelmente em pouco tempo a Anvisa irá enquadrar a substância na lista de medicações controladas ou ilícitas, porém até esse momento, e a fim de se evitar desfechos desagradáveis, seria importante solicitar a suspensão do uso dessa substância pelo menos uma a duas semana antes da realização do procedimento.

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Garmon EH, Olson K. Narrative Review of Kratom, an Emerging Psychoactive Substance With Perianesthetic Implications. Anesth Analg. 2022 Dec 1;135(6):1180-1188. DOI: 10.1213/ANE.0000000000006177

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