Em 1952 houve uma epidemia severa de poliomielite na cidade de Copenhagen na Dinamarca, levando dezenas de pacientes a serem submetidos à ventilação artificial por conta da paralisia progressiva causada pelo vírus da pólio. Nessa época, apenas os pulmões de ferro faziam essa função e permitiam que os pacientes fossem submetidos à ventilação artificial por pressão negativa, porém havia muito casos de broncoaspiração pela precariedade da máquina existente.
Nessa cidade, havia apenas um único aparelho disponível para diversos pacientes. Por esses motivos, Bjorn Ibsen, um anestesista do Blegdam Hospital, sugeriu aplicar ventilação por pressão positiva por meio de traqueostomias, para garantir uma melhor oxigenação, além de proteger os pulmões. Mais de 1500 médicos, estudantes de medicina e dentistas se revesaram para ventilar manualmente esses pacientes e muitas vidas foram salvas. Para melhorar a logística da situação, todos os pacientes foram deslocados para uma única unidade no Blegdam Hospital.
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Foi assim que surgiu a primeira unidade de terapia intensiva mundial. Durante esse período, os aparelhos de anestesia, que eram utilizados na época para pequenos procedimentos sob anestesia geral, foram levados para essa unidade e substituiram a ventilação manual, surgindo o conceito de “máquinas criadas para salvar vidas em pacientes críticos”. Esse ano, comemora-se 70 anos do desenvolvimento da especialidade de terapia intensiva.
Durante esses 70 anos, diversas máquinas passaram a ser criadas e aprimoradas, com o objetivo principal de melhorar as condições clínicas de pacientes criticamente enfermos. Nesse sentido, as unidades de terapia intensiva foram ganhando destaque: dentro dos hospitais, tornaram-se os locais com maiores condições de salvar a vida de pacientes críticos, com equipamentos e tratamentos específicos para gerar suporte de vida.
Diversas mudanças foram realizadas na maquinaria, tornando-as mais modernas, precisas e mais fáceis de serem utilizadas. Atualmente máquinas para suporte extracorpóreo de órgãos podem ser utilizadas para compensar apenas um ou múltiplos órgãos ao mesmo tempo e monitores estão cada vez mais portáteis e equipados com algorítimos de inteligência artificial que permitem o seu uso da forma mais precisa e simples possível possibilitando que pacientes com disfunção múltipla de órgãos sejam tratados com extrema segurança e eficácia.
No futuro, a terapia de suporte de múltiplos órgãos (MOST- Multiple Organ Support Therapy) será desenvolvida e permitirá o tratamento e suporte concomitante de múltiplos órgãos em falência. Poderá ser incluído na MOST além do suporte ventilatório, oxigenação da membrana extracorpórea (ECMO), remoção extracorporal de dióxido de carbono (ECCO2R), suporte circulatório mecânico, terapias de reposição renal, assistência ventricular percutânea, suporte hepático extracorpóreo, plasmaferese, entre outras terapias. Todas essas técnicas já são utilizadas em unidades de terapia intensiva, porém de forma isolada e ainda não se conhece o mecanismo de interação entre elas.
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Vale salientar que, para um bom andamento e solução clínica, é preciso que haja uma interação e conhecimemto por parte da equipe multidisciplinar de todos as possibilidades terapêuticas existentes. É importante que todos os tópicos relacionados à terapia intensiva sejam explicados de forma acadêmica e didática, com figuras e tabelas para facilitar a compreensão da utilização do arsenal terapêutico, principalmente em relação a terapias invasivas e não invasivas da parte respiratória.
Atualmente, com a covid-19, muitos artigos e estudos sobre a parte respiratória foram lançados e atualizados e muito se foi ensinado sobre falência respiratória aguda e uso de suporte ventilatório invasivo e não invasivo. Um bom exemplo foi o uso de ECMO e ECCO2R, mecanismos que não eram expandidos em todos os centros de terapia intensiva do mundo.
Muito se desenvolveu em relação a outras abordagens, como up to dates para a manutenção do sistema cardiovascular, terapia de reposição renal de forma otimizada, prevenção de complicações de acessos vasculares, otimização do uso de ultrassonografia a beira do leito, monitorização intracerebral, entre tantas outras evoluções terapêuticas.
Desde a sua fundação, a medicina de terapia intensiva vem desenvolvendo técnicas tanto de tratamento medicamentoso como de suporte artificial para múltiplos órgãos, sempre a fim de promover o melhor, sem causar danos, para os pacientes críticos com necessidade de tratamento intensivo. As unidades de terapia intensiva vem fazendo esse papel com bastente destreza.
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