Transplante de útero, até onde vai o desejo de gestar?

Para pacientes sem útero e que desejem gestar descendentes, o transplante de útero é uma opção que visa ajudar mulheres nessa condição.

Ter um filho é sonho de muitos casais, porém nem sempre é uma conquista fácil. Aproximadamente 15% dos casais são inférteis (não conseguem engravidar após um ano de tentativa com relações sexuais frequentes), o que pode ocorrer por diversos fatores femininos, masculinos e até desconhecidos. Felizmente a terapia de reprodução assistida tem ajudado muito com recursos de complexidade variada. A depender da causa da infertilidade, seu tratamento pode ser desde coito programado à FIV e injeção intracitoplasmática de espermatozóides (ICSI). Porém para pacientes sem útero, as únicas possibilidades disponíveis são adoção ou útero de substituição, situações legalmente complexas. O transplante de útero visa ajudar em especial mulheres nessa condição.

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O estudo prospectivo DUETS (the Dallas uTerus Transplant Study) publicado em fevereiro de 2021 na revista Obstetrics e Gynecology avaliou uma coorte com 20 mulheres, sendo: 19 portadoras da síndrome Mayer-Rokitansky-Küster-Hauser (na qual o útero é ausente mas a função ovariana está preservada) e uma com antecedente de histerectomia em idade precoce por miomatose, todas foram receptoras de transplante uterino em um único centro americano entre 2016 e 2019, nenhuma delas era portadora de hipertensão ou diabetes com necessidade de medicamento previamente ao estudo e todas foram orientadas que poderiam engravidar no máximo 2 vezes antes de realizar histerectomia do útero transplantado. Na seleção das mulheres doadoras, era questionado antecedente obstétrico, excluindo mulheres com história de aborto de repetição. Dos úteros obtidos, 18 foram de doadoras vivas e 2 de doadoras falecidas.

As mulheres receptoras foram submetidas à fertilização in vitro antes da cirurgia e embriões mantidos no estágio de blastocisto expandido (5º-6º dia). Inicialmente os embriões eram transferidos após 6-8 meses da cirurgia, depois este tempo foi reduzido a fim de manter a imunossupressão por menor período. Um regime de indução com timoglobulina e metilprednisolona era realizado no momento da cirurgia e depois mantida imunossupressão com tacrolimus, em alguns casos azatioprina ou everolimus. Biópsia cervical era realizada periodicamente para avaliar rejeição e se necessário administrava-se metilprednisolona.

Resultados

Dos 20 transplantes realizados, 14 foram bem sucedidos. E destes 14, 11 pacientes deram à luz a um recém-nascido vivo, uma delas 2 vezes, mostrando uma taxa de sucesso de 55% por tentativa de transplante e de 79% se considerarmos apenas os transplantes bem sucedidos. Vale dizer que dentre os últimos 10 transplantes, a taxa de sucesso foi de 90%, mostrando como o aumento da experiência melhora a técnica. A idade média das pacientes foi de 30 anos e IMC = 25, a média de idade gestacional ao nascimento foi de 36 semanas e 6 dias e o peso dos RNs de 2.890 g, nenhum bebê teve APGAR de 5º minuto inferior a 8. Todos os partos foram cesáreas no máximo com até 37-38 semanas, devido aos riscos de um trabalho de parto ocasionar deiscência da anastomose vaginal.

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Oito das 12 gestações cursaram com algum tipo de complicação materna ou obstétrica, mas nenhuma complicação fetal. Dentre as complicações, podemos citar: 3 casos de hipertensão arterial, das quais uma com pré-eclâmpsia leve, um caso de injúria renal aguda atribuída à exposição ao tacrolimus que melhorou após suspensão do medicamento, uma paciente com diabetes gestacional, uma mulher com suspeita de insuficiência istmo-cervical, que foi cerclada às 23 semanas e evoluiu com parto prematuro com IG 30+6 (mais precoce da coorte). Não houve complicações nas histerectomias, algumas foram realizadas em conjunto com a cesárea e outras posteriormente por preferência das pacientes.

Mensagem prática

O desejo de gestar não deve ser menosprezado pela família e pela equipe médica das pacientes. Cada caso deve ser bem avaliado para determinação da conduta mais adequada para causa de infertilidade do casal. Realizar investigação, conversar sobre riscos dos tratamentos, taxas de sucesso. E no futuro, quem sabe o transplante de útero trará uma opção para as mulheres que não tem útero, seja por malformação ou necessidade de uma histerectomia precoce.

Referências bibliográficas:

  • Johannesson L, Testa G, Putman J, et al. Twelve Live Births After Uterus Transplantation in the Dallas UtErus Transplant Study. Obstetrics & Gynecology. 2021;137(2):241-249. doi: 1097/AOG.0000000000004244

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