Vírus Sabiá: pesquisadores brasileiros investigam vírus de alta letalidade ressurgido no país após 20 anos

O agente causador da febre hemorrágica brasileira foi batizado de Sabiá por ter sido localizado inicialmente em um bairro do mesmo nome.

Pesquisadores do Instituto de Medicina Tropical (IMT) e do Hospital das Clínicas (HC), ambos da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), estão aprofundando uma investigação que começou em 2019, quando dois novos casos de infecção pelo vírus sabiá (SABV) foram identificados na zona rural de São Paulo.

O agente causador da febre hemorrágica brasileira foi batizado de Sabiá por ter sido localizado inicialmente no bairro do mesmo nome, no município de Cotia, na Grande São Paulo.

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Anteriormente, apenas quatro infecções desse tipo haviam sido detectadas no país. A última delas, há mais de 20 anos. Os dois diagnósticos foram realizados durante um surto de febre amarela na região sudeste do país.

“Fizemos esse estudo durante a epidemia de febre amarela, por isso não conseguimos fechar o diagnóstico e saímos atrás de outros vírus. Para nossa surpresa, achamos esses dois casos, que são extremamente raros”, explicou a médica Ana Catharina Nastri, da Divisão de Doenças Infecciosas do HC-FMUSP, em entrevista ao portal da FMUSP.

Embora existam diversos tipos de Mammarenavirus descritos em diferentes países da América do Sul, o vírus sabiá (SABV) é característico do Brasil.

Segundo a médica, alguns desses vírus possuem o ciclo viral conhecidos, já o SABV possui pouquíssimos dados. Ainda não se sabe o seu reservatório na natureza, a forma de transmissão, e se existiria infecção através do contato inter-humano.

A boa notícia é que os avanços na anatomia patológica, especialmente na microscopia eletrônica, permitiram o conhecimento de novas informações sobre as suas manifestações clínicas, histopatologia e a possibilidade de transmissão hospitalar do SABV. Os achados foram publicados na revista Travel Medicine and Infectious Disease, em maio deste ano.

Vírus Sabiá: pesquisadores brasileiros investigam vírus de alta letalidade ressurgido no país após 20 anos

Histórico das infecções

Previamente ao estudo, apenas quatro infecções por vírus sabiá (SABV) haviam sido registradas. Ao que tudo indica, uma delas ocorreu na cidade de Cotia, em 1990, e outra, na cidade do Espírito Santo do Pinhal, em 1999, ambas localizadas na zona rural do estado de São Paulo.

Nos dois casos, trabalhadores rurais vieram a óbito em decorrência de complicações da febre hemorrágica. As outras duas infecções ocorreram em funcionários de laboratório que, provavelmente, foram infectados enquanto manipulavam o vírus, mas sobreviveram.

Já os dois novos casos detectados aconteceram nas cidades de Sorocaba e Assis, no interior de São Paulo. Ambos os pacientes foram admitidos no Hospital das Clínicas (HC) com suspeita de caso grave de febre amarela.

O primeiro foi um homem de 52 anos que havia caminhado pela floresta no município de Eldorado e passou a apresentar sintomas como dor muscular e abdominal, além de tontura. No dia seguinte, ele desenvolveu conjuntivite, sendo medicado em um hospital local e depois liberado. Quatro dias depois, foi internado novamente com febre alta e sonolência. Suspeitou-se de febre amarela e foi transferido para o Hospital das Clínicas.

Durante a internação, seu quadro clínico foi agravado até ele ser transferido para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI), dez dias após o início dos sintomas, com sangramento significativo, insuficiência renal, rebaixamento do nível de consciência e hipotensão, vindo a óbito dois dias depois.

Saiba mais: Covid-19: Vacinas evitaram 20 milhões de óbitos em um ano de pandemia, aponta estudo

O segundo caso refere-se a um homem de 63 anos, trabalhador rural de Assis, que apresentou febre, mialgia generalizada, náusea e prostração. Os sintomas pioraram e oito dias depois ele foi admitido no HC com depressão do nível de consciência e insuficiência respiratória com necessidade de intubação. Uma disfunção ventricular esquerda grave levou-o a um choque refratário e eventual óbito, onze dias após o início dos sintomas.

Utilização da técnica metagenômica

Para realizar os diagnósticos, os pesquisadores utilizaram a técnica metagenômica, que permite identificar vírus ainda desconhecidos através da extração, replicação e eventual sequenciamento do material genético do agente infeccioso.

