Qual o impacto da ventilação não invasiva com o Helmet na Covid-19 grave?

A ventilação não invasiva, através da interface Helmet, foi estudada em comparação à cânula de alto fluxo na Covid-19.

A insuficiência respiratória aguda é a complicação ameaçadora à vida mais frequente da Covid-19. Várias abordagens diferentes têm sido aplicadas com taxas de sucesso variadas. O cateter nasal de alto fluxo (CNAF), pela sua facilidade de uso, é recomendado como primeira linha para pacientes com hipoxemia e, no cenário da Covid-19, tem sido largamente utilizado.

A ventilação não invasiva, através da interface Helmet, foi levantada para o manejo desse perfil de pacientes, no entanto seu uso é limitado pela própria escassez de evidências em relação à mesma. Os efeitos potenciais da terapia incluem a possibilidade de períodos mais prolongados de terapia com maiores níveis de pressão expiratória positiva final (PEEP), crucial para melhora da oxigenação e prevenção de injúria pulmonar durante a respiração espontânea. Em teoria, teria maior vantagem fisiológica em relação ao cateter nasal de alto fluxo, tendo em vista que a capacidade da CNAF de produzir PEEP é contestada.

Visando então testar a eficácia clínica dos dispositivos, o primeiro trial relacionado ao assunto foi publicado em 25 de março no JAMA. O estudo italiano multicêntrico e randomizado, “Effect of Helmet Noninvasive Ventilation vs High-Flow Nasal Oxygen on Days Free of Respiratory Support in Patients With COVID-19 and Moderate to Severe Hypoxemic Respiratory Failure”, conhecido como The HENIVOT trial, envolveu quatro UTIs italianas, e incluiu pacientes no período de outubro a dezembro de 2020.

médicos levando paciente para ventilação não invasiva por causa da covid-19

Ventilação não invasiva na Covid-19

Nesse estudo, foram incluídos pacientes adultos com insuficiência respiratória aguda hipoxêmica, com relação PaO2/FiO2 ≤ 200, PaCO2 ≤ 45 mmHg, diagnóstico molecular de Covid-19 confirmado, ausência de doença pulmonar crônica ou de insuficiência cardíaca moderada a severa (NYHA > II ou fração de ejeção < 50%).

Pacientes que já haviam utilizado previamente ventilação não invasiva ou CNAF por mais de 12 horas foram excluídos. A randomização ocorreu na proporção de 1:1, ou para o grupo Helmet ou para o grupo CNAF. O tratamento de cada grupo deveria começar após uma hora da randomização

Intervenções

1. Grupo CNAF:

  • CNAF contínua por pelo menos 48 horas;
  • Fluxo inicial de 60 L/min (poderia ser reduzido em caso de intolerância);
  • FiO2 titulada para SpO2 entre 92 e 98%;
  • Após 48h, desmame da CNAF era permitido se FiO2 ≤ 40% e a FR ≤ 25 ipm. Desmame era considerado bem-sucedido se fluxo fosse tolerado até 10 L/min, sem alteração da FiO2 ou dos parâmetros acima de FR e SpO2.
  • Poderia ser utilizado na sequência cateter nasal ou Venturi.
  • Ventilação não invasiva não era permitida nesse grupo.
  • A CNAF poderia ser interrompida a qualquer momento se: FR > 25 ipm ou SpO2 < 92%.

2. Grupo HELMET:

  • Helmet contínuo por pelo menos 48 horas;
  • Tamanho escolhido de acordo com a circunferência do pescoço;
  • Parâmetros ventilatórios a serem ajustados: modo pressão de suporte (PSV), com pressão de suporte (PS) 10 a 12 cmH2O, podendo ser aumentada para garantir um pico de fluxo inspiratório de 100 L/min. PEEP 10 a 12 cmH2O e FiO2 titulada para SpO2 entre 92 e 98%.
  • Após 48h, descontinuação do Helmet era permitido se FiO2 ≤ 40% e a FR ≤ 25 ipm.
  • O desmame foi realizado reduzindo a PEEP e a PS para 8 cmH2O. Se SpO2 > 92% e a FR ≤ 25 ipm por 30 minutos, a ventilação com o Helmet era interrompida. Poderia ser utilizado na sequência CNAF ou Venturi, conforme decisão clínica.
  • O Helmet poderia ser interrompido a qualquer momento se: FR > 25 ipm ou SpO2 < 92%.

Leia também: Quando realizar a ventilação prona em emergências?

Falha de tratamento e indicações de intubação endotraqueal

Em ambos os grupos, a falha de tratamento foi considerada quando ocorreu necessidade de intubação endotraqueal, indicando falência respiratória persistente e progressiva, baseada em dois ou mais dos critérios a seguir:

  • Dispneia progressiva ou sem melhora;
  • Ausência de melhora da oxigenação e/ou SpO2 < 90% por mais de 5 minutos; ausência de melhora nos sinais de fadiga respiratória;
  • Secreções traqueais abundantes;
  • Acidose respiratória com pH < 7,3 a despeito do uso da máscara facial para VNI e intolerância à utilização do dispositivo.

