Uso de substâncias entre homens que praticam sexo com homens e o risco de infecções

O abuso de substâncias lícitas e ilícitas entre homens que praticam sexo com outros homens (HSH) e o risco de infecções foi alvo de estudo.

Em diversos países e nos últimos anos, a aceitação social e as medidas de proteção legais têm incluído indivíduos que pertencem a várias categorias tradicionalmente excluídas (vulgo minorias) pela sociedade, incluindo homossexuais, bissexuais ou outros perfis de comportamento sexual. Apesar dos progressos, o estigma, discriminação e as barreiras estruturais aos serviços persistem e resultam em disparidades nos cuidados em saúde e no prejuízo da qualidade de vida dessas pessoas. Como consequência direta ou indireta dessas disparidades, o uso e abuso de substâncias lícitas e ilícitas entre gays, bissexuais e outros homens que praticam sexo com outros homens (HSH) têm alcançado taxa de consumo maiores do que entre aqueles que não apresentam esse perfil. De forma a analisar os detalhes dessas questões, Compton e Jones (2021) publicaram na New England Journal of Medicine uma revisão interessante sobre esse assunto e as implicações para a Saúde Pública, incluindo a problemática da epidemia de overdoses, das perturbações psiquiátricas e das infecções sexualmente transmissíveis. Descrevemos aqui resumidamente alguns dos pontos principais abordados nesse artigo. 

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O termo HSH é uma proposta literária ampla de simplificação e uniformização da categoria dos indivíduos que apresentam esse tipo de comportamento sexual, e incluem gays, bissexuais e homens que se identificam como heterossexuais mas praticam sexo com outros homens, incluindo na oferta da prática em troca de drogas ou dinheiro. O padrão e contexto do uso de substâncias entre HSH é variável e estão relacionados a prejuízos diversos. Essa prática pode ter o caráter intermitente ou regular, podem ou não ocorrer durante os encontros sexuais, e podem ou não fazer parte de um fenótipo típico de dependência. 

Uso de substâncias entre homens que praticam sexo com homens e o risco de infecções

A epidemiologia do uso de substâncias entre HSH

As principais substâncias incluídas nos perfis de uso e abuso entre HSH incluem:

  • Lícitas: 
    • Cigarro ou tabaco; 
    • Álcool; 
    • Medicações prescritas; 
  • Ilícitas: 
    • Compostos de nitrito; 
    • Cocaína e derivados; 
    • Heroína; 
    • 3,4-methylenedioxymethamphetamine (MDMA); 
    • Metanfetamina; 
    • E outros;
  • Produtos medicinais em prática não recomendada: 
    • Cannabis
    • Medicamentos prescritos (estimulantes, sedativos, ansiolíticos), mas com uso não indicado. 

Estudos prévios no período de 1981 a 1982 indicam que o uso de drogas consideradas “pesadas”, de forma eventual ou diária, era duas vezes mais provável de ocorrer entre HSH do que na população em geral. Outra abordagem denominada The National Comorbidity Survey realizada entre 1990 e 1992 descreveram que o abuso de drogas era 2,4 a 2,8 mais comuns entre HSH do que entre outras categorias. Outra publicação da National Survey on Drug Use and Health (NSDUH), envolvendo a população de indivíduos residentes não institucionalizados nos Estados Unidos, entre 2017 a 2019, demonstraram que HSH apresentavam maiores taxas de uso de praticamente todas as substâncias em comparação com aqueles não classificados nessa categoria. Os estudos subsequentes confirmaram tais tendências, e indicam que se distribuem nas diferentes faixas etárias dos adultos e tipos de substâncias. 

Curiosamente o uso de tabaco é superior entre HSH mas o uso diário desse é menos comum quando comparado com homens que praticam sexo exclusivamente com mulheres. O mesmo ocorre quando avaliado o uso de álcool ou em taxas similares.

Dentre os HSH, as taxas de uso de substância eram particularmente superiores entre bissexuais. Adicionalmente, os fatores geográficos também influenciam essas práticas, pois talvez o uso de plataformas de mídias sociais para encontros sexuais podem diferir entre localidades. 

Coexistência de transtornos psiquiátricos 

Outro aspecto abordado na revisão publicada por Compton & Jones (2021) consiste na coexistência de transtornos psiquiátricos em taxas superiores, 2 a 3 vezes maiores, entre HSH do que entre homens não classificados nessa categoria. Os autores reforçam os achados de estudos anteriores que indicaram que as motivações para o uso de substâncias entre HSH estão principalmente relacionadas com o estresse associado a “pressões” sexuais (como estigma, homofobia internalizada e rejeição), traumas e experiências adversas na infância (ex. Bullying, abuso sexual ou outros). Por exemplo, uma maior prevalência de transtornos psiquiátricos têm sido observados entre HSH com uso e abuso de metanfetamina do que entre aqueles que não utilizam. 