Esse material foi comparado a outros organismos em bancos de dados de bioinformática, com informações de patógenos de todo o mundo. Ao relacionar o vírus encontrado nos pacientes com outros tipos de Mammarenavirus e verificar a compatibilidade da descoberta com a prática clínica, determinou-se que se tratava do vírus sabiá (SABV).

Na análise das duas infecções que levaram ao óbito dos pacientes do estudo, os pesquisadores identificaram sintomas análogos aos registrados nos casos da década de 1990.

Em todos os casos houve um comprometimento significativo do fígado e de órgãos associados à produção de células de defesa, o que pode ter facilitado o surgimento de infecções secundárias, tornando o diagnóstico inicial mais complexo.

“Concluímos, baseados nos outros Mammarenavirus da América do Sul, que provavelmente a pessoa se contamina por inalação de partículas virais, talvez de fezes de roedores. Mas isso não está comprovado justamente porque temos pouquíssimos casos descritos”, disse a médica.

Ana Nastri ainda alertou que, justamente por se tratar de áreas rurais com menos recursos laboratoriais e de diagnóstico, alguns casos podem ter sido subnotificados, impossibilitando um panorama completo da febre hemorrágica brasileira.

“Não sabemos se realmente não há casos mais leves, como na febre amarela, que possui desde o caso grave até os que não tem sintoma nenhum.”

Uma diferença importante do estudo em relação aos relatos anteriores do vírus remete à incidência de transmissão hospitalar. Os pesquisadores não encontraram nenhuma infecção desse tipo durante o rastreamento de contatos, o que mostra que utilizando as precauções habituais, como máscara, luva, óculos e avental, não houve transmissão. No entanto, ainda não é possível ter certeza disso, pois são apenas dois casos.

Futuro risco à saúde pública?

Especialistas afirmam que é muito cedo para dimensionar o atual impacto deste vírus para a saúde pública, visto que não se conhece bem a sua via de transmissão, tampouco o número de casos que ocorrem anualmente.

“Contudo, mesmo considerando o subdiagnóstico, a doença é rara e aparentemente não tem potencial para causar epidemias de grandes proporções, uma vez que depende de um contexto muito específico: exposição a locais contaminados com fezes e urina de um roedor específico, silvestre, que habita um bioma limitado do país. É diferente da dengue e da febre amarela, que são transmitidas por picada de mosquitos, e da leptospirose, cujos roedores envolvidos na transmissão são de habitat urbano. Por outro lado, quando essa conjunção de fatores acontece e a infecção ocorre, a gravidade da doença é muito grande, o que por si só já é uma preocupação de saúde pública”, afirmou a infectologista do Grupo Fleury, Carolina dos Santos Lázari, em entrevista ao Portal de Notícias da PEBMED.

Como os médicos devem realizar o diagnóstico?

Como não existem exames específicos disponíveis nos laboratórios de rotina, o diagnóstico é feito através da detecção e sequenciamento do material genético do vírus (RNA) por técnicas moleculares, geralmente realizados somente em laboratórios de referência de saúde pública ou de pesquisa.

“As febres hemorrágicas são de notificação compulsória e, uma vez excluídas as causas mais comuns, devem ser encaminhadas amostras aos laboratórios de referência para investigação mais ampla. Também não há tratamento antiviral específico. Um dos casos recebeu ribavirina, e sobreviveu, o que não significa que o medicamento realmente tenha trazido benefício. Há algumas evidências, também fracas, de que a ribavirina atue contra outros arenavírus. O mais importante é o suporte clínico, em ambiente de terapia intensiva para os casos graves”, explicou a infectologista.

Mesmo com poucos casos confirmados, as pessoas devem ser orientadas a evitar entrar em ambientes que possam estar contaminados com fezes e urina de roedores silvestres, como casas fechadas há muito tempo ou cavernas, especialmente em áreas de mata.

Se houver necessidade de exposição a esse tipo de ambiente por razões profissionais, utilizar equipamentos de proteção individual adequados. O mesmo se aplica aos profissionais de saúde e de laboratório ao manipularem o paciente ou o vírus sabiá (SABV). Caso apresentem sintomas febris após alguma dessas situações de risco, devem procurar atendimento médico o mais rápido possível.

Esse texto foi revisado pela equipe médica do Portal PEBMED.

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