Retrospectiva 2022: principais temas sobre saúde na população LGBTQIA+

Nossa Retrospectiva 2022 traz nesse artigo os conteúdos de destaque para população LGBTQIA+ abordados durante o ano que termina.

As sucessivas conquistas do movimento LGBTQIA+ têm estampado muitas notícias nos últimos tempos, incluindo sobre os avanços nas políticas públicas de saúde e na produção científica sobre o cuidado de gays, lésbicas, bissexuais, transexuais e diversas outras manifestações de sexualidade da população .

A literatura não é escassa e tem aumentado exponencialmente ao redor do mundo. Uma busca no Pubmed pelo verbete “LGBT” resulta em 412 artigos publicados somente em 2022, sendo 38 revisões. Contudo, o resultado sobe para 1.377 artigos se descrevermos simultaneamente os termos: lesbian, gay, bisexual e transgender. No Brasil, os números ainda são um pouco mais tímidos. Nós da PEBMED preparamos então uma retrospectiva com os principais destaques sobre o tema.

Leia também: Formação no Brasil está de acordo com demanda do atendimento na medicina sexual?

Retrospectiva 2022 principais temas sobre saúde na população LGBTQIA+

Saúde Mental: estresse de minoria sexual

Historicamente, a saúde mental é um dos principais temas encontrados e publicados até hoje sobre a população LGBT+. Até 1973 a homossexualidade era considerada um transtorno de saúde mental enquadrado no DSM, cunhado através do termo homossexualismo. Enquanto o termo Transexualismo, que se referia a transexualidade, permaneceu como doença até 2013. Felizmente, a medicina vem modificando o entendimento da saúde mental da população LGBTQIA+.

Sabe-se que gays, lésbicas, bissexuais e transexuais têm maior risco de desenvolver problemas de saúde mental como ansiedade e depressão, incluindo ideação suicida. Tal associação pode ser explicada através do modelo conceitual de estresse de minoria, no qual indivíduos LGBTQIA+ têm maiores chances de sofrerem experiências traumáticas numa sociedade discriminatória. Por pertencerem a uma minoria social na expressão da sua sexualidade ficam mais expostos a situações de vulnerabilidade como exclusão social, problemas familiares, bullying escolar e até casos de violência física.

Estudos demonstram que os efeitos dos longos anos de repressão sexual foram responsáveis por sérios problemas de saúde global. Um artigo de opinião publicado este ano no The Lancet, por exemplo, expõe o cenário preocupante no continente africano, onde muitos países criminalizam práticas sexuais homoafetivas e não reconhecem pessoas trans, o que fere os direitos humanos, além de mascarar vulnerabilidades. O autor do artigo argumenta que o Quênia, a exemplo de uma lógica estigmatizante e inverossimil, considera a criminalização de prática sexual consensual entre pessoas do mesmo sexo uma estratégia efetiva no manejo dos casos de infecção do HIV.

O estigma do HIV

Um estudo de 2022 mostra que ao pesquisar a população LGBTQIA+, no período dos últimos 15 anos, os descritores mais encontrados foram: “HSH”, “HIV” e “PREP”. O primeiro termo “HSH” — Homem que faz sexo com homem — é utilizado no meio acadêmico para descrever homens que fazem sexo com outros homens, independente da orientação sexual, mas tem sido aposentado por ser considerado transfóbico, já que inclui mulheres trans e travestis nessa categoria.

A produção científica acompanha um recorte da sociedade, sendo assim esse resultado pode ser explicado por um impacto histórico e cultural. A sistematização do estudo da saúde da população LGBTQIA+ iniciou em meados da década de 1980 com a epidemia do HIV, fazendo com que haja uma tradição nessa linha de pesquisa. No entanto, isso provoca sérios vieses sobre o entendimento da saúde global de homens gays, pois de forma estigmatizante atrela essa população ao risco de HIV. Hoje já se sabe que o risco de exposição está muito mais relacionado ao comportamento e às práticas sexuais do que necessariamente a um grupo específico.

