O paciente cirúrgico está sujeito a maiores taxas de tromboses venosas profundas (TVP) e, consequentemente, a maiores taxas de tromboembolismos pulmonares (TEP). Essas duas taxas são importantes causas de morbimortalidade, principalmente após cirurgias de grande porte.
O dilema da profilaxia química de TVP e pós-operatório permite uma ampla discussão. Se por um lado diminuímos a taxa de TVP, por outro podemos aumentar as taxas de sangramento, especialmente após cirurgias de maior porte. Ainda nessa discussão, temos qual o melhor momento para a aplicação do fármaco. Inicialmente, o pneumoperitônio poderia proporcionar diminuição do retorno venoso e risco aumentado de TVP durante o ato operatório. Contudo, na verdade, esta teoria nunca se mostrou verdadeira, porém se criou uma ideia que a quimioprofilaxia deveria se iniciar antes mesmo da incisão na pele. Comparações de início de profilaxia antes da cirurgia com placebo foram realizadas, a fim de se determinar qual seria a melhor estratégia.
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Nestes estudos a profilaxia com fármaco se mostrou benéfica. No entanto, ainda não existiam comparações efetivas entre profilaxia antes e após a cirurgia. Os dois estudos utilizam critérios semelhantes de análise com subgrupos diferentes de pacientes e desenhos.
Métodos dos estudos sobre profilaxia química de TVP
O primeiro estudo fez uma coorte retrospectiva multicêntrica e analisou como desfecho primário a taxa de TVP, até 30 dias de pós-operatório em pacientes com risco aumentado de TVP. Já no segundo estudo foi realizada uma metanálise com revisão sistemática e também como desfecho primário a taxa de TVP, assim como os sangramentos associados que no primeiro estudo foi colocado como desfechos secundários.
Resultados
Liu, et al | Klonis, et al | |
Eventos tromboembólicos com profilaxia pré-operatória | 13 /1752 (0,7%) | 1,4% |
Eventos tromboembólicos com profilaxia pós-operatória | 25 / 3749 (0,7%) | 1,3% |
Sangramento com profilaxia pré-operatória | 90/1752 (5,1%) | 5,0% |
Sangramento com profilaxia pós-operatória | 97 / 3749 (2,6%) | 2,9% |
Em ambos os estudos a taxa de eventos tromboembólicos não demonstrou diferença estatística. Em compensação, o sangramento anormal, necessidade de transfusões e reoperações foram maiores no grupo de profilaxia química pré-operatória, com risco relativo de 2,04 p<0,001 para sangramento, e necessidade de reoperação por sangramento com RR de 2,10, p=0,003.
Considerações
Em ambos os trabalhos o uso de agentes anticoagulantes, antes do fechamento da pele, não diminuem a taxa global de eventos tromboembólicos quando comparados com o início após a cirurgia. Em contrapartida aumentam, com significância estatística, as complicações relacionadas a sangramento.
Não é possível determinar com segurança em qual momento do pós-operatório seria mais efetivo para o início tratamento anticoagulante. Isso varia bastante com a experiência da equipe assistente e também das comorbidades associadas.
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Conclusão
Infelizmente, pela natureza do estudo, foi utilizado como parâmetro a presença de eventos tromboembólicos sintomáticos, o que pode subestimar a real incidência dos eventos. Uma investigação em todos os pacientes, mesmo assintomáticos, seria necessária para os resultados, mas isso acarretaria expor vários a exames que podem acarretar consequências danosas sem necessidade.
Mensagem prática sobre profilaxia química de TVP
Os eventos tromboembólicos pós-operatórios são preocupantes e devem ser tratados e principalmente prevenidos. Os dois estudos recentes remetem a mesma conduta do uso de profilaxia química iniciado após o fechamento da pele. Ainda estamos por determinar qual seria o momento ideal de início.