Vasculite ANCA-associada: uso de plasmaférese pode melhorar prognóstico?

O desenvolvimento de doença renal crônica em estágio terminal e morte prematura são relativamente frequentes em pacientes com vasculite ANCA-associada.

O desenvolvimento de doença renal crônica em estágio terminal (DRCET) e morte prematura são relativamente frequentes em pacientes com vasculite ANCA-associada (AAV). O uso de corticoide em altas doses é o tratamento padrão descrito na literatura, associado a imunossupressores (ciclofosfamida ou rituximabe).

Além disso, na tentativa de melhorar o prognóstico desses pacientes, a plasmaférese (que será usada como sinônimo do plasma exchange) é uma terapia considerada naqueles com glomerulonefrite rapidamente progressiva (creatinina >5,6 mg/dL) e/ou presença de hemorragia alveolar. No entanto, evidências corroborando a eficácia dessas práticas são escassas.

Na tentativa de responder essas questões, o estudo PEXIVAS foi conduzido. Discutiremos os seus principais resultados a seguir.

médicos anotando sobre vasculite ANCA-associada

Vasculite ANCA-associada

Trata-se de um estudo aberto, multicêntrico, randomizado e placebo-controlado, cujo objetivo é avaliar a eficácia da plasmaférese e de dois regimes diferentes de corticoterapia.

Os pacientes foram recrutados entre junho de 2010 e setembro de 2016. Critérios de inclusão: 15 anos ou mais, diagnóstico novo ou recorrente de granulomatose com poliangiíte ou poliangiíte microscópica, positividade para anti-PR3 ou anti-MPO, acometimento renal com taxa de filtração glomerular estimada <50 mL/min/1,73 m² de superfície corporal ou hemorragia alveolar difusa.

Esses pacientes foram divididos em quatro grupos (plasmaférese + dose padrão de corticoide, plasmaférese + dose reduzida de corticoide, sem plasmaférese + dose padrão de corticoide, sem plasmaférese + dose reduzida de corticoide), na proporção de 1:1:1:1. Todos pacientes receberam indução com ciclofosfamida ou rituximabe + metilpredinsolona endovenosa diária por 1 a 3 dias (dose cumulativa máxima de 1-3 g). Um algoritmo de randomização foi utilizado, pareando os pacientes de acordo com alguns parâmetros: <60 anos ou ≥60 anos; creatinina <5,6 ou ≥5,6 mg/dL, subtipo de ANCA, gravidade do acometimento pulmonar (ausente vs. leve vs. grave – definido como SpO2 ≤85% ou necessidade de ventilação mecânica) e terapia de indução utilizada.

Durante a primeira semana, os pacientes receberam a mesma dose de corticoterapia. No início da segunda semana, os pacientes no esquema de doses reduzidas diminuíram cerca de 50% da dose inicial, enquanto que os pacientes com doses padrões progrediram o desmame mais lentamente a partir da terceira semana. No final de seis meses, a dose cumulativa programada de corticoide no grupo de doses reduzidas era 60% menor que no de dose padrão. A partir da 22ª semana, os pacientes receberam 5 mg por dia até a semana 52. Em caso de recorrência precoce, um curso adicional de pulsoterapia com metilprednisolona endovenosa foi autorizada.

Leia também: Vasculites na emergência: como identificar e manejar? [ABRAMEDE 2018]

A plasmaférese foi realizada com 60 mL/kg de albumina, com sete sessões ao longo de 14 dias da randomização. Em pacientes com alto risco de sangramento, o uso de plasma poderia ser indicado.

A manutenção de pacientes com ciclofosfamida foi realizada com azatioprina até a semana 52.

O estudo inicialmente foi programado para dois anos de seguimento, mas, como a maioria dos eventos ocorreram nos primeiro ano, os dados foram analisados com um ano.

O desfecho primário escolhido foi um composto por DRCET (definida como diálise por 12 ou mais semanas ou necessidade de transplante renal) ou morte por qualquer causa. Os desfechos secundários analisados foram: DRCET, morte por qualquer causa, remissão sustentada (BVAS=0), eventos adversos graves, infecções graves no primeiro ano e qualidade de vida (medida pelo SF-36 e pelo EuroQol-5D).

O tamanho amostral calculado para um poder de 80% e RR 0,64 para o grupo da plasmaférese foi de 700 por um período de um ano (estipulado para ser capaz de identificar 164 desfechos primários).

Resultados

Foram incluídos 704 pacientes de 95 centros distribuídos por 16 países. Algumas perdas ocorreram, porém mais de 90% dos pacientes em todos os grupos concluíram o estudo e, portanto, foram incluídos na análise por protocolo. Não forma encontradas diferenças significativas entre as características basais dos diferentes grupos.

Na análise do desfecho primário, não houve diferença entre os grupos que realizaram ou não plasmaférese (RR 0,86 [IC 95% 0,65-1,13]), mesmo após ajustes, análise por protocolo e análise com um ano de seguimento. Os resultados foram semelhantes entre os grupos com doses padrão e reduzida de corticoide (doses reduzidas foi não inferior em relação às doses padrões).

Nos desfechos secundários de eficácia, também não houve diferença entre os grupos com ou sem plasmaférese e com diferentes regimes de corticoterapia. Esse estudo inclui um número razoável de pacientes com hemorragia alveolar (N=191), sendo que 61 deles tinha um quadro grave. Mesmo nesse contexto, não houve diferenças entre os grupos com relação ao desfecho primário.

Com relação à segurança, as infecções com um ano de seguimento foram menos frequentes no grupo com doses reduzidas de corticoide (razão de taxas de incidência 0,69 [IC95% 0,52-0,93]); já os eventos adversos renais graves foram mais frequentes nesse grupo (RR 1,84 [IC95% 1,18-2,87]), apesar de a taxa de DRCET ter sido semelhante entre os grupos.

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Comentários

Os resultados desse trial contrastam com os de alguns estudos prévios, que demonstravam redução da necessidade de diálise com 12 meses em pacientes com AAV que realizaram plasmaférese. Os autores discutem a possibilidade de erros sistemáticos e número reduzidos de eventos nos estudos anteriores, mas também levantam a possibilidade de melhora nos esquemas terapêuticos das AAV, o que é uma realidade e poderia reduzir a necessidade e o impacto do uso da plasmaférese nesse contexto.

Além disso, o uso de doses reduzidas se mostrou não-inferior ao tratamento com doses padrões, o que pode auxiliar na padronização dos esquemas e na redução da dose acumulada de corticoide (que pode aumentar sobremaneira a morbiletalidade).

Desse modo, os autores concluem que a adição de plasmaférese ao esquema padrão de tratamento não reduz a chance de DRCET ou morte e que o uso de doses reduzidas de corticoide foi não inferior ao esquema habitual.

Referência bibliográfica:

  • Walsh M, Merkel PA, Peh C-A, et al. Plasma exchange and glucocorticoids in severe ANCA-associated vasculitis. New Engl J Med 2020;382:622-31.

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