Qual o prognóstico do paciente com hipertensão infectado por Covid-19?

Este estudo chinês busca esclarecer dúvidas quanto a influência do tratamento contra hipertensão na mortalidade dos pacientes infectados por Covid-19.

Este estudo chinês, publicado no European Heart Journal, em junho de 2020, tem como interesse esclarecer dúvidas quanto a influência do tratamento contra hipertensão na mortalidade dos pacientes infectados por Covid-19.

O contexto está voltado à pandemia atual e aborda a questão de alguns estudos prévios terem reportados um aumento de mortalidade no grupo de pacientes hipertensos infectados pelo vírus. Apesar disso, foram estudos epidemiológicos não ajustados, avaliando apenas características da população Chinesa, limitando o poder de aferição.

Concomitantemente surgiu a discussão sobre o mecanismo fisiopatológico de incorporação celular pelo vírus no hospedeiro, através da enzima conversora de angiotensina 2 (ACE2). Expresso difusamente pelo corpo, o aumento de produção nos pacientes usuários crônicos de anti-hipertensivos como: inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA) e bloqueadores de receptores de angiotensina (BRA) pequenos estudos em animais e humanos sugeriram que poderia aumentar a susceptibilidade de contágio e propagação viral. Dessa forma, concluiu-se que aumentaria a mortalidade nessa população infectada. No entanto, estudos subsequentes ainda encontram-se inconclusivos e evidências de maior impacto é de extrema necessidade.

Leia também: Os números da hipertensão: novas drogas significam mais controle da doença?

Como fazer o manejo de hipertensos durante a pandemia de Covid-19 e qual impacto sobre essas pessoas com hipertensão?

Objetivos do estudo sobre hipertensão e Covid-19

Avaliar hipótese sobre impacto do tratamento de hipertensão, em especial com uso de ISRAA, na mortalidade geral dos pacientes infectados pelo Covid-19.

  • Desfecho primário: mortalidade por causas gerais intrahospitalar.
  • Desfechos secundários: tempo de início de sintomas e alta, porcentagem em ventilação mecânica, severidade de infecção pelo Covid-19 (leve, moderado, grave).
    • Grave: insuficiência respiratória aguda, FR > 30, SpO2 < 93%, P/F < 300 + > 50% Infiltrado pulmonar dentro de 24-48h, choque séptico, disfunção de múltiplos órgãos.

Métodos

Foi um estudo retrospectivo, observacional, unicêntrico — hospital exclusivo para Covid-19 na região de Wuhan, China. Dados foram coletados através de relatórios eletrônicos hospitalares por dois médicos investigadores, revisado e inseridos em banco de dados considerando características demográficas e evolução clínica. Apresentou seguimento clínico médio de 21 dias.

Pacientes foram selecionados no período de fevereiro à março de 2020, totalizando 2.877 pacientes, cujo diagnóstico confirmatório estaria de acordo com as normas da OMS. Como sintomatologia clínica foram considerados: febre e/ou sintomas respiratórios. Também levou-se em consideração tomografia com padrão sugestivo e alterações em leucometria (linfopenia). Como critérios, os pacientes deveriam ter pelo menos duas características clínicas e exposição recente a portador ou apresentar os três: critérios clínicos, radiológicos e laboratorial.

Para confirmação diagnóstico deveriam apresentar sintomas clínicos suspeitos com RT-PCR + ou sequência viral homólogo ao SARS-Cov-2 ou sorologia específica (IgG e IgM) detectáveis.

O diagnóstico de hipertensão seria dado previamente a infecção, através de coleta de dados médicos prévios, usando níveis acima ou igual 140 em pressão arterial sistólica e/ou acima ou igual 90 de pressão arterial diastólica. Não foram modificados regimes de controle hipertensivo comparado ao esquema prévio do paciente, durante internação. Porém a descontinuação ou modificação ficou a critério do médico responsável pelo caso. Caso fosse necessário introduzir medicações foi preferido utilizar bloqueadores de canais de cálcio ou diuréticos.

Para maiores detalhes sobre análise estatística do estudo, acessar referência ao final do texto.

