Terapia de afirmação de gênero não está associada a aumento de DM na população trans

Um artigo desmentiu a relação entre a hormionoterapia para afirmação de gênero e a diabetes na população trans. Saiba mais.

No dia 29 de janeiro foi comemorado o Dia da Visibilidade Trans, enaltecendo pessoas que se identificam como travestis, mulheres transgênero, homens transgênero, pessoas não binárias e gêneros dissidentes. 

Este é um tema fundamental, uma vez que a população trans é vítima não somente de preconceito, mas também tem grande dificuldade no acesso à saúde e sofre com altíssimos índices de violência, muito maiores do que a população geral. 

Neste mês de janeiro de 2022 foi publicado um artigo interessante no Journal of Clinical Endocrinology and Metabolism (JCEM), um dos principais periódicos da endocrinologia, sobre o risco de desenvolvimento de diabetes nos indivíduos transgênero que estão em uso de tratamento clínico hormonal para afirmação de gênero.

população trans

Não vamos dar mancada!

Para quem não está habituado com o tema, é importante entender os conceitos básicos. 

Identidade de gênero, segundo o posicionamento da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) é o termo utilizado para se referir à experiência de um indivíduo com o gênero com o qual se identifica. O termo transgênero (ou trans) se refere a um indivíduo cuja identidade de gênero não está alinhada com o gênero de nascimento (e cis, portanto, são aqueles cuja identidade de gênero é a mesma). 

De forma simplificada, um homem trans é uma pessoa que nasceu e foi registrado no sexo feminino, porém se identifica como alguém do gênero masculino, enquanto uma mulher trans é alguém que nasceu no sexo biológico masculino, porém sua identidade pertence ao gênero feminino. Expressão de gênero se refere a como a pessoa manifesta seu gênero, seja com seu nome, vestimentas, voz, cabelo e como interage com outros indivíduos. 

Afirmação de gênero diz respeito às medidas empregadas para o alinhamento das características físicas e culturais do indivíduo com sua identidade de gênero, incluindo a hormonioterapia, procedimentos, etc. 

Nesse sentido, o princípio básico da hormonioterapia é buscar a supressão dos hormônios endógenos e manter níveis fisiológicos próximos ao do gênero identificado. Nos homens trans, o tratamento utilizado é a testosterona, enquanto as mulheres trans recebem tratamento com estrógeno, basicamente.

O estudo

É sabido que a hormonioterapia interfere diretamente na composição corporal tanto em mulheres trans como em homens trans. Mulheres trans tendem a apresentar um ganho de massa gorda, uma vez que com o tratamento, o padrão corporal passa a se assimilar cada vez mais com o feminino. Com isso, existe também uma maior tendência ao surgimento de resistência insulínica. Já nos homens trans, a tendência é oposta. 

Motivados por tal observação, os pesquisadores da universidade de Amsterdam elaboraram um estudo retrospectivo para avaliar a incidência de diabetes numa coorte de seguimento de 1972 a 2018, registrados no banco de dados nacional da Holanda. No entanto, como nenhum banco possuía de fato informações sobre o diagnóstico de DM, foi utilizado como critério a “primeira dispensação de um antidiabético” para o indivíduo como substituto. Só foi possível analisar eventos que ocorreram entre 2007 e 2018.  

O desenho do estudo foi simples, avaliando a diferença na incidência de DM entre mulheres trans e indivíduos na população geral com o mesmo gênero designado ao nascimento (masculino) e comparando homens trans com a população de mesmo gênero designado ao nascimento (feminino). Interessante que, desde 1972, na Holanda, os participantes da coorte são assistidos e recebem terapia de afirmação de gênero. Dentre os mais utilizados nas mulheres trans atualmente, destaca-se o estradiol em adesivo (50-150 mcg 2x/semana), valerato de estradiol ou estradiol gel. Até 2001, etinil estradiol e estrogênios conjugados eram as formas mais utilizadas. Vale lembrar que em alguns casos antiandrogênicos também eram associados, como a ciproterona. Já nos homens, houve variação na formulação utilizada da testosterona (gel, undecanoato ou ésteres).

Leia também: Acolhimento e o processo de cuidado da população LGBTQIA+

Incidência de diabetes

  • Mulheres 

A incidência de DM em mulheres trans no período foi de 90 casos em 2585, compatível com uma incidência acumulada de 4,5/1000 pessoas-ano (incidência padronizada 0,94; IC 0,76 – 1,14); Não houve diferença quando comparado a homens cis no período. A média de idade de início de terapia foi de 30 anos; o follow up médio foi de 9 anos e a média de idade ao desenvolver DM foi de 55 +/- 11 anos. 

  • Homens 

Também não foi observado diferença na incidência de DM quando comparado homens trans e mulheres cis no mesmo período. A incidência de DM foi de 32 casos em 1514, compatível com uma incidência acumulada de 3,4/1000 pessoas-ano (incidência padronizada 1,4; IC 0,96 – 1,92). A média de idade de início de terapia foi de 23 anos; o follow up médio foi de 4,9 anos e a média de idade ao desenvolver DM foi de 50 +/- 13 anos. 

Conclusão

Neste estudo retrospectivo, não houve diferença na incidência de DM nem em mulheres trans nem em homens trans, sugerindo que, apesar da demonstração em estudos prévios de maior resistência insulínica em mulheres trans comparado a mulheres cis, não houve impacto clínico nesta população. Vale ressaltar que o critério para se estabelecer o diagnóstico de DM pode ter subestimado a incidência. Os autores tiveram o cuidado de incluir somente participantes que tenham sido submetidos a hormonioterapia, porém como esperado, houve uma heterogeneidade quanto a qual tipo de hormônio foi utilizado, o que pode impactar também na resistência insulínica e na chance de desenvolvimento de DM. No entanto, como ponto forte, destaca-se a grande população envolvida no estudo. 

Precisamos de mais estudos e ensaios prospectivos para a avaliação adequada desta população que hoje, infelizmente, sofre com a dificuldade no acesso à saúde.

Referências bibliográficas:

 

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