Revisão sistemática mostra que a prevalência de delirium em crianças graves é elevada

Em crianças, a ocorrência de delirium está associada à retirada de dispositivos invasivos gerando aumento dos gastos e da mortalidade.

O delirium é um distúrbio neuropsiquiátrico caracterizado pela presença de disfunção cerebral aguda devido a uma doença subjacente e/ou como resultado do tratamento empregado para essa doença. Pacientes com delirium flutuam entre os estados clínicos de hipoatividade, hiperatividade ou uma combinação de ambos. Em crianças graves, a ocorrência de delirium está associada à retirada de dispositivos invasivos, como acessos venosos centrais e cânula endotraqueal, prolongamento do tempo de ventilação mecânica (VM) e da internação, aumento dos gastos hospitalares e da mortalidade.

O aumento da conscientização e o desenvolvimento de ferramentas validadas para o diagnóstico de delirium à beira-leito por um profissional não psiquiatra facilitaram o relato de sua prevalência em pediatria (DP), mas as estimativas variam amplamente (as diferenças de avaliação e de práticas geográficas limitam a generalização dos estudos individuais). Segundo o estudo “A Systematic Review and Pooled Prevalence of Delirium in Critically Ill Children”, publicado no jornal Critical Care Medicine, estima-se que o DP ocorra em 34% das admissões em Unidades de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP), conforme determinado pela ferramenta diagnóstica Cornell Assessment of Pediatric Delirium (CAPD).

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Revisão sistemática mostra que a prevalência de delirium em crianças graves é elevada

Metodologia

Uma revisão sistemática foi conduzida para estimar a prevalência combinada de DP, usando ferramentas de avaliação validadas em crianças – CAPD, Pediatric Confusion Assessment Method for the Intensive Care Unit (pCAM-ICU), PreSchool Confusion Assessment Method for the Intensive Care Unit (psCAM-ICU) , Pediatric Confusion Assessment Method for the Intensive Care Unit Severity Scale (sspCAM-ICU) e Sophia Observation Withdrawal Symptoms Pediatric Delirium scale (SOS-PD). Além disso, os pesquisadores objetivaram identificar fatores de risco modificáveis ​​e não modificáveis ​​e explorar a associação de DP com desfechos clínicos.

Dessa forma, foi efetuada uma busca sistemática dos bancos de dados PubMed, EMBASE e CINAHL para artigos completos relativos à prevalência de DP. Nenhuma barreira de idioma ou data foi definida. Os estudos incluídos foram aqueles com o objetivo de estimar a prevalência de DP decorrente do tratamento em UTIP, usando uma ferramenta validada. Foram incluídos somente ensaios clínicos randomizados, estudos transversais ou estudos de coorte que permitem uma estimativa da prevalência de DP. Os dados foram extraídos pelo pesquisador principal e a precisão verificada pelos coautores do estudo. Por fim, síntese narrativa e meta-análise de prevalência agrupada foram realizadas.

Resultados

Todos os estudos incluídos foram publicados a partir de 2011, quando surgiu a primeira ferramenta para diagnóstico de delirium em UTIP (pCAM-ICU). De acordo com os pesquisadores, a ocorrência de DP foi estimada em 34% das admissões em UTIP, conforme determinado pela escala CAPD. Ademais, dos 11 estudos que avaliaram o subtipo motor, oito identificaram o delirium hipoativo como mais prevalente (46 a 81%) com cada um dos três restantes relatando hiperativo (44%), misto (57%) ou porcentagens iguais de delirium hipoativo e misto (43%) como mais prevalente.

Os pesquisadores também descreveram que o desenvolvimento de DP está associado a doses cumulativas de benzodiazepínicos, opioides, ao número de classes de sedativos utilizadas, sedação profunda e cirurgia cardiotorácica. Doze estudos descreveram associações entre DP e idade: nove em idades mais jovens (normalmente pré-verbal e com menos de 2 anos) e três em crianças mais velhas. Cinco estudos identificaram atraso no desenvolvimento ou disfunção cognitiva basal como fatores de risco – o DP foi relatado em 38% das crianças com atraso no desenvolvimento. A gravidade da doença foi associada a maiores escores de DP (n = 6). Outros relataram fatores de risco relacionados ao diagnóstico primário, como malformações cardíacas congênitas.

Foram também encontradas associações com o aumento do tempo de VM, tempo de internação, mortalidade, gastos hospitalares e diminuição da qualidade de vida após a alta do hospital.

Conclusão

Os resultados desse estudo mostram que o DP é prevalente em quase 1/3 das admissões em UTIP e é uma contribuição importante para o aumento do tempo de VM, tempo de permanência na UTIP, mortalidade e custos dos serviços de saúde. A implementação da triagem de rotina de DP em todas as UTIP está atrasada, com as unidades cardíacas tendo mais benefícios devido à maior prevalência nessa subpopulação. Os pesquisadores destacam a necessidade de mais estudos multicêntricos e longitudinais para identificar os fatores de risco modificáveis, a história natural, a prevalência real (incluindo subtipos), os resultados de longo prazo e as implicações financeiras do DP. Por fim, são necessárias estratégias farmacológicas e não farmacológicas de prevenção e de tratamento baseadas em evidências para delirium em crianças graves.

Comentário

A primeira ferramenta clínica para diagnóstico de DP foi validade em 2011 (pCAM-ICU). A partir daí, novas escalas foram surgindo e o conhecimento sobre a existência e a importância do delirium em crianças tem sido cada vez mais difundido. No entanto, ainda é um assunto muito novo e a avaliação dessa manifestação de disfunção cerebral aguda que, para muitos pesquisadores é um novo sinal vital, ainda é muito aquém do necessário.

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Um mito ainda muito comum é que o delirium ocorre somente mediante o uso de medicamentos sedativos e/ou analgésicos em infusão contínua. A verdade é que o delirium tem etiologia multifatorial, decorrente da doença, do tratamento e também do ambiente onde o paciente se encontra. Quando um paciente apresenta delirium, significa que algo está errado com ele, o que nos deve levar à abordagem dos seus fatores de risco como, por exemplo, dor, síndrome de abstinência, infecções, distúrbios hidroeletrolíticos, imobilização e privação do sono, dentre inúmeros outros. Um conjunto de medidas para o manejo da doença aguda e para maior conforto e humanização do paciente têm sido relatados como extremamente satisfatórios para a prevenção de novos episódios e tratamento dos vigentes, melhorando o prognóstico do paciente em curto e em longo prazo, mas também o sofrimento de sua família.

Referências bibliográficas:

  • Semple D, Howlett MM, Strawbridge JD, Breatnach CV, Hayden JC. A Systematic Review and Pooled Prevalence of Delirium in Critically Ill Children [published online ahead of print, 2021 Aug 16]. Crit Care Med. 2021. doi: 10.1097/CCM.0000000000005260.

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