A partir disso foram criados 4 grupos, estratificados na admissão:

  1. Histórico de HAS (850 pacientes)
  2. Sem histórico de HAS (2.027 pacientes)
  3. Em uso de inibidores SRAA (183 pacientes)
  4. Sem uso de inibidores SRAA (527 pacientes)

Ouça: Qual a relação da hipertensão arterial com o sono? [podcast]

Resultados

Participantes:

  • Foram 2.877 pacientes confirmados Covid-19, hospitalizados no Hospital Huo Shen Shan.
  • Follow-up: início de sintomas até alta, foram 39 dias.
  • Cerca de 30% dos pacientes haviam antecedentes pessoais para HAS.
  • Pacientes hipertensos comparado ao grupo não-hipertenso haviam maior prevalência de diabetes, angina, AVC, doença renal crônica e revascularização miocárdica prévia.
  • Espectro de sintomas não diferiram em gravidade entre os grupos, ou seja, apresentavam gravidade de quadro estatisticamente semelhantes.
  • Cerca de 83,5% dos pacientes hipertensos estavam sob tratamento, dentre eles 25% faziam uso de inibidores do sistema renina-angiotensina-aldosterona e 74% recebiam betabloqueadores, bloqueadores do canal de cálcio (BCC), ou diuréticos.
  • Não houve diferença estatística de níveis pressóricos na admissão entre hipertensos em uso de ISRAA e não usuários.

Desfechos:

  • Taxa de mortalidade: 4% (HAS) x 1% (Não-HAS) – (RR ajustado 2,12 – IC 95% 1,17-3,82, P =0,013)
  • Tempo de sintomas: semelhantes entre grupos, no entanto maior propensão de desenvolver forma grave da doença e necessidade de ventilação invasiva no grupo de hipertensos (P < 0,001)
  • Entre hipertensos: paciente sem controle prévio apresentaram mortalidade mais elevada que o grupo sob controle anti-hipertensivo (7,9% X 3,2% RR 2.17 – IC 95% 1,03-4,57, P = 0,041).
  • No entanto não houve diferença entre subgrupos de hipertensos que faziam uso ou não de ISRAA (2,2% x 3,6%, RR 0,85% – IC 95% 0,28-2,58, P = 0,774).

Comparação de características entre sobreviventes e mortos

A partir de análise multivariável regressivo foram apontados sete (7) preditores de mortalidade nos grupos estudados. São eles: idade, hipertensão, infarto do miocárdio prévio, nefropatias, frequência respiratória, grau de fadiga e insuficiência cardíaca.

Discussão

Os principais achados do estudo estão baseados no aumento de mortalidade evidenciado no grupo de hipertensos, cerca de duas vezes o risco relativo em relação ao grupo controle; também o subgrupo de hipertensos sem controle prévio foi associado a piores desfechos comparado aos hipertensos controlados e ausência de diferença entre a comparação direta de hipertensos controlados em uso de ISRAA e outras classes de drogas (apesar de metanálise chinês mencionado no estudo indicar menor mortalidade no grupo usuário de ISRAA).

Esses achados corroboram as recomendações atuais da Sociedade Europeia de Cardiologia (ESC) que preconizam manter o uso adequado de anti-hipertensivos e controle de níveis, sendo desnecessário descontinuar medicações ou trocar de classe de drogas somente pelo risco teórico encontrado pelo SARS-CoV-2. Em vista do risco denotado aos IECA/BRA na fisiopatologia do Covid-19, secundário a sua atuação na enzima conversora de angiotensina (ECA), o que foi visto é a existência de ação apenas no subtipo ECA, não apresentando influência aos anti-hipertensivos. Ao mesmo tempo a discussão sobre qualquer possibilidade do aumento sérico de ECA, secundário aos IECA/BRA, traz pouca evidência que conseguiria provocar maior susceptibilidade de contaminação.

Ouça também: Coronavírus e hipertensão: é necessário suspender BRA e IECA nesses pacientes? [podcast]

Limitações

  1. Estudo observacional, retrospectivo, sujeito à vieses, com dificuldade de coleta de dados específicos dos pacientes devido necessidade em conter disseminação viral e limitar exposição de indivíduos saudáveis.
  2. Poder estatístico reduzido, com pequena quantidade de pacientes em uso de anti-hipertensivos, principalmente ISRAA. Método limitado em inferir causalidade.
  3. Dados permitem apenas avaliar repercussão a curto prazo, sendo limitado estimar riscos a longo-prazo.

Conclusão: hipertensão e Covid-19

A hipertensão arterial sistêmica em si é um marcante fator de risco para mortalidade em indivíduos com Covid-19. A descontinuação ou controle inadequado da comorbidade no período de infecção pode trazer piores desfechos a curto prazo, em comparação a grupos controle.

Pacientes que fazem uso de ISRAA não foram expostos a maior risco de mortalidade neste estudo e após avaliação por metanálise de estudos paralelos sugeriu-se a hipótese de possível efeito protetor no uso da medicação. No entanto pelo caráter observacional do estudo, os resultados devem ser interpretados com cautela.

Referências bibliográficas:

  • Gao C, et al. Association of hypertension and antihypertensive treatment with Covid-19 mortality: a retrospective observational study. European Heart Journal. 2020 June 7;41(22):2058-2066.

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