Pacientes também foram intubados caso apresentassem deterioração neurológica (Glasgow < 12) ou instabilidade hemodinâmica grave.

Desfechos pesquisados

O desfecho primário analisado foi o número de dias livre de suporte respiratório (incluindo CNAF, ventilação invasiva e não invasiva) dentro de 28 dias pós-inclusão no estudo. Alguns dos desfechos secundários incluíram necessidade de intubação em 28 dias, número de dias livres da ventilação mecânica em 28 e 60 dias, além da mortalidade.

Resultados

Um total de 110 pacientes foram incluídos no trial, sendo 55 pacientes para cada grupo. Após exclusão das violações de protocolo, para a análise final, o grupo Helmet contou com 53 pacientes e o grupo CNAF com 54 pacientes. Tais pacientes apresentavam-se com hipoxemia grave antes da inclusão, com mediana da PaO2/FiO2 de 102 e da FR média de 28 ipm.

Além disso, o protocolo teve excelente adesão, com mediana do fluxo inicial de 60 L/min (IQR 60 – 60) nos pacientes do grupo CNAF e com mediana de PEEP de 12 cmH2O e PS de 10 cmH2O nos pacientes do grupo Helmet. Vejamos agora os principais resultados listados:

  • Desfecho primário (dias livre de suporte respiratório no D28): grupo Helmet com mediana de 20 dias (IQR, 0-25) e grupo CNAF com mediana de 18 dias (IQR, 0-22). Tal diferença não foi estatisticamente significativa com p = 0,26;
  • A taxa de intubação endotraqueal foi menor no grupo Helmet que no grupo CNAF (30% vs. 51%). A diferença foi estatisticamente significativa com p = 0,03;
  • A mediana de dias livre da ventilação mecânica invasiva dentro de 28 dias da inclusão no estudo foi maior no grupo Helmet que no grupo CNAF (28 dias vs 25 dias). A diferença foi estatisticamente significativa com p = 0,04;
  • Pacientes do grupo Helmet apresentaram de forma significativa menor incidência de hipoxemia (28% vs. 49%, com p = 0,03), de piora da dispneia (17% vs. 45%, com p = 0,002) e de sinais de fadiga respiratória (24% vs 44% com p = 0,04).

Veja mais: Anticoagulação em pacientes críticos por Covid-19: chegamos a um consenso?

Conclusões

Em pacientes admitidos em UTI com Covid-19 e insuficiência respiratória aguda hipoxêmica moderada a grave, o tratamento com ventilação não invasiva através do Helmet não reduziu de forma significativa o número de dias livres de suporte respiratório em 28 dias pós-randomização, quando comparado com a utilização da CNAF.

Os pacientes do grupo Helmet apresentaram melhor oxigenação e alívio da dispneia, enquanto desconforto pelo dispositivo e nível de PaCO2 foram menores no grupo CNAF. Tal fato é explicado em parte pelo fato de ser possível atingir maiores valores de PEEP com o Helmet, quando comparamos com a CNAF, cuja capacidade de produção de PEEP é questionável.

O que levamos desse estudo para a prática clínica?

A utilização do Helmet como estratégia de ventilação não invasiva não alterou os dias de suporte respiratório, talvez por este item retratar o próprio curso da doença. Mas foi capaz de reduzir a necessidade de intubação endotraqueal e aumentar o número de dias livres de ventilação mecânica invasiva.

Interessante notar que metade dos pacientes no grupo Helmet desmamaram a terapia para a estratégia com CNAF, o que representa uma estratégia combinada interessante. Na fase mais aguda, a utilização do Helmet seria iniciada. À medida que os critérios para desmame (FiO2 ≤ 40% e a FR ≤ 25 ipm) fossem atingidos, esse desmame poderia ser feito para CNAF, visando manter o benefício de melhora da oxigenação obtido.

Baixe grátis a nova edição da Revista PEBMED: revisão de temas indispensáveis na UTI

A alocação eficiente de recursos na pandemia é de extrema importância. Estratégias que evitem, de forma segura e fundamentada, a progressão para VM invasiva são excelentes ferramentas. O Helmet passa a ser opção com comprovação na literatura para Covid-19.

Ponto de atenção: ao adotar a estratégia não invasiva, monitore de perto critérios de falha e necessidade de intubação endotraqueal (expostos no texto acima). Evite a intubação tardia. A dinâmica ventilatória inadequada com dispneia e hipoxemia mantidas agravam a lesão pulmonar autoinduzida pelo paciente e podem impactar no prognóstico.

Referência bibliográfica:

  • Grieco DL, Menga LS, Cesarano M, et al. Effect of Helmet Noninvasive Ventilation vs High-Flow Nasal Oxygen on Days Free of Respiratory Support in Patients With COVID-19 and Moderate to Severe Hypoxemic Respiratory Failure: The HENIVOT Randomized Clinical Trial. JAMA. Published online March 25, 2021. doi: 10.1001/jama.2021.4682

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo

Selecione o motivo:
Errado
Incompleto
Desatualizado
Confuso
Outros

Sucesso!

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo.

Você avaliou esse artigo

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Baixe o Whitebook Tenha o melhor suporte
na sua tomada de decisão.