Profilaxia de pneumocistose nos pacientes em uso de RTX: quando vale prescrever?

O tratamento das diversas doenças autoimunes envolve algum grau de imunossupressão, e a intensidade da terapia varia de acordo com a gravidade e o perfil de risco do paciente.

O rituximabe (RTX) é um medicamento que vem sendo utilizado em um número crescente de doenças autoimunes, como artrite reumatoide (AR), lúpus eritematoso sistêmico (LES), vasculites associadas ao ANCA (AAV), esclerose sistêmica (ES), miopatias autoimunes sistêmicas, pênfigo vulgar, entre outras. Ele atua inibindo o CD20: trata-se, portanto, de um medicamento que inibe linfócito B. Dessa maneira, o RTX atua nos mecanismos fisiopatogênicos de diversas DRIM, ao passo que também aumenta o risco de complicações infeccisoas.

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A pneumocistose (PCP) é uma infecção pulmonar oportunista, geralmente grave e potencialmente fatal, que pode complicar pacientes imunossuprimidos. Já foi identificado que pacientes com DRIM que fazem uso de alguns imunossupressores, principalmente RTX e ciclofosfamida, podem apresentar um risco aumentado de PCP, com um risco aumentado de evolução desfavorável. Apesar disso, ao contrário do que é descrito para o HIV, faltam fortes evidências que recomendem o uso rotineiro de profilaxia para PCP nos pacientes com DRIM em uso de RTX, exceto para AAV.

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Nesse sentido, Park et al. desenvolveram um estudo com o objetivo de avaliar em quais subgrupos de pacientes com DRIM o benefício da profilaxia primária contra PCP superaria os riscos relacionados aos seus eventos adversos.

Profilaxia de pneumocistose nos pacientes em uso de RTX: quando vale prescrever?

Métodos

Trata-se de um estudo observacional multicêntrico, retrospectivo, que incluiu pacientes com DRIM que fizeram uso de RTX entre 2004 e 2020 em três centros médicos da Coreia do Sul. Foram excluídos pacientes com PCP prévia, menores de 18 anos, com malignidade prévia, transplantados e com doenças neurológicas.

Se o paciente tivesse utilizado imunossupressores nos seis meses antes do início do estudo, foram considerados como “uso prévio de imunossupresores”. Os pacientes que utilizaram outros imunossupressores nos primeiros 28 dias do baseline foram considerados como “uso de imunossupressores concomitantes”. Um paciente poderia contribuir com ambos os grupos, desde que atendessem às duas definições. Doses altas de prednisona foram consideradas como ≥ 30 mg/dia.

O desfecho primário foi a incidência de PCP em 1 ano. O diagnóstico de PCP foi feito com base na presença de alterações de imagem sugestivas, na positividade para testes microbiológicos (imunofluorescência indireta e/ou PCR no escarro induzido ou lavado broncoalveolar) e na resposta a antibióticos.

Devido à ausência de consenso e ao desenho do estudo, a prescrição da profilaxia ficou a cargo do médico assistente. Apenas 2 esquemas foram identificados: sulfametoxazol-trimetroprima 400/80 mg uma vez por dia ou 800/160 mg 3 vezes por semana. Os eventos adversos foram registrados em ambos os grupos (casos e controles).

Resultados

Foram incluídos 818 pacientes. A idade média foi de 55 anos, e a 60% eram do sexo feminino. As doenças mais frequentes foram pênfigo (n=187), AAV (n=184) e AR (n=110).

Cerca de 50% receberam profilaxia para PCP; esses pacientes eram mais velhos, possuíam AAV mais frequentemente e utilizavam doses altas de prednisona do que aqueles que não fizeram uso de profilaxia.

Durante 661,3 pacientes-ano, foram descritos 11 casos de PCP, com letalidade de 63,6%. O principal fator de risco foi o uso concomitante de altas doses de prednisona.

O uso de profilaxia reduziu a incidência geral de PCP (RR 0,11, IC95% 0,03-0,37). No entanto, em pacientes com doses baixas de prednisona, o NNT foi superior ao NNH (146 vs. 86), que é uma relação desfavorável ao seu uso. Quando analisados os pacientes em uso de altas doses de prednisona, o NNT caiu para 20, que sugere um melhor perfil de risco/benefício nesse subgrupo.

Comentários

Este estudo demonstrou que a prescrição indiscriminada de profilaxia para PCP apresentou um perfil de risco/benefício ruim, com maior probabilidade de gerar eventos adversos graves do que prevenir PCP. No entanto, para o subgrupo de pacientes que estava em uso de corticoide em altas doses apresentou um benefício que superou os riscos.

Esses dados já são mais consolidados para as AAV. Diversos guidelines nacionais e internacionais recomendam a profilaxia primária para PCP em pacientes com RTX e corticoides em altas doses. Como as AAV representaram grande parte dos sujeitos deste estudo, os resultados deste trabalho podem ter sido influenciados por essa questão.

Desse modo, os dados ainda continuam sendo preliminares e este estudo sugere que o uso indiscriminado não parece ser o ideal. No entanto, caso o paciente use doses elevadas de prednisona associada, devemos considerar a profilaxia, até que dados mais conclusivos para cada uma das doenças autoimunes estejam disponíveis.

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Park JW, Curtis JR, Choi SR, et al. Risk-benefit analysis of primary prophylaxis against Pneumocystis jirovecii pneumonia in patients with rheumatic diseases receiving rituximab. Arthritis Rheumatol. 2023. DOI: 10.1002/art.42541.