Saiba mais: Questões sobre a saúde mental da juventude LGBT+

A saúde das mulheres lésbicas: negligências em saúde feminina

Cada vez mais os estudos têm discriminado a orientação sexual dos participantes a fim de avaliar se há associação disso com os indicadores de saúde. As mulheres lésbicas quando comparadas a mulheres heterossexuais apresentam menor frequência na busca por consultas ginecológicas. Isso leva a um maior risco de desfechos desfavoráveis, umas vez que deixam de participar dos programas de rastreamento para câncer de mama e colo de útero, além de problemas ginecológicos ou ISTs (infecções sexualmente transmissíveis).

O fato de ainda termos poucos profissionais de saúde treinados e gabaritados para atender essa população pode ser um dos motivos para a menor adesão ao seguimento ginecológico por mulheres lésbicas. Sem falar nas barreiras de acesso, pelo preconceito que podem sofrer nos serviços de saúde. Além disso, muitos ginecologistas não estão habilitados para o atendimento reproduzindo o pensamento equivocado que mulheres que não tem relações sexuais com penetração peniana não precisam de seguimento.

O equívoco está muitas vezes em não compreender a prática sexual entre mulheres e o processo fisiopatológico de algumas comorbidades. O simples compartilhamento de objetos sexuais no sexo com penetração ou até mesmo a manipulação genital pode ser um fator para a transmissão de ISTs. Além disso, a gênese do principal câncer do colo do útero se dá pelo HPV que altera a região cervical, cuja transmissão não se dá exclusivamente por relações penianas.

A hora da população trans!

Nós últimos anos a visibilidade da população trans aumentou. Porém, mesmo que isso possa ser algo a se comemorar, por estarmos falando de um dos grupos de maior vulnerabilidade no Brasil, os indicadores mostram que a realidade de saúde dessa população ainda é muito crítica. Infelizmente, sabemos que os casos de violência contra esta população são tão alarmantes que somos o país com mais casos de homicídio de pessoas trans. A expectativa de vida média é de 35 anos, o que se compara com a de pessoas na Idade Média.

Por outro lado, há um crescimento na saúde de estudos que abordam a saúde integral da população trans, envolvendo saúde mental, cuidados de saúde e rastreamento de doenças, processo de hormonização e procedimentos cirúrgicos ou de modificação corporal para redesignação sexual. Outro aspecto que tem crescido e em breve traremos mais informações é sobre direitos reprodutivos, com o aumento de relatos de casos sobre a gestação de homens trans e o processo de aleitamento, além das técnicas de reprodução assistida.

Todo esse movimento na saúde em prol da população trans tem sido acompanhado de treinamentos que preparem os profissionais de saúde para o acolhimento dos pacientes. Não somente na utilização dos pronomes adequados e no uso do nome social, mas também em todo o processo de cuidado que envolva saúde global, saúde genital e questões com a menstruação.

O panorama de um futuro que se apresenta

Desde o processo de despatologização da sexualidade da população LGBTQIA+, muitas pesquisas têm sido desenvolvidas. Mais até do que estudos sobre doenças e seus tratamentos, a população LGBTQIA+ necessita de maior produção científica no que tange práticas do cuidado integral à saúde e estratégias de acolhimento às demandas específicas.

O esperado é que vejamos cada vez mais protocolos de atendimento serem desenvolvidos, além de estratégias efetivas para promoção de saúde, difundidos nos cursos de graduação e residências, além de aulas e palestras em congressos.

A saúde LGBTQIA+ não é uma especialidade e nem uma área de atuação. No entanto, conhecer as particularidades que tangem o atendimento médico é fundamental para um atendimento de qualidade.

Para 2023, fica uma proposta para você médico leitor: pensar nas necessidades da população LGBTQIA+ dentro da sua prática clínica. A nossa equipe do portal PEBMED está com você, acompanhe as publicações pois vamos trazer atualizações para quem busca oferecer um melhor atendimento a lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, queers, intersexos, assexuais, dentre tantos outros.

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
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