Revisão aborda características de Candida auris em pediatria

Pesquisadores buscaram uma maior conscientização e melhora no atendimento ao paciente pediátrico, limitando a disseminação da Candida auris.

Embora as infecções por Candida auris ainda sejam relativamente raras entre recém-nascidos (RN) e crianças, sua emergência mundial em vários países e vários continentes representa uma nova realidade que exige preparação de todos os aspectos do atendimento ao paciente.

Recentemente, dois pesquisadores de Israel publicaram uma revisão narrativa da literatura com o objetivo de aumentar a conscientização sobre o tema entre epidemiologistas e clínicos e melhorar o atendimento ao paciente pediátrico, limitando a disseminação do fungo. Abaixo, destaco pontos relevantes da revisão.

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Revisão aborda características de Candida auris em pediatria

Epidemiologia

As últimas décadas testemunharam mudanças consideráveis na distribuição de espécies de Candida que causam candidíase invasiva, incluindo aumentos substanciais de espécies de Candida não albicans, tanto em populações pediátricas quanto adultas. Essa mudança foi atribuída ao uso generalizado de antifúngicos profiláticos, como azóis e equinocandinas. A mudança de C. albicans, que é quase exclusivamente suscetível a todos os antifúngicos, para espécies mais frequentemente resistentes ou tolerantes a essas drogas é preocupante e desafia os médicos devido às limitadas opções de tratamento.

No geral, C. glabrata tornou-se significativa na América do Norte, Austrália e na maior parte da Europa; enquanto, C. parapsilosis é a espécie não albicans dominante na América do Sul, Japão e Espanha. No entanto, a distribuição de espécies mostrou diferir entre populações pediátricas e adultas. Na população pediátrica, C. glabrata e C. krusei são relativamente raras na maioria das áreas geográficas, enquanto C. parapsilosis foi relatada como a espécie não albicans predominante.

Consistente com as tendências epidemiológicas acima, independentemente e quase simultaneamente, vários clones de C. auris surgiram na última década, em várias localizações geográficas em todo o mundo. A razão para o recente surgimento quase simultâneo de C. auris em vários países não é clara. Várias explicações têm sido sugeridas:

  • Hipótese 1: Candida auris está presente há muito tempo, mas não foi devidamente reconhecida microbiologicamente e foi erroneamente identificada como uma espécie diferente;
  • Hipótese 2: o aumento do uso de antifúngicos em ambientes de saúde e na agricultura exerceu pressão de seleção, favorecendo o surgimento de novas espécies de Candida resistentes. Exemplos: o aumento geral observado em espécies de Candida não albicans e o surgimento específico de C. glabrata resistente a equinocandina e Aspergillus fumigatus resistente a azóis;
  • Hipótese 3: interação entre as mudanças ecológicas e o aumento das temperaturas médias globais e as propriedades biológicas distintas de C. auris em comparação com outras espécies de Candida. Essas propriedades incluem termotolerância, halotolerância e a capacidade de formar agregados resilientes.

Devido a lacunas na identificação de C. auris e à falta de notificação obrigatória em alguns países, as infecções por C. auris podem ser subnotificadas.

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Identificação microbiológica

Continua sendo um sério desafio para os sistemas de saúde, especialmente em países em desenvolvimento. O reconhecimento precoce e preciso do patógeno é essencial para o tratamento adequado e a rápida implementação de medidas de controle de infecção. No geral, as capacidades de laboratório para identificar C. auris avançaram consideravelmente. Entretanto nem todos os países são igualmente proficientes.

A identificação correta de C. auris requer metodologia laboratorial especializada, como o uso de espectrometria de massa com ionização por dessorção a laser assistida por matriz (MALDITOF MS), incluindo espectros de referência de C. auris no banco de dados.

