Os traumas indiretos aos profissionais que auxiliam no controle da Covid-19

O estresse psicológico gerado nos profissionais envolvidos nos cuidados às vítimas da Covid-19 assume um peso significativo na rotina diária.

Desde dezembro de 2019, a emergência do novo coronavírus, SARS-CoV-2, responsável pela síndrome respiratória Covid-19, a partir de Wuhan, província de Hubei, na China, tem incitado diversos questionamentos e mudanças em perfis de trabalho em todo o mundo.

De uma maneira muito peculiar, e não necessariamente respeitada por muitos, o estresse psicológico gerado nos diversos segmentos profissionais envolvidos nos cuidados com as vítimas da Covid-19, tanto na equipe médica quanto voluntários, assume um peso significativo na rotina diária.

Médicos se apoiam durante momento estressante na pandemia da Covid-19.

Traumas indiretos pela Covid-19

O medo do contágio, a pressão da vigilância e proteção, e o cansaço das horas intensas sob risco, têm resultado em uma variedade de alterações psicológicas nos protagonistas desse cenário. Alguns autores denominam esse fenômeno como vicarious traumatization, possivelmente definido como traumas indiretos ou inferidos gerados por desastres ou tragédias cruéis ou destrutivas, frente aos quais o grau do dano/risco excede a tolerância psicológica e emocional, e indiretamente leva a vários transtornos psicológicos.

Os principais efeitos do vicarious traumatization nos profissionais de saúde e colaboradores em um cenário sob risco são:

  • Anorexia;
  • Hiporexia;
  • Fadiga;
  • Atrofia física;
  • Alterações do sono;
  • Labilidade do humor;
  • Desatenção com prejuízo dos cuidados;
  • Entorpecimento;
  • Medo;
  • Desespero.

Frequentemente, esses sintomas são acompanhados por conflitos pessoais constantes ou progressivos, estresse pós-traumático ou suicídio, especialmente sob a ameaça da doença grave, solidão ou necessidade de isolamento obrigatório. Portanto, a detecção precoce da vicarious traumatization e a intervenção imediata são fundamentais.

Estudo

No intuito de compreender melhor os efeitos traumáticos do trabalho no cenário dessa nova síndrome respiratória Covid-19, Li e colaboradores (2020) avaliaram 214 não profissionais de saúde (general public) e 526 enfermeiros (234 engajados nos cuidados diretos dos pacientes com Covid-19, chamada “linha de frente”, e 292 não envolvidos nesse tipo de atividade) através de questionários por aplicativo (denominado Sojump — www.sojump.com) em celulares, atendendo a uma escala de valores (zero para “nunca” e cinco para “sempre”) adaptada para vicarious traumatization, baseada em dados pessoais e demográficos, efeitos fisiológicos, psicológicos, comportamentais, cognitivos, e crenças.

Resultados

Curiosamente, verificou-se que os scores de vicarious traumatization entre os profissionais de saúde que atuam diretamente com doentes com Covid-19 são menores do que aqueles que não estão na “linha de frente”, o mesmo acontecia na comparação com indivíduos que não atuam como profissionais de saúde. Já a comparação entre enfermeiros fora da “linha de frente” e os colaboradores não profissionais de saúde foi similar e superior àqueles que atuam diretamente nos cuidados com pacientes sintomáticos suspeitos ou confirmados quanto a infecção por SARS-CoV-2, especialmente entre colaboradores casados ou divorciados. Tais achados indicam que a tolerância psicológica dos profissionais atuantes no front dos cuidados a esses pacientes é mais duradoura e consistente, provavelmente justificada pela maior experiência profissional ou capacitação.

Conclusão

Com base nessas observações, sugere-se que ocorra maior investimento psicoterapêutico para profissionais de saúde ou público em geral, que não trabalhem nos cuidados diretos com pacientes com risco de Covid-19.

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Referências bibliográficas:

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  • Sharon Rae Jenkins, S.B., 2002. Secondary traumatic stress and vicarious trauma: a validational study. J. Trauma. Stress 15, 423–432.
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