Os autores também relembram um termo sugerido anteriormente denominado “sindemia”, que consiste em uma síndrome de sobreposição de epidemias. Descrevem que os riscos sobrepostos relacionados às altas taxas de abuso sexual na infância, violência íntima pelo parceiro ou violência doméstica, uso de múltiplas substâncias ou polidrogas, depressão, compulsão sexual e o risco de HIV são atualmente epidemias que aumentam a complexidade e direcionam as necessidades para os cuidados com a saúde e comportamentos entre HSH. 

Consequências à saúde entre HSH 

O uso de substâncias entre HSH está associado a diversas alterações clínicas devido aos efeitos diretos das substâncias (ex. alterações cardiovasculares e respiratórios devido ao uso de tabaco e opioides, alterações hepáticas pelo dano relacionado ao uso de álcool, arritmias pelos estimulantes) e efeitos indiretos devido a rota de administração da droga (ex. infecção pelo HIV, hepatite viral e alterações nasais). Também se somam os efeitos indiretos psicossociais e às infecções sexualmente transmissíveis. HSH com múltiplos parceiros sexuais apresentam maior probabilidade de uso de drogas injetáveis, uso de drogas e troca de sexo por drogas.

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O termo “chemsex” têm sido utilizado para definir o uso de drogas junto com experiências sexuais organizadas. Algumas dessas drogas incluem a inalação de nitritos (“poppers”, estimulantes (ex. metanfetamina e cocaína), álcool e outras drogas como γ-hidroxibutirato (GHB), γ-butirolactona (GBL), e quetamina. Geralmente o uso desses compostos inclui a estimulação do prazer sexual e o prolongamento das experiências sexuais. A principal preocupação está relacionada ao fato de que o uso dessas substâncias pode estar associado com o sexo anal não protegido e outros comportamentos sexuais que aumentam significativamente o risco de transmissão de HIV e outras infecções sexualmente transmissíveis. A aderência ao uso de preservativos e/ou a utilização de profilaxia pré-exposiçao ao HIV (PreP) é inversamente proporcional ao uso de metanfetamina ou outras substâncias. Estima-se que cerca de 35,7% da incidência da infecção por HIV em HSH está relacionada ao uso concomitante de metanfetamina de forma recreativa, com valores 7 vezes superiores àqueles que não utilizam a droga. 

Reforça-se a importância de atenção especial a propostas que visem a diminuição do consumo de substâncias entre HSH de forma a direta ou indiretamente prevenir as consequências deletérias para a saúde desses indivíduos. 

Recomendações para os cuidados em saúde com HSH e o uso de substâncias

  • Deve-se criar um ambiente clínico de acolhimento com acesso igualitário, livre de estigmas ou preconceitos, e com oferta de cuidados e serviços em saúde; 
  • Incluir a análise de risco sexual, uso de substâncias e transtornos psiquiátricos na rotina dos atendimentos clínicos; 
  • Proporcionar os mesmos serviços preventivos oferecidos às outras categorias de homens, com a atenção especial às questões que afetam homens que praticam sexo com outros homens (HSH) de maneira mais intensa, considerar a vacinação à hepatites A e B, e a profilaxia pré-exposição ao HIV, oferta de seringas estéreis, oferta de preservativos, prevenção de overdoses, oferta de tratamento de dependência e etc; 
  • Instituir o rastreio para doenças sexualmente transmissíveis e proporcionar o devido tratamento para a infecção por HIV, hepatite C e outras infecções sexualmente transmissíveis.

Outros detalhes adicionais sobre esse assunto podem ser verificados nas referências abaixo. 

Referências bibliográficas:

  • Compton WM, Jones CM. Substance Use among Men Who Have Sex with Men. N Engl J Med. 2021 Jul 22;385(4):352-356. doi10.1056/NEJMra2033007
  • Cottler LB, Helzer JE, Tipp JE. Lifetime patterns of substance use among general population subjects engaging in high risk sexual behaviors: implications for HIV risk. Am J Drug Alcohol Abuse. 1990;16:207-22. doi10.3109/00952999009001584.
  • Gilman SE, Cochran SD, Mays VM, Hughes M, Ostrow D, Kessler RC. Risk of psychiatric disorders among individuals reporting same-sex sexual partners in the National Comorbidity Survey. Am J Public Health. 2001;91:933-9. doi10.2105/ajph.91.6.933

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