Quadro clínico

O espectro da infecção por C. auris varia amplamente, desde infecção cutânea superficial até doença invasiva. O C. auris foi descrito como progredindo da colonização para infecção invasiva em 4-25% dos adultos afetados. Os locais comuns de colonização descritos em adultos foram a pele (especialmente as regiões inguinal e axilar) e as superfícies mucosas (o trato geniturinário e os tratos gastrointestinal e respiratório — orofaringe, nariz, orelhas).

Em crianças, a colonização assintomática foi raramente descrita. A colonização foi relatada em um RN nascido de uma mãe colonizada; a pele (axila), olhos e ouvidos estavam envolvidos. Além disso, a progressão da colonização para a infecção não foi claramente descrita. A falta de relatos pediátricos de colonização pode ser devido à diminuição das taxas de triagem, consequente à taxa relativamente menor de surtos nosocomiais. No entanto, em uma pesquisa de prevalência pontual para colonização de C. auris em um hospital pediátrico de cuidados transitórios de longo prazo nos Estados Unidos, C. auris não foi identificada. Isso ocorre apesar da alta prevalência do fungo entre pacientes
adultos em serviços de saúde de gravidade semelhante na região.

Os autores da revisão descreveram que, de acordo com as 22 publicações encontradas sobre infecção por de C. auris, compreendendo 256 crianças, o tipo mais comum de infecção invasiva foi a da corrente sanguínea (94%, 194/206 pacientes com dados disponíveis sobre o local da infecção) A duração da candidemia não foi relatada na maioria dos estudos e estava disponível para apenas sete pacientes, e variou entre 7 e 11 dias. Outros tipos de infecção incluíram:

  • Meningite;
  • Endocardite;
  • Infecção intravascular;
  • Peritonite;
  • Infecção do trato urinário;
  • Abscesso cutâneo;
  • Otite.

As taxas de mortalidade associadas relatadas variaram de 0 a 80%. A maioria das séries relatou taxas de moralidade de, aproximadamente, 40%. No entanto, nem toda a mortalidade relatada foi atribuída à infecção por C. auris. Um episódio recorrente foi descrito em um lactente de cinco meses readmitido com trombose de um shunt sistêmico-pulmonar, vários meses após a candidemia inicial.

O tratamento antifúngico variou entre os estudos (alguns relataram a abordagem de infecções invasivas com combinação de antifúngicos). Devido ao pequeno número de pacientes, não foi possível tirar conclusões sobre as diferenças nas taxas de mortalidade de acordo com os esquemas prescritos.

Os pesquisadores destacaram que a idade dos pacientes, nos estudos avaliados, variou de 1 dia a 14 anos, com predomínio de meninos. Os grupos afetados foram, principalmente, RN e crianças que nasceram prematuramente. Assim, 12/16 séries de casos envolveram Unidades de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) e 70/214 pacientes (33%) tinham esse perfil. Dos 135 pacientes com dados disponíveis sobre condições subjacentes:

  • 94 (70%) tinham um cateter venoso central;
  • 82 (61%) estavam em nutrição parenteral total;
  • 54 (40%) foram expostos a antibióticos de amplo espectro;
  • 29 (22%) foram submetidos a procedimento cirúrgico prévio;
  • 31 (23%) apresentaram imunodeficiência congênita ou adquirida.
  • 1 paciente pediátrico foi identificado durante a pandemia de covid-19.

Tratamento

Para RN e lactentes com idade inferior a dois meses, o tratamento inicial de escolha é a anfotericina B desoxicolato. Se um paciente não responder a esse medicamento, a anfotericina B lipossomal pode ser considerada. Em circunstâncias excepcionais, quando o envolvimento do sistema nervoso central for descartado, o tratamento com equinocandinas pode ser considerado com cautela.

