Tratamento de candidíase intra-abdominal: além das diretrizes clínicas

Em muitas situações, há dificuldade em estabelecer quando iniciar o tratamento antifúngico e, ainda, qual ou quais antifúngicos utilizar.

As infecções fúngicas, principalmente em pacientes críticos, são doenças com elevada morbimortalidade, além de serem um desafio em termos de otimização do uso dos antifúngicos, o que levaria a menor resistência, além de redução de efeitos colaterais e custos.  

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Apesar da constante evolução de conhecimento médico sobre manejo do paciente crítico, além de desenvolvimento tecnológico (aprimoramento de exames laboratoriais, imagem, aparelhos de suporte, etc) e farmacológico (drogas com maior poder fungicida, maior penetrância, menor indução de resistência e menores efeitos colaterais), a mortalidade dos pacientes com infecções fúngicas invasivas continua elevada.  

Os pacientes internados em CTI são aqueles mais propensos à colonização por germes multirresistentes e fungos patogênicos, além de suas particularidades (comorbidades, múltiplos tratamentos farmacológicos, interações de drogas, intervenções cirúrgicas, alterações fisiopatológicas, etc.) que tornam mais complexo o manejo, assim como avaliações de resultados desses tratamentos.  

Nesse contexto, a infecção intra-abdominal por Candida spp (IAC) ocorre em pacientes críticos, principalmente naqueles submetidos a procedimentos cirúrgicos ou naqueles gravemente imunodeprimidos. A rápida colonização mucocutânea dos pacientes internados em CTI representa importante fator de risco para candidemia que eleva, por sua vez, as taxas de mortalidade para mais de 45%. 

É importante lembrar que Candida spp faz parte da flora intestinal temporária ou permanente humana com sua população em equilíbrio por ação das bactérias saprofíticas e sistema imunológico competente nos pacientes saudáveis. Peritonite por Candida é o principal tipo de infeçcão fúngica invasiva em pacientes de CTI após candidemia, sendo cinco espécies mais comuns responsáveis por 92% dos casos, dentre elas: Candida albicans, Candida Glabrata, Candida tropicalis, Candida parapsilosis e Candida krusei.  

Entretanto, nem sempre a peritonite por Candida cursa com candidemia, ocorrendo associação em apenas 6,9% dos pacientes. Isso torna o diagnóstico de peritonite por Candida um grande desafio nos pacientes com hemocultura negativa, mesmo porque a presença de Candida no líquido peritoneal pode representar tanto contaminação quanto infecção e mais de 80% dos pacientes com peritonite polimicrobiana são colonizados por Candida spp 

Nos últimos anos, tem se observado uma progressiva mudança epidemiológica nas espécies de Candida albicans para as não albicans com agentes patogênicos mais frequentes. A Candida auris gera grande preocupação pelo seu grande potencial de resistência farmacológica e habilidade de colonizar o ambiente hospitalar, de modo que o CDC a classificou como ameaça urgente à saúde pública. Além disso, a elevação das infecções por Candida auris está associada ao aumento de resistência às equinocandinas. 

Uma força tarefa internacional englobando 79 países (projeto AGORA) foi criada no sentido de otimizar e racionalizar o uso de antimicrobianos nos pacientes com peritonite por Candida. As variantes para se estipular um guideline são inúmeras (população específica, comorbidades, interações medicamentosas, múltiplos tratamentos, procedimentos cirúrgicos, sondas, drenos, etc.), além de questões éticas (grupo placebo) o que gera dificuldades para estudos robustos e posterior avaliação dos resultados de terapia antifúngica específica. 

Cada classe de antifúngicos possui características farmacocinéticas e farmacodinâmicas diferentes, assim como ocorrem importantes modificações farmacocinéticas e farmacodinâmicas nos pacientes críticos por alterações de volemia, filtração renal, entre outras, podendo levar a doses inferiores aos parâmetros ideais nos focos de infecção. Essas alterações afetam particularmente as equinocandinas e os betalactâmicos.   

Em muitas situações, há dificuldade em estabelecer quando iniciar o tratamento antifúngico e, ainda, qual ou quais antifúngicos utilizar. Uma vez decidido pelo início do tratamento, é importante definir os critérios que devem ser seguidos para otimizar o tratamento e o uso racional da medicação. 

Considerando a grande variação de informações fornecidas por diversos estudos, os autores desse artigo propuseram um algoritmo para os pacientes com peritonite por Candida. 

O pimeiro passo seria definir se há sepse ou choque séptico com candidemia ou endoftalmite. Havendo endoftalmite, a primeira escolha seria por anfotericina B lipossomal. Não havendo endoftalmite, podemos usar equinocandinas e, em falha, fazer anfotericina B lipossomal. 

Em um segundo passo no caso de sepse ou choque séptico sem candidemia ou endoftalmite, a exposição anterior aos antifúngicos é que vai definir a escolha do fármaco. Se tratamento anterior com equinocandinas ou fluconazol, dar preferência à anfotericina B lipossomal. Se há forte suspeita de C. glabrata iniciar anfotericina B lipossomal (resistência alta às equinocandinas). 

Em um terceiro passo, na suspeita de C. auris iniciar anfotericina B lipossomal associada à equinocandina. 

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Em um quarto passo, não havendo sepse ou choque séptico, o tratamento pode ser mais conservador, com uso de equinocandinas nos pacientes já expostos ao fluconazol. Se o paciente não melhorar em 48 horas, progredir para anfotericina B lipossomal. 

A conclusão final pauta a necessidade de mais estudos bem desenhados para ajustar o melhor tratamento com menos efeitos colaterais, mínima indução de resistência, objetivando redução da mortalidade, além de reduzir o custo. 

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Maseda, E., Martín-Loeches, I., Zaragoza, R. et al. Critical appraisal beyond clinical guidelines for intraabdominal candidiasis. Crit Care 27, 382 (2023). DOI: 10.1186/s13054-023-04673-6.