A leishmaniose cutânea (LC) é a forma clínica mais prevalente da infecção pela Leishmania braziliensis e se caracteriza por apresentar um intenso infiltrado inflamatório com predomínio de linfócitos e células mononucleares. Ainda que essa inflamação seja uma resposta natural, a produção exagerada de citocinas induz dano tecidual e formação de úlceras cutâneas. Atualmente, o tratamento da leishmaniose cutânea se baseia no uso do antimônio pentavalente, porém, há elevada taxa de falha terapêutica, podendo chegar a 70%. Além disso, pacientes na fase pré-ulcerativa da doença e idosos possuem maior chance de falha.
Pesquisas recentes têm mostrado a possibilidade do uso de antidiabéticos na regulação da resposta imune de diversos tipos de doenças inflamatórias, como esclerose múltipla e psoríase. A pioglitazona é um antidiabético que faz parte das tiazolidinedionas. Essa classe de drogas atua reduzindo a resistência à insulina ao se ligar ao receptor gama ativado por proliferados peroxissômico (PPAR-γ). Acontece que o PPAR-γ é um receptor nuclear que também é expresso em diversas células que fazem parte da resposta imune, como monócitos, macrófagos, células dendríticas e linfócitos.
Um grupo brasileiro realizou um estudo com o objetivo de avaliar o uso da pioglitazona na regulação da resposta inflamatória e morte de L braziliensis por monócitos.
Métodos
Quinze pacientes com diagnóstico de leishmaniose cutânea foram recrutados de uma área endêmica da doença (Corte de Pedra, Bahia) e 12 pacientes de área não endêmica e que não tinham exposição relatada à doença compuseram o grupo controle. Os critérios diagnósticos consistiam em presença de lesão ulcerada na pele, sem evidência de envolvimento de mucosa e PCR positivo.
Resultados
A exposição à pioglitazona desviou os monócitos para um perfil de ativação alternativo, o que diminuiu a produção de TNF, IL-1β, IL-6, MMP9 e sCD163, porém, sem diminuição da produção de espécies reativas de oxigênio (ROS) pelos macrófagos.
Considerações
Estudos prévios mostram que a associação do antimônio com drogas imunomoduladoras é benéfica, o que faz sentido quando levamos em consideração a patogênese da leishmaniose cutânea. O uso tópico do fator estimulante de colônias de granulócitos/macrófagos em associação com antimônio diminuiu o tempo de cicatrização de pacientes com LC refratária. A pentoxifilina (droga que reduz a produção de TNF) também foi eficaz no tratamento de pacientes com leishmaniose mucocutânea, quando associada ao antimônio. Assim, o desenvolvimento de um tratamento que diminua não só a replicação do parasita, mas também a inflamação, é de grande importância.
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Mensagem prática
A produção de ROS é o principal mecanismo pelo qual macrófagos/monócitos agem contra a L braziliensis. Ou seja, a droga reduz a resposta inflamatória, porém, sem interferir na destruição parasitária. Sugerindo, assim, que a pioglitazona seria uma interessante medicação para ser associada ao antimônio no tratamento de pacientes com leishmaniose cutânea, principalmente em formulações tópicas, o que reduziria a chance de efeitos colaterais sistêmicos.