Até que dados clínicos eficientes estejam disponíveis e o tratamento antifúngico ideal seja definido, as recomendações atuais sugerem o tratamento empírico inicial de infecções por C. auris com uma equinocandina, para lactentes com dois meses de idade ou mais. No entanto, devido ao potencial de desenvolvimento rápido de resistência durante a terapia, culturas de acompanhamento e testes de sensibilidade repetidos devem ser realizados, especialmente em pacientes tratados com equinocandinas. O tratamento deve ser alterado para anfotericina B lipossomal se a resposta clínica for inadequada ou se houver candidemia por mais de cinco dias durante o tratamento com equinocandinas. O tratamento inicial com anfotericina B lipossomal deve ser considerado em pacientes com exposição prolongada prévia a equinocandinas, para os quais a resistência ao fármaco é uma preocupação.

Em casos de isolamento de C. auris em locais não invasivos, como pele, reto ou trato respiratório, o tratamento não é recomendado. Semelhante às recomendações para outras espécies de Candida, o tratamento geralmente é indicado apenas se a doença clínica estiver presente. No entanto, medidas de controle de infecção devem ser usadas para todos os pacientes com C. auris, independentemente da origem da amostra.

Profilaxia

Em cenários de altas taxas de C. auris, alguns autores aconselham a profilaxia antifúngica para RN prematuros de baixo peso com equinocandinas, como uma alternativa à profilaxia padrão com fluconazol. Essa recomendação se deve à prevalência de resistência ao fluconazol de C. auris. Um pequeno estudo clínico comparativo relatou que a micafungina, em comparação com a profilaxia com fluconazol contra infecções fúngicas em RN com peso extremamente baixo, foi associada a uma diminuição da incidência de infecções por C. albicans. Além disso, a segurança e a farmacocinética da micafungina foram previamente avaliadas nesses pacientes. Assim, no cenário de um surto em UTIN, a profilaxia com micafungina pode ser considerada para populações de alto risco. No entanto, surge a preocupação de que o uso de equinocandina possa exercer pressão seletiva favorecendo o surgimento de C. auris.

Medidas de controle de infecção hospitalar

As investigações também mostraram altas taxas de positividade para C. auris de amostras ambientais, como coletadas em grades de camas, parapeitos de janelas e equipamentos médicos compartilhados. Após a alta, os equipamentos e quartos médicos reutilizáveis devem ser limpos e desinfetados com desinfetantes à base de cloro na concentração de 1.000 ppm, peróxido de hidrogênio ou outros desinfetantes com atividade fungicida documentada. Desinfetantes compostos de amônio quaternário devem ser evitados. A detecção de uma infecção por C. auris deve levar a uma investigação epidemiológica e triagem de pacientes de contato próximo. Os locais de triagem sugeridos pelo CDC são a virilha e a axila, bilateralmente, pois esses locais foram identificados como os locais mais comuns e consistentes de colonização em adultos. Outros locais considerados para amostragem são: urina, nariz, garganta e reto.

Em ambientes comunitários, as autoridades locais são aconselhadas a excluir da creche o atendimento de crianças com infecções de feridas por C. auris até que a drenagem das feridas ou infecções de pele e tecidos moles sejam contidas. Para além do acima referido, as autoridades de saúde devem recomendar a vigilância prospetiva ativa para C. auris, nomeadamente a notificação de rotina por laboratórios e profissionais de saúde. A inclusão de C. auris na lista nacional de organismos causadores de notificação obrigatória é fortemente recomendada. Precauções de controle de infecção são recomendadas quando a triagem identifica um paciente com C. auris ou para pacientes com infecção clínica. Medidas padrão de controle de infecção devem ser aplicadas rapidamente e mantidas até a alta do paciente. Isso se baseia na colonização persistente de pacientes com C. auris em estudos de vigilância.

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  •   Ashkenazi-Hoffnung L, Rosenberg Danziger C. Navigating the New Reality: A Review of the Epidemiological, Clinical, and Microbiological Characteristics of Candida auris, with a Focus on Children. J Fungi (Basel). 2023;9(2):176. DOI: 10.3390/jof9020176

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